6.3.13
Augusto dos Anjos: "Último Credo"
Último Credo
Como ama o homem adúltero o adultério
E o ébrio a garrafa tóxica de rum,
Amo o coveiro – este ladrão comum
Que arrasta a gente para o cemitério!
É o transcendentalíssimo mistério!
É o nous, é o pneuma, é o ego sum qui sum,
É a morte, é esse danado número Um
Que matou Cristo e que matou Tibério!
Creio, como o filósofo mais crente,
Na generalidade decrescente
Com que a substância cósmica evolui...
Creio, perante a evolução imensa,
Que o homem universal de amanhã vença
O homem particular que eu ontem fui!
ANJOS, Augusto dos. "Último Credo". In: BANDEIRA, Manuel. Apresentação da poesia brasileira. São Paulo: Cosacnaify, 2009.
Labels:
Augusto dos Anjos,
Poema
Assinar:
Postar comentários (Atom)
5 comentários:
O homem universal de amanhã: o ser humano morto, sendo húmus! (ao ler "homem universal" pensei em Kant, depois vi que não cabia)
ps. Cicero, você afirma que a razão é natural, e o dogma, cultural. Tendo em vista a esmagadora maioria da humanidade submetida a dogmas, posso concluir que a cultura é mais forte do que a natureza.
Porém, tenho a impressão de que a presença da razão não suporta dogma algum. Ou seja, ainda que a razão seja realmente inata (tal qual a linguagem para Chomsky), não precisa de estímulos específicos sem os quais não se desenvolve?
Abraço,
Erick
Já vi,meu querido Cícero, em mais de um lugar, o último verso com uma troca de posição do termo "eu", colocado, muita vez, depois do pronome relativo "que".
Caro Henrique Wagner,
muito obrigado por me alertar. Não sei como escapou à minha revisão.
Abraço
Caro Erick
A razão é natural, no sentido de que surge como um produto da evolução natural. Contudo, ela se manifesta em primeiro lugar como a razão crítica (de crísis, que significa a potência de separar, de distinguir), de modo que, através dela, o homem se separa da própria natureza, analisa a natureza, produz a linguagem e produz a própria cultura. Pois bem, a cultura, produzida pela razão, é capaz de se opor a esta.
Em “Da atualidade do conceito de civilização”, como em “Proteu”, explico isso:
“Uma formação cultural particular, assim como cada um dos costumes, instituições e objetos de que se compõe, são formas que foram arrancadas, com grande sacrifício, à natureza e contra ela. Trata-se de uma configuração constantemente ameaçada, face à hostilidade da natureza e de outras culturas, à necessidade de se relacionar com outras culturas e delas se distinguir, aos seus conflitos internos e às tendências centrífugas dos indivíduos que a compõem. Não admira que, uma vez atingido algum equilíbrio, inevitavelmente precário, ela tenda a buscar manter-se idêntica a si mesma, evitando tudo o que possa desestabilizá-la: por exemplo, toda forma nova. Assim, em primeiro lugar, tendo ignorado a criatividade da natureza, isto é, tendo ignorado a natureza como natura naturans – natureza criativa, da qual faz parte a razão – ela a considera exclusivamente como natura naturata, isto é, como conjunto de formas positivas; em segundo lugar, ela toma essas formas positivas como eternas; em terceiro lugar, ela tenta naturalizar as suas próprias formas culturais, isto é, as suas formas morais, religiosas, sociais, estéticas, políticas etc., identificando-as com as formas naturais putativamente eternas. À medida que se encontre em seu poder fechar o conjunto das formas culturais admissíveis, ela o faz, classificando qualquer nova forma natural ou artificial como antinatural, contra naturam ou “bárbara”. “Chamamos contra natureza”, diz Montaigne com extraordinária perspicácia, “o que é contra o costume. Nada existe, seja o que for, que não seja conforme à natureza. Que essa razão universal e natural expulse de nós o erro e o espanto que a novidade nos traz”.
Isso é o que se chama “barbárie”.
Continuo:
“A cultura massacra tanto mais a natureza quanto mais usurpa o seu lugar. Desse modo, o bárbaro não admite, no universo das possibilidades vitais dele mesmo e dos demais membros da sua comunidade, ou mesmo de toda a humanidade, qualquer comportamento alternativo. É por isso que ele julga as formas das demais culturas segundo os critérios da cultura a que pertence. Ele está, por assim dizer, “colado” à sua cultura e não seria capaz, nem imaginariamente, de se transportar para a situação de uma pessoa pertencente a outra cultura”.
É o etnocentrismo, característica do bárbaro.
Isso significa que a cultura é mais forte que a razão? Não. Essa intolerância barbárica é resultado exatamente do medo, da fraqueza. Assim são os fundamentalismos religiosos. Mas não há como resistir indefinidamente à razão, que inexoravelmente critica e relativiza seus próprios produtos. A modernidade é o mundo em que a crítica – a razão – luta contra a barbárie.
É tudo uma grande ilusão, amanhã será um novo dia!
Postar um comentário