3.9.12

Adriano Nunes: "Crítica literária: 'Porventura' de Antonio Cicero




CRÍTICA LITERÁRIA:
"Porventura" de Antonio Cicero


A poesia é indispensável. Isso seria um justo balanço para que um poeta dissesse às musas o quão importante é a poesia, para o próprio poeta, para os outros poetas, para o leitor, para o mundo, para a poesia, sim, para a poesia, porque a poesia que é indispensável é a boa poesia, aquela trabalhada, pensada, muitas vezes tardia, muitas vezes mutilada, dissecada, precisa, que pode demorar anos, meses, dias, horas, minutos ou surgir, súbita, em segundos, como um susto, um lampejo, um relâmpago, para, depois de plena, lançar cosmos no cosmo, existências sobre a existência. Bem, o leitor, no final das contas, no balanço geral, definitivo, é quem mais ganha com isso. O livro "Porventura" de Antonio Cicero, recentemente lançado pelo Grupo Editorial Record, com seus 35 belos poemas, justifica afirmar: A poesia é muito mais que indispensável!

Marcado por momentos intimistas, cotidianos (perdas de amigos, familiares) e reflexivos, "Porventura" se desdobra, multiplica-se a cada vez que é lido. O livro se abre com o denso e tenso poema "Balanço" com hendecassílabos instigantes, belos, nos quais o saldo alegre, nítido, colorido que o amor impõe à vida, anulando a morte, contrapõe-se com a presença fria, dura, pesada, da morte, que também tem arte.

"Porventura" é um grande achado na poesia contemporânea. Seus poemas, aparentemente simples, muitos dos quais fazendo referências ao dia a dia, como se fossem feitos para um leitor comum, desatento, não o são. São versos calculados, feitos com maestria, onde se percebem o rigor técnico apurado, uma sensibilidade superior e um viés poético único, universal, capaz de criar imagens especiais, impactantes, de uma beleza rara, ou melhor, dadas como portentos à vista de quem lê.

Cicero trabalha ainda um de seus temas preferidos, a mitologia, a Grécia Clássica, fazendo referências explícitas a Homero, a Horácio, à Guerra de Troia, a Ícaro, iluminando-nos com o seu saber.

Ao ler "Porventura", emocionei-me bastante. Algo me tocou profundamente. Como leitor. Como poeta. Como amigo que ganha de presente um poema dedicado - "Leblon" -. E chorei ao recitar o poema "Presente" dedicado ao poeta Eucanaã Ferraz, entendendo a pergunta: E Por que não dar a mim mesmo este presente?

"Porventura" é livro para se dar, dar aos amigos, é para louvar, levá-lo aonde se vai, para que a vida seja indispensável, porque é tudo e sagrada.

Adriano Nunes

9 comentários:

EDUARDO RIBEIRO TOLEDO disse...

A análise do Adriano esclarece importantes aspectos da poesia do autor e da poesia indispensável hoje em dia.
Primeiro: acusa um equívoco que poderia se pensar acerca do ‘fazer’ poético: a questão do tempo da composição. Não há tempo (do fazer poético) que resista à própria força da poesia. A poesia supera a nossa noção do tempo.
Segundo: a poesia é indispensável porque surge dos mais variados momentos – sem exclusão de qualquer um – sejam intimistas (aos humanos), do cotidiano (mundano), da reflexão subjetiva (do autor); sendo arte, pela estética, gera significante (pelos leitores).
Terceiro: quando se diz que os poemas parecem simples, ousaria dizer que seriam, de fato, simples. A beleza dos poemas simples, quando carregados de imagens e sentidos ambíguos, ou opostos (como vida e morte) - faz nascer o caráter atemporal e universal da obra. Sem prejuízo, diga-se de passagem, do ofício do poeta, igual a qualquer outro, ao modelar e lapidar seus versos.
Finalmente, quando o crítico encerra a análise afirmando que se emocionou (ao ponto de chorar), leia-se que, entre todas as impressões analisadas, a obra poética teria atingido sua eficácia, esta medida pela emoção dos poemas. E desdiz o pretenso mito, afirmando, ao início, que a poesia indispensável seria, entre outras, aquela ‘pensada’. À poesia, soberana, não se opõem razão e emoção, pensar e sentir. Como quis dizer Pessoa, ‘sente-se com a inspiração, pensa-se com o coração’.

carlos disse...

Minha vida mudou um pouco quando li e saboreei Minos, desde então te sigo! Parabéns Antônio por sua trajetória!

Envio aqui tb um escrito meu...aos 48 anos e nunca mostrei minhas palavras a ninguém, se vc puder ler e me responder opinando eu fiacaria muito honrado! carlosmmrperez@gmail.com


Tempo, Lugar e Ausência

Dentro de idéias concebidas
Preso aos ideais conhecidos
Andando ao longe...
Sem caminho...
Eu vou...

Ventos trouxeram palavras,
De onde existem lugares,
Longe do hoje.
Longe de tocas, armadilhas, cavernas, casas, mansões, casebres, porões, palácios, mansões, castelos, quartos, prisões, palafitas, casarões, escritórios, favelas, fábricas, lojas ou corações

Pra trás todos e tudo
E nada tenho pra prosseguir
A não ser o vazio
Contento-me, com a bela visão do infinito
Para trás deixei pessoas, lutando, discutindo, gritando, chorando, sorrindo, debatendo...
Lutando e sempre!
Pra sempre, prevalecer seus quereres...
Pobres quereres!
Líderes, alfa, beta, omega, generais, guerrilheiros, soldados, revolucionários, tenentes, coronéis, políticos, apolíticos, desportistas, sedentários, senhores, senhoras, felizes, tristes, crianças famintas, homens, arrogantes, mulheres, andando vou...

Na claridade da planície
Na umidade da floresta
No abismo da montanha
Para não voltar
Vou atrás das palavras que o vento me tirou
E levou...
Sem caminho,
Sem lugar
Desbravando o meu próprio
Para achar...
Fome, miséria, igualdade, sociabilidade, liberdade, consciência natural, sustentabilidade e moral!
Tudo ficou atrás
Todos, presos, na caverna.

Riquezas, intelectualidades, banquetes, recepções, festas, mega eventos, cinismo...
Tudo para trás
Passaram todos e tudo
E ficaram presos na caverna

Posições políticas
Posições sociais
Posições sexuais
Posições judiciais
Posições comportamentais
Posições eretas
Homo sapiens
Homo erectus
Homo neanderthalensis
Hominídeos
Primatas
Todos igualmente todos, presos na caverna

Longe...
Eu vou
Pra bem longe disto tudo
Vou para onde as palavras se escondem
Aonde o vento faz a curva
Onde as convicções são claras
Onde não existe a cruz
Cruz de dor
Cruz simbólica
Crus
O homem tempera, disfarça,
Contextualiza-se para descontextualizar-se
Molda-se a falta e a tudo
Para o seu desejo perverso
Cru
Vida
Vento
Montanha
Horizonte
Mar
Rio
Chuva
Relâmpago
Sol
Terra
A Natureza não se molda
O homem
Age por interesse próprio
Menospreza
Idolatra
Submete
Humilha
Finge
Mente
Alegra-se ou entristece
Depende da casualidade, do momento, ou da necessidade

Cruz
Cruce de sofrimento, angústia e dor
Stau-rós
Estaca da tortura
Do menosprezo a vida
Cruz na lápide, paraíso dos homens
Pra longe disto tudo, eu vou.
Onde o rio fica puro,
Fica cru, onde há Vida...
Abundantemente Crua...

Ricardo disse...

Caro poeta, talvez a pergunta seja meio besta, mas por que a prosa precisa de 500 páginas para dizer o que diz um único verso? Grande abraço!!

Alcione disse...

Realmente bela essa crítica, parabéns Adriano, cada dia melhor e revelando-se múltiplo, sensível e tão verdadeiro na sua escrita. E Cicero merece cada palavra, cada expressão, beleza, e mais beleza, uau!
Valeu

Antonio Cicero disse...

Caro Carlos,

muito obrigado pelas suas palavras. Continue escrevendo!

Abraço

Felipe Mendonça disse...

Caro Cícero, concluí, há algumas semanas, a leitura de seu último livro de poesia. Como dizer-te que o apreciei deveras? Dizendo que os poemas são lindos, que são tocantes, que emocionam, que, a despeito do rigor formal, veiculam uma perene e cativante espontaneidade, certa simplicidade? De certo, poderia dizer todas essas coisas e muito mais, ainda assim me pareceria pouco, porque estes versos são algo mais que não consigo exprimir. Isso sempre acontece com uma obra que me cativa. Foi o que aconteceu quando me deparei com a poesia do Armando ou com o último livro de poesias do Gullar. Mas, a poesia de vocês é tão diferente... Bom, o que sei é que mesmo após cerrar o livro, mesmo após alguns dias sem abrir o "Porventura", sem lembrar mais um único verso ou palavra que havia lido, a emoção de tê-los lido permanece, o ritmo e o sentido profundo daqueles versos continuam a ecoar em meus ouvidos e pensamentos. Penso que, por isso, posso afirmar quão belos são os poemas de “Porventura”. Parabéns, pelo belo livro. Grande abraço.

carlos disse...

Eu que agradeço Antônio, por me fazer esta surpresa...
Ganhei o meu feriadão, vou andar um pouco pelas nuvens!
Abraço,
Carlos

Antonio Cicero disse...

Caro Felipe,

muito obrigado. Seu comentário me deixou feliz.

Abraço

Nina disse...

Caro Antonio,

Tenho a tola mania de manusear um livro, abrir uma página aleatoriamente e esperar o que o "acaso" vai me proporcionar.

Não poderia ser diferente ao adquirir o seu "Porventura". Abri na página 49 e dentre muitas coisas, aquilo me trouxe "Liebestod". Pensei imediatamente nela quando li você em "Consegui".

Parabéns pelo livro,
Nina.


Vocês:
http://sedesmoronoouseedifico.blogspot.com.br/2012/09/liebestold.html