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Às vezes não me reconheço mais num poema que tenha escrito há muito tempo. É que deixei de ser exatamente aquele que o fez. Assim foi em relação ao poema “Diamante”, que escrevi há muito tempo. Por isso, não o incluí em livro nenhum. Em junho de 2007, porém, ele foi publicado na revista Joyce Pascowitch. Arthur Nogueira o leu e achou bom. Graças a isso, acabei, aos poucos, por me reconciliar com ele: e até com a fase da minha vida em que foi escrito. Assim, acabei resolvendo fazer uma gravação caseira de “Diamante” e postá-la aqui:
DIAMANTE
O amor seria fogo ou ar
em movimento, chama ao vento;
e no entanto é tão duro amar
este amor que o seu elemento
deve ser terra: diamante,
já que dura e fura e tortura
e fica tanto mais brilhante
quanto mais se atrita, e fulgura,
ao que parece, para sempre:
e às vezes volta a ser carvão
a rutilar incandescente
onde é mais funda a escuridão;
e volta indecente esplendor
e loucura e tesão e dor.
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20 comentários:
Excelentes o poema, a leitura e a qualidade do áudio.
Caro Antonio Cícero,
Ainda bem que se reconciliou com este seu "Diamante" e o publicou: belo.
Domingos da Mota
Cicero,
Esse soneto é mesmo encantador. Suas oito sílabas tônicas, seu contexto, tudo polido, valem o vate, grande poeta.
A seuqência repetitiva da vogal "e" movimentando o poema ("seria fogo ou ar?" - o fogo das paixões avassaladoras? o ar da ARte poética? o ar hermético dos sentimentos sufocantes?), ligando cada verso, cada palavra, criando liames, laços (não seria assim o amor?), gerando uma tensão rítmica alternante, que não se pode prever: 3/6/8, 1/4/8, 3/5/8, 2/5/8... numa cadência que remete às batidas cardíacas, palpitantes, de quem envolvido está pelo amor. (não seriam assim as pancadas do imprevisível amor?).
Notar as belíssimas anáforas compondo um ritmo à parte, também mutável, dinâmico, e as aliterações "internas", cravadas no poema, causando uma intensidade luminosa, que espanta: como não perceber a palavra "mais", em dois versos distintos, ocupando a terceira sílaba, tornando outros vocábulos, como "tão" e "tanto" mais evidentes, provocando no leitor uma sensação de quão intenso é mesmo esse amor.
O amor que fulgura, que atrita, que pode virar carvão, pegar fogo, produzindo chamas, luz, calor, consumindo-se, reinventando-se, renascendo feito fênix, ofertando tesão e dor.
Fogo? A dor da queima. Seu brilho ofusca e cega então o poeta.
Sim, Cicero, o seu soneto, como visto pelo Arthur Nogueira, é um DIAMANTE ÚNICO, VERDADEIRO. Nunca saberemos do seu quilate por completo. Agora, depois de tanto tempo envolto nas trevas das gavetas, ele só precisa reluzir... e já muito reluz!
Abraço forte!
Adriano Nunes.
Ainda bem que houve reconciliação e com gravação.
Diamante geralmente em cristais com forma octaédrica.Amor , muitas vezes é um raro diamante azul com reflexos de branco .Corta com precisão , marca com sentimento tão profundo que nem sempre trás sentidos , puro arde exposto a uma chama , transforma-se , é solúvel exceto a altas pressões , é o mais resistente com dureza de 10....brilho é adamantino pela refração e o valor reside em ausências totais...diamante um raio que corta mesmo que na escuridão e o amor carvão queima ,consome .
C.
Gostei muito do poema. A sua leitura também ficou excelente. Bom que decidiu publicá-lo.
Um abraço.
Jefferson.
Olá cícero,
Interessante é essa maneira afetuosa de nos relacionarmos com nossas criações: a condicionamos como criaturas que ora afagamos ora repelimos.
Os poemas, especialmente, têm vida, cores, humores. Às vezes são eles que nos afastam com suas delicadas inteirezas, tomam outros rumos e vão saborear olhos e sensações de outros leitores. Às vezes basta um outro leitor para elidir novas sensações... e o poema acontecer. Também tenho escritos que deposito certo distanciamento, mas que tocam outros leitores e crescem e me surpreendem.
Pelos comentários vê-se que o poema é bom. Também achei. Está certinho, redondo, tanto no trabalho do tema quanto na forma nada escapa... Mas será isso o amor, o diamente... não?
Ei, ele vale!
Cicero,
Gosto muito de Mário de Sá-Carneiro e sempre fui comovido por sua trágica vida. Amo-o e essa é a minha gratidão para com ele por ter-me mostrado uma outra poesia, "um outro":
"In Locu" - para Mário de Sá-Carneiro.
Converso com as gavetas.
Paquero mesmo as paredes.
Os armários? Posso amá-los
Sem medo. Movem-se os móveis
Pelo quarto. São só quatro
Horas da tarde e tudo arde,
Em segredo, no silêncio.
Abração!
Adriano Nunes.
Líquido
A gota d’água
Se mantém graças
Às suas extremidades
Que contém o líquido
Que não extravasam
Pela força que repele
A outra matéria
O artista é um delirante
Ele mesmo um diamante
Forjado
E amalgamado
Na sua dor
No seu amor.
ué...
onde está o audio?
bj,
flávia
Diamante é tua poesia trabalhada com maestria no mais puro da entrega brilha ...
Ricardo Soutto Maior
Está logo em cima do poema escrito, Flávia.
Querido Cicero,
que satisfação saber que contribuí para você se reconciliar com esse belo poema. Adorei a gravação, as modificações e a gentil citação a mim - que honra.
Um beijo enorme.
Prezado Cícero,
Uma relação viciada liga o poema ao poeta, mas não ao leitor.
O poema é lindo e universal.
JR.
Precisa abrir o post com os navegadores Internet Explorer ou Opera para "aparecer" o audio. No Mozilla Firefox não aparece.
Detalhe técnico.
Aproveitando a carona, a leitura de poemas os tranforma em outros. Melhor ainda se forem feitas pelos autores. Valem um tanto o exercício.
Normalmente ficam melhores.
Querido Arthur,
quem agradece sou eu. Você fez o poema voltar a rodar na minha cabeça, até que me dei por vencido.
Beijo
Gostei muito do poema e da leitura.
uau, que leitura linnnnda! AMEI!
e um "viva!" ao arthur nogueira, que o fez reconciliar-se com as linhas, tão lindas, de imagens belas, concentradas, como o é o diamante.
adorei essa idéia desse amor vivido, ao invés de fogo e ar, ser terra. exuberante o recurso!
beijo, meu querido!
Muito bonito!!!!
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