3.9.08

Hudson Carvalho: O fim da política

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O fim da política

*Hudson Carvalho


Vivemos dias confusos. Dias de excesso de imoralidades e da falta de valores. Por um lado, abundantes manifestações de carência moral e de ética nas instâncias pública e privada. Por outro, guardiões postiços e autênticos da moralidade bradando para restabelecê-la; às vezes ao arrepio das leis.

Os descaminhos pululam em todos os lugares. É na esfera pública, porém, que eles mais cintilam. A impressão generalizada é de que os nossos homens públicos só aprontam, quase sem exceção. Pelo menos, é o que nos reporta a grande imprensa diária. São escândalos e mais escândalos, dia após dia, em uma seqüência funesta que, pelo volume, mais nos entorpece do que nos indigna. E se a mídia exagera, não significa que ela esteja tratando de um universo alheio ao verdadeiro.

Na contra-ofensiva, instituições e pessoas denunciando e lutando contra o descalabro. Nem todas de boa fé, ressalta-se. Há aí também, no meio dos genuinamente bem-intencionados, uma matula de aproveitadores midiáticos, de éticos de ocasião, de justiceiros sem lei, de moralistas profissionais, de ingênuos manipuláveis. Todos - os bons e os maus - amparados por uma grande mídia majoritariamente de espírito udenista.

Na política é onde esse embate está mais latente. Sem a prevalência de princípios e ideologias, o ambiente político virou uma terra arrasada moralmente, onde imperam as safadezas e o desinteresse público. Como subproduto, surge a judicialização da política em uma tentativa do Poder Judiciário de higienizar ordem tão degradada. Soma-se a isso a cruzada midiática, balizada pelo açodamento natural dos que dependem das concorrências mercantis.

O certo é de que, do jeito que a coisa anda, esse confronto mais do que produzindo bons resultados para a moralização da política está nos conduzindo para o fim da política, conforme já anotaram vários estudiosos.

Ninguém nega que o espaço político tornou-se, comumente, um lugar de perdição, corrupção e vícios. E se a própria classe política não cuida do seu ambiente, o Judiciário e a imprensa tentam remediá-lo. Por sua vez, quando esses poderes atuam, eles o fazem na maioria das vezes para amputar o espaço da política, e não para cristalizar direitos. Por trás de uma retórica de valores morais, mesmo que não seja essa a intenção, há, na prática, uma ameaça as conquistas da democracia formal e das liberdades individuais.

E é isso que vivemos nesses dias confusos. Onde anda a política com “P” maiúsculo? Não está nos partidos. Não está nos governos. Não está nas casas legislativas. Não está na sociedade. Na mídia, só a encontramos encardida.

A política tem sido vítima dela mesmo e das gentes e circunstâncias do nosso tempo. Desvirtuou-se e paga um preço por descaminho. Não há mais a política das idéias, das convicções. Só há a política dos interesses, sem causa pública. Por isso, provoca reações também radicalizadas por parte dos oponentes, como segmentos da sociedade, do Judiciário e da imprensa, que muitas vezes atuam inspirados pela máxima de que os fins justificam os meios e rasgam as formalidades que se interpõem.

Tudo isso seria relativo, se na fronteira desse confronto não constasse, mesmo que veladamente, um prenúncio de desgraça: o fim da política pode ser também o fim dos direitos, das liberdades individuais e da democracia.



*Jornalista.

6 comentários:

Anônimo disse...

Como diria Kurtz, de Joseph Conrad: - O horror! O horror!

ADRIANO NUNES disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
GLT disse...

Desta vez, prezado Antonio Cícero, evitarei o pecado do excesso que pratiquei ao comentar, aqui em seu Blog, um artigo de Inês Pedrosa.

A propósito do artigo do Sr Hudson Carvalho, mais uns excertos de um livro inédito:

Generalizada, a crítica mais radical não atinge ninguém, não muda nada. Gumercindo Bessa (1859-1913), o advogado sergipano cujo saber jurídico deu origem à expressão Bom a bessa, tinha por princípio que nada se faz contra as opiniões se não forem atacadas as pessoas.
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A capacidade de se indignar, da qual os jornalistas se proclamam orgulhosos, é a chave para a compreensão ampla e profunda do conteúdo dos meios de comunicação; é natural que até nos mais experientes o discurso indignado se repita, pois sabem que se estenderem a reflexão até a compreensão poucos encontrarão sentido na maior parte do que escrevem.
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Em política, a esquerda rigorosamente só difere da direita de fora do poder; os gregos aprenderam esta lição na guerra do Peloponeso. No Brasil imperial, Tobias Barreto reclamava que liberais e conservadores se pareciam, useiros e vezeiros nas mesmas práticas. Nosso conterrâneo Manoel Bomfim escreveu algum tempo depois que mesmo os mais ousados entre os homens públicos, os mais revolucionários, são tão conservadores como os conservadores de ofício. (...) Mesmo revolucionários hoje, a sua aspiração mais viva é ver, no dia seguinte, toda a gente conforme os seus atos, é ver que todos vêm aderir a eles. E a adesão se faz efetivamente; não há nada que se oponha a isto; amanhã será tudo como ontem.
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Para seguir profundamente interessado no exercício da profissão, o jornalista precisa se manter incapaz de compreender plenamente; afinal, a diferença fundamental entre a bomba de Hiroxima e o gás de Bhopal é a propagação daquela em forma de flor.
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Exceções à parte, em jornalismo quem não é inocente útil participa de uma farsa.

Elisa Kozlowsky disse...

Éticos de ocasião são os piores.

Anônimo disse...

Como a política tem sido uma farsa, o fim da política aqui apontado pode ser a aurora de uma outra política. Temos o hábito de confundir a instituição com a coisa. É muito comum no campo da religião: Atacamos Deus, criticamos Cristo ou a Virgem muito mais pelas istituições que os representam, que perpetuam crimes em seus nomes. Com política acontece assim, confundimos os caras que estão lá, as instituições que estão aí, com a política em si. Quando eu afirmo que sou politicamente consciente e atuante me perguntam, "ah é, mas de qual partido cê faz parte?" Enquanto houver humanos vivendo juntos vai haver política. Quando vão começar a ensinar isso na escola?

Cândido Rolim disse...

Legal o comentário de Glt, logo acima. por mim, sinceramente não gosto desses quadros de "terra rasada" pintados por quem desconhece mínimas intervenções ao rés do chão, mesmo sem o combustível da utopia. mas o artigo aponta vários aspectos importantes acerca da política e seu discurso.