30.9.21

Percy Bysshe Shelley: "A lament" / "Um lamento": trad. por Adriano Scandolara

 



Um lamento


Ó mundo! Ó vida! Ó tempo!

cujos degraus, tremendo,

de novo escalo e chego aos teus finais;

quando retorna a glória do momento?

não mais – ah, nunca mais!


Pela noite e o dia,

fugaz prazer fugia;

frescor do estio e alvores hibernais

ferem meu peito em dor, mas de alegria

não mais – ah, nunca mais!





A lament


O world! O life! O time!

On whose last steps I climb,

Trembling at that where I had stood before;

When will return the glory of your prime?

No more—Oh, never more!


Out of the day and night

A joy has taken flight;

Fresh spring, and summer, and winter hoar,

Move my faint heart with grief, but with delight

No more – Oh, never more!










SHELLEY, Percy Bysshe. "A lament" / "Um lamento". In: Prometeu desacorrentado e outros poemas. Trad. por Adriano Scandolara. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

25.9.21

Mário Quintana: "Poeminha do contra"

 



Poeminha do contra


Todos estes que aí estão

atravancando o meu caminhho,

Eles passarão.

Eu passarinho!




QUINTANA, Mário. "Poeminha do contra". In: COHN, Sérgio (org.). Poesia.br: modernismo. Rio de Janeiro:Beco do Azougue, 2012.


23.9.21

Antonio Cicero: "O emigrante"

 



O emigrante


Buscando o ocidente com o olhar,

que desde sempre foi límpido e grávido,

chegou à terra ao fim de todo mar.

Sem planos certos foi e até sem roupa,

sem cada dia o pão e sem família,

sem nem saber o que era o ocidente,

chegou chorando assim como quem nasce

e o mundo alumbra um segundo e assombra.






CICERO, Antonio. "O emigrante". In:_____ Guardar. Rio de Janeiro: Record, 1996.

19.9.21

João Cabral de Melo Neto: "Autocrítica"

 



Autocrítica


Só duas coisas conseguiram

(des)feri-lo até a poesia:

o Pernambuco de onde veio

e o aonde foi, a Andaluzia.

Um, o vacinou do falar rico

e deu-lhe a outra, fêmea e viva,

desafio demente: em verso 

dar a ver Sertão e Sevilha.






MELO NETO, João Cabral de. "Autocrítica". In:_____. "A escola das facas".  In: Poesia completa. Org. por Antonio Carlos Secchin. Lisboa: Glaciar, 2014.

16.9.21

Paul Verlaine: "C'est l'extase langoureuse..." / "É o êxtase langoroso...": trad. por Guilherme de Almeida

 



É o êxtase langoroso...



É o êxtase langoroso,

É o cansaço amoroso,

É todo o bosque a vibrar

Ao enlace das aragens,

São, nas grisalhas ramagens,

Mil vozes a cochichar.


Óh! o fino e fresco cicio!

É chilreio e balbucio,

Parece esses doces ais

Que a relva móvel suspira ...

Dirias, na água que gira,

Rolar de seixos casuais.


Essa alma que se lamenta

Nessa queixa sonolenta

Não será a nossa, ai de nós?

A minha à tua enlaçada,

Exalando a humilde toada

Nesta tarde, a meia voz?






C'est l'extase langoureuse...



C'est l'extase langoureuse,

C'est la fatigue amoureuse,

C'est tous les frissons des bois

Parmi l'étreinte des brises,

C'est, vers les ramures grises,

Le choeur des petites voix.


O le frêle et frais murmure !

Cela gazouille et susurre,

Cela ressemble au cri doux

Que l'herbe agitée expire...

Tu dirais, sous l'eau qui vire,

Le roulis sourd des cailloux.


Cette âme qui se lamente

En cette plainte dormante,

C'est la nôtre, n'est-ce pas ?

La mienne, dis, et la tienne,

Dont s'exhale l'humble antienne

Par ce tiède soir, tout bas ?






VERLAINE, Paul. "C'est l'extase langoureuse..." / "É o êxtase langoroso..." In: ALMEIDA, Guilherme de. Poetas de França. São Paulo: Babel, s.d.


13.9.21

Eugénio de Andrade: "Canção"

 



Canção



Tu eras neve. 

Branca neve acariciada. 

Lágrima e jasmim 

no limiar da madrugada.


Tu eras água. 

Água do mar se te beijava. 

Alta torre, alma, navio, 

adeus que não começa nem acaba.


Eras o fruto 

nos meus dedos a tremer. 

Podíamos cantar 

ou voar, podíamos morrer.


Mas do nome 

que maio decorou, 

nem a cor 

nem o gosto me ficou.





ANDRADE, Eugénio de. "Canção". In:_____ Até amanhã. Porto: Limiar, 1990.

10.9.21

Rainer Maria Rilke: "Einsamkeit" / "Solidão": trad. de Augusto de Campos

 



Solidão



A solidão é como a chuva que brota

do mar para o cair da tarde;

da planície distante e remota

para o céu, que sempre a adota.

E só então recai do céu sobre a cidade.


Ela chove, entre as horas, a seu despeito,

quando todos os becos buscam a madrugada

e quando os corpos, que não encontraram nada,

quedam-se juntos, tristes e frios,

e os que se odeiam, rosto contrafeito,

têm de dormir no mesmo leito:


aí a solidão flui como os rios...





Einsamkeit


Die Einsamkeit ist wie ein Regen.

Sie steigt vom Meer den Abenden entgegen;

von Ebenen, die fern sind und entlegen,

geht sie zum Himmel, der sie immer hat.

Und erst vom Himmel fällt sie auf die Stadt.


Regnet hernieder in den Zwitterstunden,

wenn sich nach Morgen wenden alle Gassen

und wenn die Leiber, welche nichts gefunden,

enttäuscht und traurig von einander lassen;

und wenn die Menschen, die einander hassen,

in einem Bett zusammen schlafen müssen:


dann geht die Einsamkeit mit den Flüssen...





RILKE, Rainer Maria. "Einsamkeit" / "Solidão". In: CAMPOS, Augusto de (trad. e org.). Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2013.

7.9.21

Rolf Dieter Brinkmann: "Zwischen" / "Entre": trad. por Markus J. Weininger e Rosvitha Friesen Blume

 



Entre

as linhas

não há nada

escrito.


Cada palavra

é preto

no branco

verificável.





Zwischen

den Zeilen

steht nichts

geschrieben.


Jedes Wort

ist schwarz

auf weiß

nachprüfbar.





BRINKMANN, Rolf Dieter. "Zwischen" / "Entre". In: BLUME, Rosvitha Friesen; WEININGER, Markus J. Seis décadas de poesia alemã: do pós-guera ao início do século XXI. Florianópolis: Editora da UFSC, 2012.


5.9.21

Dante Milano: "Saudade do tempo"

 



Saudade do tempo



Saudade do tempo

Do tempo passado,

O tempo feliz

Que não volta mais.


Deus queira que um dia

Eu encontre ainda

Aquela inocência

Feliz sem saber.


Mas hoje que eu sei

De toda a verdade

Já não acredito

Na felicidade,


E quando eu morrer

Então outra vez

Pode ser que eu seja

Feliz sem saber.






MILANO, Dante. "Saudade do tempo". In: BANDEIRA, Manuel. Apresentação da poesia brasileira: seguida de uma antologia. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

2.9.21

Antonio Cicero: "Canto XXIII: Desafogo"

 



Canto XXIII: Desafogo

                                      a Sérgio Luz                   

 

A ameaçar as naves do regresso

enquanto os deuses se distraem

o combate prossegue implacável,

os dardos e o bronze a perfurar

órgãos membros e sobretudo a pele

que sonhava acostumar-se a brisas sóis olhos ardentes.

 

Antes morrer de vez ou viver

que desgastar-se feito agora ante os navios

contra homens ignóbeis






CICERO, Antonio. "Canto XXIII: Desafogo". In:_____ Guardar. Rio de Janeiro: Record, 1996.