30.7.09

Alex Varella: "Negra grega" e "Barcelona"

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NEGRA GREGA


Negra negra
Grega grega
de palavras & mercancias
no Porto das Palavras
de Alexandria
beleza é o ser visível
ser é visível
negra grega
da África Clássica
próprio da beleza é o aparecer
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BARCELONA
(para Alex Pessoa)

Barcelona é uma arte
Ora mar Ora cidade
Perdi meu último heterônimo em Barcelona
(Alex Pessoa)
Onde tudo tem dois nomes,
mundo heteronômico!
Barcelona é uma arte
Ora mar
Ora cidade


VARELLA, Alex. Alexandrias. In blog "A cidade sou eu".

29.7.09

Eucanaã Ferraz: Curso no POP: "Bandeira, Drummond, Vinícius, Cabral: Poesia brasileira em quatro tempos"

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Curso iniciando no dia 05 de agosto
Inscrições pelo tel. (21) 2286-3299 ou pelo site
www.polodepensamento.com.br

Propondo como principal exercício a leitura interpretativa de poemas, o curso investigará as principais vertentes, temas e procedimentos formais que definem as obras de quatro grandes poetas: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes e João Cabral de Melo Neto. Da vasta fortuna crítica desses autores, serão enfocadas algumas abordagens consideradas essenciais para uma visão de conjunto ou para o entendimento de determinados aspectos.

4 aulas às quartas-feiras, das 19h30 às 21h30

05 de agosto
Manuel Bandeira – Os primeiros livros e a estética neo-simbolista. O diálogo com os vanguardistas de 22, especialmente Mário de Andrade e Oswald de Andrade. A infância como fonte de poesia. A simplicidade e o acabamento formal. A busca do essencial.

12 de agosto
Carlos Drummond de Andrade – Da inadaptação do sujeito poético à dimensão político-social de A rosa do povo. A emoção e seu contraponto: o humour. Minas e a “viagem na família”. Experimentação e metalinguagem. O amor, o erotismo, a grande cidade.

19 de agosto
Vinicius de Moraes – Os primeiros livros: religiosidade e transcendência mística. A busca por uma poesia terrena e solidária. Do verso-livre à metrificação e ao soneto. O amor e a mulher - do poema à cancão. Outros Vinicius: a morte e o grotesco.

26 de agosto
João Cabral de Melo Neto – do surrealismo à engenharia. Lirismo e antilirismo. As relações entre a poesia e a arquitetura moderna: máquinas de comover. Poesia e sociedade. Paisagens: Pernambuco e Sevilha.

Eucanaã Ferraz é professor de Literatura Brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde se doutorou. Organizou, entre outros, de Caetano Veloso, Letra Só (2002) e O mundo não é chato, de Vinicius de Moraes, Poesia completa e prosa (2004) e a antologia Veneno antimonotonia (2005). Também é poeta, e publicou, entre outros títulos, Desassombro (2001), Rua do mundo (2004) e Cinemateca (2008).


POP-Pólo de Pensamento Contemporâneo
Rua Conde Afonso Celso, 103 - Jardim Botânico - CEP 22461-060
Tel. (21) 2286-3299 e 2286-3682

O POP - Polo de Pensamento Contemporâneo é um espaço de estudos, discussão e convívio, onde se realizam cursos, oficinas, palestras e eventos culturais.

Duda Machado: "A um apostador"

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A um apostador


pra mim

o páreo
é dentro

corro
por fora

(aéreo,
atento)

e fim.



MACHADO, Duda "Um outro". In: Crescente. São Paulo: Duas Cidades, 1990.

27.7.09

Arnaldo Antunes: "Inclassificáveis"

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que preto, que branco, que índio o quê?
que branco, que índio, que preto o quê?
que índio, que preto, que branco o quê?

que preto branco índio o quê?
branco índio preto o quê?
índio preto branco o quê?

aqui somos mestiços mulatos
cafuzos pardos mamelucos sararás
crilouros guaranisseis e judárabes

orientupis orientupis
ameriquítalos luso nipo caboclos
orientupis orientupis
iberibárbaros indo ciganagôs

somos o que somos
inclassificáveis

não tem um, tem dois,
não tem dois, tem três,
não tem lei, tem leis,
não tem vez, tem vezes,
não tem deus, tem deuses,

não há sol a sós

aqui somos mestiços mulatos
cafuzos pardos tapuias tupinamboclos
americarataís yorubárbaros.

somos o que somos
inclassificáveis

que preto, que branco, que índio o quê?
que branco, que índio, que preto o quê?
que índio, que preto, que branco o quê?

não tem um, tem dois,
não tem dois, tem três,
não tem lei, tem leis,
não tem vez, tem vezes,
não tem deus, tem deuses,
não tem cor, tem cores,

não há sol a sós

egipciganos tupinamboclos
yorubárbaros carataís
caribocarijós orientapuias
mamemulatos tropicaburés
chibarrosados mesticigenados
oxigenados debaixo do sol



ANTUNES, Arnaldo. "Inclassificáveis". Letra de canção. In CD O silêncio. Gravadora BMG, 1996.

26.7.09

As raças no caldeirão

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As raças no caldeirão


SOU CONTRA a oficialização de raças no Brasil. Não digo que não haja aqui idiotas que, querendo acreditar na existência de raças humanas, sejam racistas. Mas parece-me inteiramente contraditória a ideia de combater o racismo através justamente do reconhecimento oficial da existência de raças. A República não tem o direito de endossar uma ficção tão retrógrada.

Na maior parte do Brasil, a fusão de diversas "raças" e culturas já há muito progrediu a tal ponto que não é mais sequer concebível -exceto para grupos insignificantes, ou com uma dose ridícula de artificialidade- pretender restaurar efetivamente a putativa pureza racial ou cultural de qualquer um dos seus componentes.

A verdade é que são estonteantes as formas da nossa natureza humana (formas ou cores de corpos, peles, cabelos, olhos etc.), resultantes dos cruzamentos mais improváveis. Pode-se dizer que, aqui, cada ser humano parece resultar de uma combinação singular de características das mais diversas etnias. Longe de significar homogeneização racial, isso sugere que, no limite, cada brasileiro tende a ser a expressão de uma "raça" individual. Esse oxímoro exprime o fato de que, através não da redução, mas da multiplicação das diferenças, entrevê-se no Brasil, a longo prazo, a pulverização -ou melhor, a dissolução- das "raças".

Da mesma maneira, é impossível ignorar que nem as formas da cultura erudita nem as criações mais importantes da cultura popular brasileira se dão como arquétipos imemoriais ou heranças de um passado miticamente remoto. Elas constituem, ao contrário, resultados memoráveis da mediatização recíproca das mais diferentes culturas. Uma grande invenção feito o samba, por exemplo, pode entender-se como uma forma admirável de se conceber criativamente o concubinato de, por um lado, ritmos, ritos, danças, instrumentos, paradigmas musicais etc. de diferentes proveniências africanas com, por outro lado, melodias, harmonias, versos, danças, instrumentos, paradigmas musicais etc. de diferentes proveniências europeias. A realidade do samba aponta para a possibilidade de infinitas outras combinações de elementos de diversas origens.

A biodiversidade, se tomada também em sentido antropológico (e não apenas no que toca à antropologia física mas à cultural), é, de fato, uma das características mais marcantes do Brasil. Ora, como diz a letra de um rock brasileiro, "riquezas são diferenças". Que o converso disso também é verdadeiro, isto é, que diferenças são riquezas, já era considerado evidente por Aristóteles no princípio da "Metafísica", ao explicar que a razão pela qual preferimos a vista a todos os outros sentidos é que ela nos faz conhecer mais "e mostra muitas diferenças".

O mestiço não deve ter a ilusão de que sua cultura autêntica seja diferente daquela em que foi criado. O caráter acidental e contingente de sua configuração racial não pode deixar de lhe revelar o caráter igualmente acidental e contingente de toda relação entre "raça" e cultura.
Para ele, está na cara, de fato, algo que, de direito, ninguém atualmente pode deixar de saber: que os racismos, nacionalismos e fundamentalismos que hoje por todos os continentes tendem a se reafirmar com virulência não passam, em última análise, de tentativas cínicas ou desesperadas de renegar a consciência social -generalizada e aguçada em consequência das recentes revoluções na informática, nas comunicações e nos transportes- do caráter acidental, contingente e relativo de fronteiras, horizontes, crenças, religiões, totens, tabus, costumes, tradições, valores, culturas, etnias, nações, mundos etc.

Devemos nos orgulhar de afirmar o Brasil como o verdadeiro caldeirão, o verdadeiro "melting pot", que os Estados Unidos não chegaram inteiramente a ser, em que se dão tanto a promiscuidade quanto a miscigenação das mais diversas culturas e "raças" -que modificam, relativizam, instrumentalizam e fecundam umas às outras.

Para o brasileiro, a afirmação da acidentalidade, da contingência e da relatividade das identidades positivas e particulares que entram em sua composição se dá como fundamento essencial, necessário e absoluto de sua nacionalidade. Nesse sentido, a originalidade do Brasil -um pouco como a singularidade do Ocidente, para Max Weber- não deve ser buscada na particularidade deste país, mas no seu modo de ser universal.

24.7.09

Regina Vater: "VerVê"

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Inauguração: segunda-feira, 27 de julho das 19 às 22h
Exposição: de 28 de julho a 28 de agosto de 2009
Galeria de Arte Maria de Lourdes Mendes Almeida
Rua Joana Angélica 63, Ipanema, Rio de Janeiro

Claustrofobia e respiração

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Trabalho de interpretação visual da obra poética de Antonio Cicero, baseado em seu livro "A Cidade e os Livros".
Concepção e Direção: Alaiane de Fátima, Angelo Alexandre e Roberta Malta

23.7.09

Rainer Maria Rilke: "Ernste Stunde" / "Hora grave": tradução de José Paulo Paes

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Hora grave


Quem chora agora em algum lugar do mundo,
sem razão chora no mundo,
chora por mim.

Quem ri agora em algum lugar da noite,
sem razão se ri na noite,
ri-se de mim.

Quem anda agora em algum lugar do mundo,
sem razão anda no mundo,
vem para mim.

Quem morre agora em algum lugar do mundo,
sem razão morre no mundo,
olha para mim.



Ernste Stunde


Wer jetzt weint irgendwo in der Welt,
ohne Grund weint in der Welt,
weint über mich.

Wer jetzt lacht irgendwo in der Nacht,
ohne Grund lacht in der Nacht,
lacht mich aus.

Wer jetzt geht irgendwo in der Welt,
ohne Grund geht in der Welt,
geht zu mir.

Wer jetzt stirbt irgendwo in der Welt,
ohne Grund stirbt in der Welt:
sieht mich an.



De: RILKE, Rainer Maria. Poemas. Tradução e introdução de José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

20.7.09

César Moro: "El amor al despedirse" / "O amor ao despedir-se": tradução de Floriano Martins

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O amor ao despedir-se...

O amor ao despedir-se diz: sonha comigo
o sonho é uma besta intratável
que faz revirar os olhos com a respiração
entrecortada pronunciar teu nome
com letras indeléveis escrever teu nome
e não te encontrar e estar longe e sair adormecido
marchar até a madrugada para cair no
sonho para esquecer teu nome
e não ver o dia que não leva teu nome
e a noite deserta que leva teu corpo



El amor al desperdirse

El amor al despedirse dice: sueña conmigo
el sueño es una bestia huraña
que hace revolverse los ojos con la respiración
entrecortada pronunciar tu nombre
con letras indelebles escribir tu nombre
y no encontrarte y estar lejos y salir dormido
marchar hasta la madrugada a caer en
el sueño para olvidar tu nombre
y no ver el día que no lleva tu nombre
y la noche desierta que se lleva tu cuerpo



Original:
MORO, César. Viaje hacia la noche. Madrid: Huerga y Fierro Editores, 1999.

Tradução:
MARTINS, Floriano. "Antologia peruana essencial". In: Poesia sempre, Nº 28, ano 15, 2008.

Salgado Maranhão: Recensão de "Letras e letras da MPB", de Charles Perrone

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Recensão, pelo poeta Salgado Maranhão, da 2ª edição revisada de Letras e letras da MPB, de Charles Perrone (Rio de Janeiro: Booklink, 2008), com apresentação de Augusto de Campos.


Cada um no seu quadrado?


Mais de uma vez já se disse que a letra de música carece de escora melódica para se realizar. Poucas agüentam a solidão da página em branco. Quanto ao poema, trabalha com economia de palavras e nem sempre se ajusta à melodia. Não é qualquer bom poema que se rende à canção. Portanto, cada forma de expressão tem sua autonomia, mas as duas convivem muito bem, cada uma em seu viés.

Claro que isso não diz tudo, principalmente quando se trata da canção popular do Brasil: num país herdeiro de uma remota tradição da palavra cantada – onde até poetas renomados no mundo das letras se misturam aos cantores do povo -- tudo pode acontecer. É o que nos mostra o excelente Letras e Letras da MPB, do professor Charles Perrone, que sai pela editora Booklink, em segunda edição revista, após mais de 20 anos da primeira tiragem.

Não se trata de uma obra de estrangeiro deslumbrado com o exotismo de nossos artistas. Em seu trabalho, o autor demonstra uma enorme intimidade com o melhor da nossa música e das nossas letras. Dele nos diz o poeta Augusto de Campos, que assina a quarta capa do livro: “Mais de 20 anos de contato, pessoal e por correspondência, me fizeram conhecer de perto o prof. Charles A. Perrone, da universidade da florida, e apaixonado da cultura brasileira . Com a vantagem estratégica de uma perspectiva exterior e do conhecimento amplo das nossas duas áreas artísticas, a musical e a poética, ...”

No entanto o tema já é, por si só, um grande vespeiro entre nós – pelas paixões e discussões que suscita. Mas, embora a abordagem correta - sem hierarquizações de gêneros - seja um grande desafio, o prof. Perrone, soube dissecar com maestria suas virtudes específicas: “ Uma letra pode ser um belo poema mesmo tendo sido destinada a ser cantada. Mas é em primeiro lugar, um texto integrado a uma composição musical, e os julgamentos básicos devem ser calcados na audição para incluir a dimensão sonora no âmbito da análise . Contudo, se, independente da música, o texto de uma canção for literariamente rico, não há nenhuma razão para não se considerarem seus méritos literários.”

Não é de hoje que as letras, na musica brasileira, se destacam pela poeticidade . Nas primeiras décadas do século 20, quando a Semana de 22 (com Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira, principalmente, ) ainda tentava nos desatrelar do academicismo da poesia parnasiana, letristas como Noel Rosa, João de Barro e Orestes Barbosa já traziam o coloquialismo da fala das ruas em suas canções .Esses autores e os das décadas seguintes, formaram elos com a bossa nova, e até com o tropicalismo que, turbinados por múltiplas influências, carregavam não apenas a explosão do talento criador, mas, além disso, uma viva consciência critica. As canções desse período são o objeto de estudo do professor Perrone.

Sua análise, como não poderia deixar ser, começa por Vinicius de Morais, que deu maturidade à letra de música, elevando-a a um status que ela jamais teve . A inserção desse poeta no mundo da canção popular estabeleceu um verdadeiro paradigma -- por sua origem de puro sangue da poesia culta . A partir dele, ninguém ousaria discutir critério de qualidade. Porém a maior reflexão do livro se destina aos poetas da Tropicália que, ancorados no legado da Poesia Concreta, imprimiram à palavra cantada um toque de invenção e de manifesto . E é o próprio Caetano Veloso quem fala sobre isso: “Havia um ponto em que concordávamos plenamente : era preciso um aprofundamento em nossos recursos técnicos de modo que nossa comunicação não ficasse prejudicada por deficiências ou ignorâncias “ .

Até a Bossa Nova, a temática das canções era basicamente o amor romântico - salvo um Sérgio Ricardo, e, por vezes, Carlos Lyra ; ou ainda, eventualmente, uma ou outra letra do Vinicius ou dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle. Com os poetas tropicalistas ( Caetano, Torquato, Gil e Capinam ), o mundo salta para dentro das músicas . Os temas amorosos não são rejeitados, mas a eles se incorporam outros vasos comunicantes, como a cultura de massas, a arte pop e a poesia de vanguarda . Isso vai influenciar até mesmo Chico Buarque (vide Construção ) que segue um viés mais apegado à raíz do samba.

Na década de 70, era chique ser letrista. E até já se podia viver disso. Além dos autores já citados, firmou-se uma nova geração do primeiríssimo time, tais como : Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc, Ronaldo Bastos, Abel Silva, Fernando Brant, Sergio Natureza, Antonio Cicero, entre tantos outros.

Porém um dos principais méritos de Letras e Letras da MPB é, sem dúvida, nos apresentar as trocas e interconecções dos letristas com a chamada “poesia séria”. E o movimento da Poesia Marginal nasceu, justamente, dessa simbiose .O certo é que, independente de preconceitos e preferências, fica valendo a máxima de Murilo Mendes : “A poesia sopra onde quer”...


Texto publicado no caderno "Ideias", do Jornal do Brasil, sábado, 9 de maio de 2009.

19.7.09

Sobre a audição do poema

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Acabo de saber, graças à explicação de Pax, que, para que o console do áudio dos poemas apareça, é necessário usar ou o navegador Internet Explorer ou o Opera; e que ele infelizmente não aparece quando se usa o Mozilla Firefox.

18.7.09

Diamante

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Às vezes não me reconheço mais num poema que tenha escrito há muito tempo. É que deixei de ser exatamente aquele que o fez. Assim foi em relação ao poema “Diamante”, que escrevi há muito tempo. Por isso, não o incluí em livro nenhum. Em junho de 2007, porém, ele foi publicado na revista Joyce Pascowitch. Arthur Nogueira o leu e achou bom. Graças a isso, acabei, aos poucos, por me reconciliar com ele: e até com a fase da minha vida em que foi escrito. Assim, acabei resolvendo fazer uma gravação caseira de “Diamante” e postá-la aqui:





DIAMANTE

O amor seria fogo ou ar
em movimento, chama ao vento;
e no entanto é tão duro amar
este amor que o seu elemento
deve ser terra: diamante,
já que dura e fura e tortura
e fica tanto mais brilhante
quanto mais se atrita, e fulgura,
ao que parece, para sempre:
e às vezes volta a ser carvão
a rutilar incandescente
onde é mais funda a escuridão;
e volta indecente esplendor
e loucura e tesão e dor.

17.7.09

Gonçalves Dias: trecho de "Lira quebrada"

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Lira quebrada

[...]

Uma febre, um ardor nunca apagado,
Um querer sem motivo, um tédio à vida
Sem motivo também,—caprichos loucos,
Anelo d'outro mundo, d'outras coisas;

Desejar coisas vãs, viver de sonhos,
Correr após um bem logo esquecido,
Sentir amor e só topar frieza,
Cismar venturas e encontrar só dores;

Fizeram-me o que vês : não canto,
sofro! Lira quebrada, coração sem forças
De poético manto as vou cobrindo,
Por disfarçar desta arte o mal que passo.

[...]


De: DIAS, Gonçalves. "Lira quebrada". Últimos cantos. Rio de Janeiro: Typographia de F. de Paula Brito, 1851.

16.7.09

Nicolás Gómez Dàvila: de "Sucesivos escolios a un texto implícito"

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A história dos gêneros literários admite explicações sociológicas.
A história das obras não as admite.

*

A única superioridade que não corre o risco de encontrar uma superioridade nova que a ofusque é a do estilo.

*

As influências não enriquecem senão os espíritos originais.



De: GÓMEZ DÁVILA, Nicolás. Sucesivos escolios a un texto implícito. Barcelona: Áltera, 2002.

14.7.09

Lêdo Ivo: "Soneto da porta"

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Soneto da porta

Quem bate à minha porta não me busca.
Procura sempre aquele que não sou
e, vulto imóvel atrás de qualquer muro,
é meu sósia ou meu clone, em mim oculto.

Que saiba quem me busca e não me encontra:
sou aquele que está além de mim,
sombra que bebe o sol, angra e laguna
unidos na quimera do horizonte.

Sempre andei me buscando e não me achei:
E ao pôr-do-sol, enquanto espero a vinda
da luz perdida de uma estrela morta,

sinto saudades do que nunca fui,
do que deixei de ser, do que sonhei
e se escondeu de mim atrás da porta.



De: IVO, Lêdo. "Plenilúnio". In: Poesia completa (1940-2004). Rio de Janeiro: Topbooks, 2004.

12.7.09

Enquanto fazemos poesia

O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da "Ilustrada", da Folha de São Paulo, sábado, 11 de julho:


Enquanto fazemos poesia


UMA VEZ PARTICIPEI de uma mesa redonda em Póvoa de Varzim, no norte de Portugal, em que se discutiu a proposição "Enquanto fazemos poesia não partimos". Trata-se de uma sentença de Hermann Broch, que se encontra no romance "A Morte de Virgílio". Mas ela foi apresentada fora do seu contexto, de modo que cada qual pudesse interpretá-la como quisesse, quer para defendê-la, quer para criticá-la. O importante era que essa interpretação pessoal revelasse algo da concepção de poesia de cada um. Foi, de fato, o que ocorreu.

Quanto a mim, concordo com a tese de que "enquanto fazemos poesia não partimos". Consultando o contexto em que essa frase se encontra, percebe-se que Broch lamentava o fato de não partirmos quando fazemos poesia, como se dissesse: "Quando fazemos poesia, não chegamos a partir". Para ele, o importante era partir. Pois bem, penso, ao contrário, que o fato de não partir é exatamente o que faz da poesia o que ela é: uma das dimensões insubstituíveis e, segundo penso, supremas, da experiência humana. Na verdade, creio que não é somente quando fazemos poesia, mas, principalmente, quando a lemos, que não partimos.

Partir quer dizer dividir em partes, separar as partes: e é da noção de separação que vem o sentido de ir embora. Pois bem, para que o juízo, isto é, o conhecimento humano discursivo, dianoético, seja possível, é necessário, em primeiro lugar, que o sujeito (que julga) e o objeto (sobre o qual se julga) tenham sido separados. No próprio objeto, é preciso também que o sujeito tenha sido separado de suas propriedades e relações etc. Ora, muito sucintamente, essas separações são condições para que possamos conhecer e instrumentalizar o mundo dos objetos. Através da partida, portanto, todos os entes se tornam objetos para o sujeito que conhece.

Também o poema consiste num objeto artificial. Não se trata, evidentemente, de um objeto artificial material, como a folha de papel sobre a qual ele se encontra escrito, mas de um objeto formal, de um objeto-tipo, como uma palavra. É assim que, como uma palavra, ele pode encontrar-se em diferentes meios ao mesmo tempo: nos vários exemplares de um livro, em revistas, em computadores, na internet, em gravações sonoras etc.

A mais importante característica a distinguir esses dois tipos de objetos artificiais de caráter formal que são as palavras e os poemas parece-me ser o fato de que, ao contrário de uma palavra, um poema enquanto poema não desempenha qualquer função sintática ou semântica na língua a que pertence. Na verdade, o poema enquanto poema é um objeto artificial de caráter formal desprovido de qualquer função determinada. Ora, um objeto destituído de função determinada é, literalmente, um objeto que não serve para nada.

Normalmente, não damos atenção a objetos que não servem para nada. Por que damos atenção a um poema enquanto poema? Coube a Kant responder a essa pergunta, ao descrever a beleza como uma finalidade sem fim. O poema enquanto poema é um objeto no qual reconhecemos a forma da finalidade sem, entretanto, reconhecermos o fim, a função que daria o seu conceito. Por isso mesmo, o poema enquanto poema é um objeto que, como diz Kant das ideias estéticas, "constitui uma apresentação da imaginação que dá muita ocasião ao pensamento, sem que nenhum pensamento determinado, nenhum conceito, possa ser-lhe apropriado e que, consequentemente, não é completamente alcançável ou tornado inteligível por nenhuma linguagem".

Sob o domínio da imaginação, o poema provoca o que o autor de "A Crítica do Juízo" chama de "livre jogo" entre as faculdades do conhecimento: trata-se de um objeto da língua ao qual voltamos, não por razões pragmáticas, mas estéticas, como voltamos a contemplar um quadro ou uma escultura.

Mas um poema é um objeto especial também em outro sentido, evidentemente ligado a esse primeiro. Ocorre que ler um poema é como mergulhar nele em pensamento. O poema é objeto e pensamento ao mesmo tempo. E, ao contrário do que ocorre nos não poemas, no poema não é possível separar o objeto do pensamento ou do sujeito do pensamento. Aquilo que pensa no poema é também a sua materialidade linguística: não apenas os seus significados convencionais, mas os seus significantes: e os significados não se separam, no poema, dos significantes. Nada, nele, se separa de nada; nada se parte; nada parte.

É nesse sentido que eu diria que, enquanto fazemos ou lemos poesia, não partimos.

10.7.09

Adriano Espínola: "A velha"

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A velha

Esculpida em silêncio,
sentada e sábia,
fita o horizonte da mágoa.

Ao seu lado,
o mar murmura
as sílabas do ocaso.

Ó beleza antiga e súbita:
sobre o seu ombro
o instante se debruça,
iluminado.


De: ESPÍNOLA, Adriano. Beira-sol. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007.

9.7.09

Jards Macalé e Waly Salomão: canção "Rua Real Gandeza", no blog do Mariano

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Recomendo enfaticamente uma visita ao blog do Mariano, “Poeira de Sebo”. Lá se encontra a extraordinária gravação de Jards Macalé da canção “Rua Real Grandeza”, cuja música ele compôs para a letra do Waly Salomão. Esta pode ser lida aqui mesmo, na postagem do dia 4.

7.7.09

Glauco Mattoso: "Soneto contrariado"

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Soneto contrariado (541)


Por ser o cedo tarde e o tarde cedo;
por ser tarde a manhã e a noite dia;
por ser gostosa a dor, triste a alegria;
por serem ódio amor, coragem medo;

Se o plágio é mais invento que arremedo;
se exprime mais virtude o que vicia;
se nada vale tudo que valia;
se todos já conhecem o segredo;

Por ser duplipensar barroco a língua;
por menos ter aquele que mais quer;
se a falta excede e tanto abunda a míngua;

Por nunca estar o nexo onde estiver,
desdigo o que falei e a vida xingo-a
de morte, se a cegueira é luz qualquer.



De: MATTOSO, Glauco. Poesia indigesta.. São Paulo: Landy, 2004.

5.7.09

"Dilema"




Faixa do CD Antonio Cicero por Antonio Cicero, publicado pela Luz da Cidade.



DILEMA

O que muito me confunde
é que no fundo de mim estou eu
e no fundo de mim estou eu.
No fundo
sei que não sou sem fim
e sou feito de um mundo imenso
imerso num universo
que não é feito de mim.
Mas mesmo isso é controverso
se nos versos de um poema
perverso sai o reverso.
Disperso num tal dilema
o certo é reconhecer:
no fundo de mim
sou sem fundo.



De: CICERO, Antonio. Guardar. Rio de Janeiro: Record, 1996 / Póvoa do Varzim: Quasi, 2002.

4.7.09

Waly Salomão: "Rua Real Grandeza"

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Rua Real Grandeza

ah vale a pena ser poeta
escutar você torcer de volta a chave
na fechadura da porta
abra volte veja
sou um cara sem saída
mas não se iluda com esta minha vida
toda vez que avisto sua figura leviana
no pórtico do quarto
penso em dar um corte em quem me embroma
sou forte abra volte
veja se me entende e me ama
desde o berço conservo o mesmo endereço
moro na rua Real Grandeza
abra abra a porta
volta e veja
você não me engana
sozinho sem amor sem carinho
não digo com certeza
mas posso me arruinar
veja
jatos de sangue
espetáculos de beleza
ah vale a pena ser poeta
escutar você torcer de volta
a chave na fechadura da porta.



Esta letra de Waly Salomão foi musicada por Jards Macalé


SALOMÃO, Waly. "Rua Real Grandeza". Gigolô de bibelôs. São Paulo: Brasiliense, 1983.

3.7.09

Vinícius de Moraes: "Poética"

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Poética


De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.



MORAES, Vinícius de. Nova antologia poética. Org. de Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

2.7.09

Entrevista de Adriano Nunes no Poeira de Sebo

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Recomendo a bela entrevista que o poeta Adriano Nunes deu ao Mariano, do blog Poeira de Sebo, no endereço http://peneiradorato.blogspot.com/

1.7.09

"Meio-fio"

Atendendo à sugestão do Paulinho, eis o poema que digo no post anterior.



MEIO-FIO

Domingo à noite, ao cinema,
à comédia americana
do Roxy, em Copacabana:
Que melhor estratagema
para vencer a acedia
domingueira, num programa –
sonorama, cinerama –
com um toque de nostalgia,
drops e ar condicionado,
e um trailer, de aperitivo
(que filme é mais incisivo
que o somente insinuado?)

Mas, na Barão de Ipanema
com a Domingos Ferreira,
eis que fazemos besteira,
a um quarteirão do cinema:
é que, à procura de vaga,
não vemos que vem um carro
na transversal, e o esbarro
não é grande mas estraga
os planos. Resta esperar
ao meio-fio a perícia.
Mas a noite, com a malícia
e a fluidez de um jaguar,
nada espera. Da Avenida
Atlântica, a maresia,
cio noturno, alicia
para outras eras da vida.