29.4.10
Giuseppe Ungaretti: "Tappeto" / "Tapete": trad. de Sérgio Wax
Tapete
Cada cor expande-se e deita
nas outras cores
Para estar mais só se a olhares
Tappeto
Ogni colore si espande e si adagia
negli altri colori
Per essere più solo se lo guardi
UNGARETTI, Giuseppe. A alegria / L'allegria. Edição bilingue. Trad. Sérgio Wax. Belém: CEJUP, 1992.
28.4.10
Curso "Como ler um poema", no POP, no Rio de Janeiro
Polo de Pensamento Contemporâneo: Rua Conde Afonso Celso, 103 - Jardim Botânico - CEP 22461-060 Tel. (21) 2286-3299 e 2286-3682
Curso iniciando no dia 04 de maio
Inscrições pelo tel. (21) 2286-3299 ou pelo site
www.polodepensamento.com.br
COMO LER UM POEMA
com Antonio Cicero
A leitura de um poema, mesmo quando efetuada em voz baixa ou interior, não se compara às demais experiências de leitura. Ela deve ser progressiva e regressiva, levando em conta todos os elementos semânticos e sintáticos, formais e materiais, descritivos e alusivos de que o poema é composto.Do contrário, o poema não é fruído como obra de arte: não é fruído como deve sê-lo.
O curso “Como ler um poema” pretende, através de abordagens exemplares de alguns dos maiores poemas da literatura universal e brasileira, indicar como se deve ler um poema para fruí-lo enquanto obra de arte.
Para todos os interessados em literatura
4 aulas, terças-feiras:
4, 11, 18 e 25 de maio
19h30 - 21h30
Valor: R$ 320,00
50% na inscrição, 50% em cheque pré-datado para até 30 dias
24.4.10
Nelson Ascher: "Retrato de uma dama"
Retrato de uma dama
Conforme se anuncia,
encarnação aos poucos
palpável de insidiosos
perfumes que, epifânicos,
recendem numa síntese
de arquétipos a hormônios,
constata-se através de
seus olhos, cujo impacto
ensimesmado em sombra
e rímel põe os outros
de joelhos, toda a ausência
do acaso, quase audível
no intrínseco alvedrio
que a voz extrai não tanto
de si quanto da exímia
textura do batom,
também vísivel passo
a passo no descaso
com que do alto dos saltos
impõe-se em torno como
quem, cartesiana a ponto
de estipular a própria
beleza, ilustra o quanto
prescinde esta do inato,
pois, voluntariedade
premeditadamente
fundada no espontâneo
recurso ao artifício,
impera na voragem
cosmética o metódico
instinto envolto em nuvens
sutis de pó-de-arroz.
ASCHER, Nelson. O sonho da razão. Rio de Janeiro: 34 Letras, 1993.
Conforme se anuncia,
encarnação aos poucos
palpável de insidiosos
perfumes que, epifânicos,
recendem numa síntese
de arquétipos a hormônios,
constata-se através de
seus olhos, cujo impacto
ensimesmado em sombra
e rímel põe os outros
de joelhos, toda a ausência
do acaso, quase audível
no intrínseco alvedrio
que a voz extrai não tanto
de si quanto da exímia
textura do batom,
também vísivel passo
a passo no descaso
com que do alto dos saltos
impõe-se em torno como
quem, cartesiana a ponto
de estipular a própria
beleza, ilustra o quanto
prescinde esta do inato,
pois, voluntariedade
premeditadamente
fundada no espontâneo
recurso ao artifício,
impera na voragem
cosmética o metódico
instinto envolto em nuvens
sutis de pó-de-arroz.
ASCHER, Nelson. O sonho da razão. Rio de Janeiro: 34 Letras, 1993.
22.4.10
Jorge Salomão: "Viva!!!!!!"
VIVA!!!!!!
EU NÃO SOU UM POETA
SOU UM MALABARISTA
E DOS PIORES QUE EXISTEM
QUANDO VOU ANDAR NO ARAME
LOGO CAIO NO CHÃO
Jorge Salomão, 2010
21.4.10
Fernando Pessoa: "Os deuses são felizes"
O seguinte poema de Fernando Pessoa foi enviado ao blog pelo Aetano, a propósito da discussão sobre "Antony Flew e Deus":
Os deuses são felizes.
Vivem a vida calma das raízes.
Seus desejos o Fado não oprime.
Ou, oprimindo, redime
Com a vida imortal.
Não há
Sombras ou outros que os contristem.
E, além disto, não existem...
PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Aguilar, 1988.
18.4.10
Antony Flew e Deus
O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da "Ilustrada", da Folha de São Paulo, no sábado, 16 de abril:
Antony Flew e Deus
HÁ ALGUNS dias faleceu, aos 87 anos, o filósofo inglês Antony Flew. Tendo sido, quase toda a vida, um vigoroso defensor do ateísmo, Flew adquiriu, já na velhice, notoriedade fora do ambiente acadêmico, ao declarar que se tornara deísta. Os deístas, como se sabe, não acreditam no Deus que as religiões positivas descrevem, mas num deus cujo conceito derivam inteiramente da razão e que, depois de criar o mundo, dele se ausentou. É o que Pascal chamava de "deus dos filósofos", em oposição ao Deus de Abraão. Tanto Voltaire quanto, por exemplo, Thomas Jefferson e Benjamin Franklin, que Flew citava, consideravam-se deístas.
Embora, enquanto deísta, Flew rejeitasse o cristianismo, certos defensores do design inteligente, como Roy Abraham Varghese, e evangélicos como Bob Hostetler ficaram entusiasmados com o "ateu que virara a casaca". Varghese chegou a assinar um livro em parceria com Flew, intitulado "Há um Deus: de que Modo o Mais Notório Ateísta do Mundo Mudou de Ideia".
Na verdade, Flew confessou ao jornalista Mark Oppenheimer – que preparava um artigo sobre ele para a revista do "New York Times"– que o livro tinha sido escrito por Varghese. Segundo Flew, quando Varghese lhe mostrou o livro pronto, ele o aprovou, pois se considerava "velho demais para esse tipo de coisa", isto é, para escrever.
É melancólica a história, contada por Oppenheimer no artigo citado, da exploração da senilidade de Flew. Mas quero falar aqui de algo mais pitoresco e estimulante, que é o ensaio "Teologia e Falsificação", que Flew escreveu no auge dos seus poderes mentais e que merece ser mais conhecido no Brasil.
Ele começa com uma modificação da "Parábola dos Jardineiros", do filósofo inglês John Wisdom. Trata-se do seguinte. Dois exploradores chegam a uma clareira florida. Um deles acha que deve haver algum jardineiro cuidando da clareira, mas o outro não concorda. Para resolver a questão, montam guarda, mas não aparece ninguém. O explorador que crê na existência de um jardineiro supõe então que este seja invisível. Para testar essa hipótese, fazem uma cerca de arame farpado em torno da clareira, e põem cães a guardá-la. Nada acontece, porém.
Contudo, o crente não desiste. Segundo ele, o jardineiro pode ser invisível, intangível, insensível a choques elétricos e inodoro. E aí o cético, perdendo a paciência, lhe pergunta: "Em que é que um jardineiro invisível, intangível e imperceptível seria diferente de um jardineiro imaginário, ou de um jardineiro inexistente?".
Nesse ponto, Flew observa que afirmar uma coisa equivale a negar a negação dessa coisa. Toda afirmação implica a negação de tudo o que nega a verdade dela. Por exemplo, a proposição "todos os cisnes são brancos", que era considerada verdadeira séculos atrás, implica a proposição "nenhum cisne é não branco". Quando foram descobertos cisnes pretos na Austrália, revelou-se que era falsa a proposição "todos os cisnes são brancos".
Se o enunciado "todos os cisnes são brancos" tivesse sido compatível com a descoberta de que alguns cisnes são pretos, então ele simplesmente jamais teria realmente significado ou afirmado coisa nenhuma, pois daria no mesmo afirmá-lo ou negá-lo. Para que significasse e afirmasse alguma coisa, era necessário que ele pudesse ter sido negado pela descoberta de cisnes não brancos.
Se não há nada que uma pretensa proposição negue, então ela nada significa; logo, nada afirma: não passa de uma pseudoproposição. Ora, Flew afirma que assim são proposições tais como "Deus existe", "Deus nos ama como um pai ama um filho" etc. Segundo ele, não há nenhum acontecimento que possa fazer os religiosos que as afirmam voltarem atrás e confessarem: "No final das contas, Deus não existe"; ou: "De fato, Deus não nos ama".
Digamos que vemos uma criança morrendo de um câncer inoperável na garganta. Seu pai terrestre fica desesperado, mas seu pai divino não parece se importar. O religioso que nos garantiu que Deus nos ama provavelmente dirá algo como "o amor de Deus não se confunde com o humano" ou "os desígnios de Deus são inescrutáveis". E Flew pergunta (como o explorador que duvida da existência do jardineiro): "Mas então exatamente o que teria que acontecer para que tivéssemos o direito lógico de dizer "Deus não nos ama" ou mesmo "Deus não existe'?".
Caso nos respondam que nada que aconteça seria capaz de fazer isso, então, conclui Flew, na verdade enunciados tais como "Deus existe" nada significam ou afirmam.
16.4.10
Sobre um e-mail de propaganda eleitoral enganosa a favor do PT
Ontem recebi um e-mail com um gráfico, alegadamente publicado na revista inglesa "The Economist", pretendendo mostrar a "superioridade" do governo de Lula sobre o de Fernando Henrique Cardoso.
Hoje recebi um e-mail do Marcelo Drummond, afirmando que a "The Economist" jamais publicou esse gráfico e mostrando que, ao contrário, a "The Economist" considera até que grande parte dos méritos de Lula se devem à continuação da política econômica de FHC. Como sou assinante da "The Economist", pude constatar que Marcelo Drummond está certo. As citações que ele faz estão corretas e o tal gráfico não passa de uma vergonhosa propaganda enganosa. Reproduzo em seguida o o e-mail do Drummond, assim como os dados espúrios do tal gráfico.
Caros amigos,
o e-mail abaixo, amplamente distribuído pela Internet, é um vergonhoso exemplo de PROPAGANDA POLÍTICA ENGANOSA. Ela mostra a que ponto é capaz de chegar o fanatismo e o oportunismo político, que mente com "boa consciência", pois pretende fazê-lo "para o bem" dos que engana.
O gráfico abaixo JAMAIS foi publicado pela revista THE ECONOMIST.
O que essa revista realmente afirma , no número de 14 de novembro de 2009, cuja capa diz "BRAZIL TAKES OFF", isto é, "O BRASIL DECOLA", é, entre outras coisas, que:
"Grande parte do sucesso atual do país deveu-se ao bom senso dos seus governos recentes, em particular o de Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 2003, que criou um ambiente macroeconômico estável e previsível em que as empresas puderam florescer".
“Much of the country’s current success was due to the good sense of its recent governments, in particular those of Fernando Henrique Cardoso from 1995 to 2003, which created a stable, predictable macroeconomic environment in which businesses could flourish”.
E adiante:
"Entre 1990 e 1995, a média da inflação foi de 764% por ano. Aí um milagre de verdade ocorreu. Em 1994 uma equipe de economistas sob a direção do Sr. [ FH ] Cardoso, então ministro da fazenda, introduziu uma nova moeda, o real, que teve êxito no ponto em que as tentativas anteriores haviam falhado. No período de um ano o Plano Real conseguiu impedir aumentos de preços. Em 1999, o câmbio fixo foi abandonado pelo câmbio flutuante e o Banco Central se concentrou na inflação. [...] O atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, conseguiu receber grande parte do crédito pelo crescimento recente do país, crédito que talvez mais corretamente seja devido ao seu predecessor. No entanto, o feito de Lula tem sido manter as reformas que herdou e adicionar algumas de sua própria lavra -- o que não é pouco, dado que nos últimos sete anos seu próprio partido tem tentado arrastá-lo para a esquerda".
Between 1990 and 1995 inflation averaged 764% a year. Then a real miracle happened. In 1994 a team of economists under Mr Cardoso, then the finance minister, introduced a new currency, the real, which succeeded where previous attempts had failed. Within a year the Real Plan had managed to curb price rises. In 1999 the exchange rate peg was abandoned and the currency allowed to float, and the central bank was told to target inflation. [...] Brazil’s current president, Luiz Inácio Lula da Silva, has been able to take much of the credit for the country’s recent growth that perhaps properly belongs to his predecessor. Yet Lula’s achievement has been to keep the reforms he was bequeathed and add a few of his own. Not a meagre accomplishment given that for the past seven years his own party has been trying to drag him to the left.
Diga-se a verdade: O GRÁFICO ABAIXO É SIMPLESMENTE DESONESTO. O correto seria, onde se lê "Nos tempos de FHC", estar escrito "A situação herdada por FHC"; e, onde se lê "Nos tempos de LULA", deveria estar escrito: "A situação após os governos de FHC e de LULA".
A economia brasileira prosperou graças, além de outros fatores, tanto a Fernando Henrique Cardoso quanto a Lula. Negar isso é simplemsmente mentir.
E não nos esqueçamos de que, na época em que se implantava o real e se tomavam as primeiras medidas sérias contra a inflação, o PT se opunha sistematicamente a elas.
Marcelo Drummond
E-mail com os dados espúrios:
------------------------------------------------------------------------------
Senhores,
Com isenção de ânimo e sem paixões políticas, conhecer indicadores sociais e econômicos publicados pelo Jornal "The Economist", comparando os Governos FHC e Lula.
A diferença é muito grande... é bom lembrar!!!
LEIAM O QUE FOI PUBLICADO NO JORNAL THE ECONOMIST
The Economist publicou!
Situação do Brasil antes e depois.
Itens
Nos tempos de FHC
Nos tempos de LULA
Risco Brasil
2.700 pontos
200 pontos
Salário Mínimo
78 dólares
210 dólares
Dólar
Rs$ 3,00
Rs$ 1,78
Dívida FMI
Não mexeu
Pagou
Indústria naval
Não mexeu
Reconstruiu
Universidades Federais Novas (sem contar com PROUNI)
Nenhuma
10
Extensões Universitárias
Nenhuma
45
Escolas Técnicas
Nenhuma
214
Valores e Reservas do Tesouro Nacional
185 Bilhões de Dólares Negativos
160 Bilhões de Dólares Positivos
Créditos para o povo/PIB
14%
34%
Estradas de Ferro
Nenhuma
3 em andamento
Estradas Rodoviárias
90% danificadas
70% recuperadas
Industria Automobilística
Em baixa, 20%
Em alta, 30%
Crises internacionais
4, arrasando o país
Nenhuma, pelas reservas acumuladas
Cambio
Fixo, estourando o Tesouro Nacional
Flutuante: com ligeiras intervenções do Banco Central
Taxas de Juros SELIC
27%
11%
Mobilidade Social
2 milhões de pessoas saíram da linha de pobreza
23 milhões de pessoas saíram da linha de pobreza
Empregos
780 mil
11 milhões
Investimentos em infraestrutura
Nenhum
504 Bilhões de reais previstos até 2010
Mercado internacional
Brasil sem crédito
Brasil reconhecido como investment grade
- Que este e-mail circule pelo Brasil inteiro.
- ESSE TEXTO DEVE-SE TRANSFORMAR NA MAIOR CORRENTE QUE A INTERNET JÁ VIU!!!
14.4.10
José Arthur Giannotti: "Os novos bolchevistas"
O seguinte -- importante -- artigo de José Arthur Giannotti foi publicado no caderno "Mais!", da Folha de São Paulo, no domingo, 11 de abril:
Os novos bolchevistas
Para os mais jovens, vale lembrar que os bolchevistas -palavra que vem do russo significando maioria- representavam a facção majoritária que, no congresso do Partido Comunista de 1903, seguiu Lênin, contra os menchevistas, os minoritários, sociais-democratas mais moderados do que o grande líder revolucionário.
Mas interessa, neste momento, lembrar que o bolchevismo representou uma forma de prática política em que o militante adere ao partido de corpo e alma, como se aderisse a uma igreja, a uma instituição prenhe de verdade. Os velhos comunistas pediam a autorização do partido para se casarem.
E, durante os processos de Moscou, quando Stálin liquidou seus adversários, estes terminaram confessando crimes que não tinham cometido, pois pensavam o partido como a morada da verdade.
Se o comunismo desapareceu do horizonte político de hoje, se a democracia se impôs, vamos dizer assim, como valor universal, não é por isso que essa adesão emocional, e às vezes mística, a uma organização política tenha se extinguido.
É muito comum em pequenos partidos de esquerda (ou de direita), assim como em certas correntes da esquerda infiltradas nos grandes partidos. A maior surpresa, todavia, é constatar que medra no pensamento de muitos intelectuais.
Compreende-se que um militante endosse uma decisão partidária, mesmo contra sua vontade. Participou das discussões internas do partido e, tendo perdido a disputa, só lhe cabe acatar a decisão da maioria. Há um compromisso com a instituição em que milita. Se ela viola seus princípios, resta-lhe apenas retirar-se.
Nas situações-limite, porém, essa regra se torna relativa. Ao intelectual, em particular, orgânico ou não, cabe estar sempre atento às questões de princípio. Se um partido nega um de seus esteios fundadores, não precisa abandoná-lo, desde que faça ouvir bem alto sua voz discordante.
Não há como transigir quando se trata de uma questão que diz respeito ao funcionamento da própria democracia, do direito de as minorias se manifestarem e lutarem por seus ideais.
Sabemos que não é o que está acontecendo em Cuba, na China e em outros lugares. Minha geração foi tomada de entusiasmo pela Revolução Cubana. Era um raio de sol na América Latina, quando predominavam as contrarrevoluções autoritárias. Entendemos a necessidade de Fidel se aproximar da União Soviética, diante da pressão americana, principalmente depois do embargo decretado.
Aceitamos, embora com relutância, o "paredón", o fuzilamento dos inimigos do regime. Há momentos em que a violência política se torna inevitável. Mas aos poucos fomos percebendo que a Revolução Cubana estava se degenerando.
Caricatura
Jean-Paul Sartre [1905-80] foi o primeiro intelectual conhecido a romper com Fidel. Depois se avolumaram as evidências de que o regime se tornava cada vez mais autoritário, reprimindo sem piedade qualquer manifestação oposicionista. Hoje a República cubana é uma caricatura do socialismo.
E o embargo americano que impede Cuba de se desenvolver? E as conquistas sociais, principalmente no campo da saúde, da educação e do esporte, que colocaram Cuba na modernidade?
Tudo isso continua sendo muito pertinente, mas não retira dos cubanos o direito de divergirem das políticas oficiais. Mais ainda, não abole a distinção entre o preso político, aquele que sofre punição por sua militância política, e o preso comum, que simplesmente transgride em prol de si mesmo ou de sua gangue.
As manifestações contra o regime cubano crescem dia a dia. Tudo indica que a repressão aumentará. Não podemos aceitar que os manifestantes sejam tratados como presos comuns. Mas, como sempre, o governo Lula dá uma no prego e outra na ferradura.
Desta vez, porém, a pancada na ferradura foi muito maior, porque ferrou qualquer adversário, negando seu estatuto de político, mesmo quando faz greve de fome para ser reconhecido como tal. Cabe então a nós, intelectuais brasileiros, denunciar essa violência, defender o direito e o espaço das oposições.
No entanto, muitos de nós simplesmente estão se furtando a tomar firme posição contra esse escândalo. Estão casados com os grupos de esquerda em que militam e comprometidos com a política do atual governo, mesmo quando ela nega princípios gerais que comandam os ideais democráticos.
Até o Cebrap
O maior argumento é que agora qualquer manifestação teria efeitos eleitorais. Mas o silêncio não tem o mesmo efeito? Interessante é que até mesmo o Cebrap, uma instituição que, durante a ditadura, não deixou de denunciar as violações dos direitos democráticos, hoje simplesmente está calado.
E, naqueles tempos, o efeito não era eleitoral, mas a porrada dos gendarmes do governo. Cabe refletir sobre o que está atualmente acontecendo no Brasil. Em particular a vida pública está perdendo qualquer dimensão normativa. Vale o pragmatismo mais estreito.
Importa ganhar as eleições, fazer um governo popular, não perturbar a onda de felicidade que nos cobre mansamente. Ainda que sejam adiadas decisões importantes que não caiam no gosto do público, que as próximas gerações paguem o preço de nossas conveniências.
Resulta daí que cada vez mais tendemos a nos tornar uma sociedade média, média, micha.
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI é professor emérito da USP e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Escreve na seção "Autores", do Mais! .
10.4.10
Paulo Leminski: "Sinfonia para pressa e presságio"
Sinfonia para pressa e presságio
          Escrevia no espaço.
Hoje, grafo no tempo,
          na pele, na palma, na pétala,
luz do momento.
          Sôo na dúvida que separa
o silêncio de quem grita
          do escândalo que cala,
no tempo, distância, praça,
          que a pausa, asa, leva
para ir do percalço ao espasmo.
          Eis a voz, eis o deus, eis a fala,
eis que a luz se acendeu na casa
          e não cabe mais na sala.
LEMINSKI, Paulo. La vie en close. São Paulo: Brasiliense, 1991.
8.4.10
Curso "Como ler um poema"
COMO LER UM POEMA
com Antonio Cicero
20 a 23 de abril
terça a sexta, das 20h às 22h
A leitura de um poema, mesmo quando efetuada em voz baixa ou interior, não se compara às demais experiências de leitura. Ela deve ser progressiva e regressiva, levando em conta todos os elementos semânticos e sintáticos, formais e materiais, descritivos e alusivos de que o poema é composto.Do contrário, o poema não é fruído como obra de arte: não é fruído como deve sê-lo.
O curso “Como ler um poema” pretende, através de abordagens exemplares de alguns dos maiores poemas da literatura universal e brasileira, indicar como se deve ler um poema para fruí-lo enquanto obra de arte.
Para todos os interessados em literatura
Inscrições abertas
pelo site, telefone ou no local
seg. a sex. das 9h às 22h. sáb. das 10h às 17h
t. (11) 3081-6986
www.obarco.com.br
Centro Cultural b_arco - Rua Dr. Virgilio de Carvalho Pinto, 426
Pinheiros - São Paulo - SP
contato@obarco.com.br
6.4.10
Jorge Luis Borges e Osvaldo Ferrari: trecho de diálogo
OSVALDO FERRARI: Para além de todas as modas do nosso século, o senhor declarou, em um de seus textos, que afortunadamente não possui vocação iconoclasta.
JORGE LUIS BORGES: Sim, é verdade, acho que devemos respeitar o passado, uma vez que o passado é tão facilmente modificável, não é? No presente.
OSVALDO FERRARI: Mas essa atitude de se manter alheio às sucessivas modas iconoclastas, por sua parte...
JORGE LUIS BORGES: Ah, sim, eu acredito que sim; mas é um mau hábito francês pensar na literatura em termos de escolas, ou em termos de gerações. Flaubert disse: "Quando um verso é bom, perde sua escola". E acrescentou: "Um bom verso de Boileau equivale a um bom verso de Hugo". E é verdade: quando um poeta acerta, acerta para sempre, e não interessa muito que estética professe, ou em que época tenha sido escrito: esse verso é bom, e é bom para sempre. E isso acontece com todos os versos bons, podem ser lidos sem levar em conta o fato de que correspondem, por exemplo, ao século XIII, à língua italiana, ou ao século XIX, à língua inglesa, ou que opiniões políticas professava o poeta: o verso é bom. Eu sempre cito aquele verso de Boileau; surpreendentemente, Boileau diz: "O momento no qual falo já está longe de mim". É um verso melancólico e, além disso, no momento em que dizemos o verso, esse verso deixa de ser presente, e se perde no passado, e não importa se é um passado muito recente ou um passado remoto: o verso fica ali. E foi Boileau quem disse; esse verso não se parece com a imagem que temos de Boileau, mas seria igualmente bom se fosse de Verlaine, se fosse de Hugo, ou se fosse de um autor desconhecido: o verso existe por conta própria.*
BORGES, Jorge Luis; FERRARI, Osvaldo. "Os clássicos aos 85 anos". Sobre os sonhos e outros diálogos. Trad. de John Lionel O'Kuinghttons Rodríguez. São Paulo: Hedra, 2009.
* O verso "Le moment où je parle est déjà loin de moi" é a tradução que Boileau fez de um trecho do verso 153 da Sátira V de Pérsio. O verso inteiro de Pérsio diz: "Vive memor lethi: fugit hora; hoc quod loquor inde est" (Lembra da morte, ao viver: a hora foge; isto que digo já passou). "A hora foge" remete ao famoso trecho do verso de Virgílio que diz: "Sed fugit interea, fugit irreparabile tempus" (Mas enquanto isso foge, foge irreparável o tempo). Esse verso nos lembra as palavras de Horácio "dum loquimur fugerit invida aetas" (enquanto conversamos, terá fugido despeitada a hora), de famosa ode que já citei, como exemplo do motivo "carpe diem", neste blog, aqui: http://antoniocicero.blogspot.com/2010/02/carpe-diem-o-seguinte-artigo-publicado.html. A.C.
4.4.10
O que é poesia?
O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da "Ilustrada", da Folha de São Paulo, no sábado, 3 de abril:
O que é poesia?
O POETA Edson Cruz perguntou "O que é poesia?" a diversos poetas. 45 responderam. Cada um deu uma resposta diferente, embora não necessariamente incompatível com as dadas por cada um dos demais. A pergunta era na verdade um pretexto para pensar sobre a poesia. O resultado se transformou num livro.
Eu mesmo participei do livro e recentemente, ao reler o que lá dissera, lembrei-me que já havia respondido a essa pergunta de outros modos. Por exemplo, supondo que a poesia é aquilo que faz de um poema um poema, escrevi uma vez que ela consiste no grau de escritura de um texto. A ideia é que um poema (bem) realizado é um texto dotado de um altíssimo grau de escritura.
Isso supõe que alguns escritos são mais escritos do que outros. Digo isso tendo em vista algumas das mais importantes características do discurso escrito, em oposição ao oral. Abstraindo dos modernos meios de gravação de voz, considero evidentes as seguintes três proposições:
1. Enquanto o discurso oral é efêmero, o discurso escrito tem uma permanência indefinida;
2. enquanto o discurso oral é fluido e aberto, isto é, está sempre em movimento, como a vida, e sujeito a mudar a todo instante, o discurso escrito é fixo e fechado, e não é sujeito a mudança;
3. enquanto o discurso oral se realiza ou se concretiza plenamente quando falado, o discurso escrito se realiza ou se concretiza plenamente quando lido.
Pois bem, embora todo discurso tenha uma permanência indefinida, não a tem na mesma medida. A permanência de um rascunho, por exemplo, ou de um bilhetinho, ou de um torpedo, ou de uma mensagem de celular, ou de um memorando não costuma ser muito grande. É assim quase tudo o que se escreve e não se publica.
Mas é também assim quase tudo o que se publica. Os jornais são guardados nas bibliotecas e nos arquivos, mas quem os lê senão, de tempos em tempos, um historiador? Um texto que não é lido não se concretiza plenamente. Ora, esse é o destino não só dos periódicos, mas, de modo mais inexorável ainda, de 99,9% dos livros. Assim, no que diz respeito à primeira característica do discurso escrito, que é a da permanência, entra em jogo a sua terceira característica, que é a de se concretizar ao ser lido. A mera permanência física de um livro está longe de significar a permanência plena ou concreta do seu texto.
Já a qualidade de ser fixo e fechado parece, à primeira vista, ser compartilhada igualmente por todos os textos, enquanto duram. Na verdade, porém, não é bem assim. Posso, por exemplo, considerar os rascunhos de um poema meu como as transformações pelas quais ele passou antes de ficar pronto.
Se eu fotografasse cada uma dessas transformações, fizesse slides dos fotogramas, colasse uns nos outros como numa fita de cinema e pusesse essa fita num projetor, creio que veria o poema a se mexer como se fosse um desenho animado. Ele pareceria, então, fluido como uma fala; e, caso se tratasse de um poema ainda não terminado, de modo que eu continuasse a adicionar fotogramas a essa fita, ele pareceria também aberto como uma fala.
Os textos que dizem coisas de caráter prático ou mesmo cognitivo, tais como os textos técnicos e científicos, são mais ou menos assim, abertos e fluidos, pois, caso contrário, o que dizem acaba por deixar de ser verdadeiro ou útil, de modo que eles se tornam obsoletos e deixam de ser lidos, isto é, deixam de se concretizar. Assim também enciclopédias ou dicionários mantêm-se vivos porque são atualizados por novas edições.
Os textos que não estão sujeitos a esse tipo de descartabilidade são aqueles cujo valor -atenção: neste ponto, não há como não empregar juízos de valor- não depende de serem verdadeiros ou falsos, ou de terem qualquer outra função prática. Assim são os textos literários que, valendo por si, pertencem antes à ordem dos monumentos do que à dos documentos. É assim que as Musas de Hesíodo se orgulham de saber "dizer muitas mentiras parecidas com a verdade".
Pois bem, dentre os textos literários, que valem por si e são os mais escritos dos escritos, os mais escritos de todos são os poemas. Por quê? Porque consistem em formas puras. No limite, não há, neles, diferença entre o que dizem e o modo como o dizem. Como não se pode, num poema, separar o significado do significante, a rigor não se pode dizer em outras palavras o seu significado. É por isso que, no que diz respeito a um poema, parece-me em geral menos apropriado falar de "tradução" do que, como dizia o poeta Haroldo de Campos, de "transcriação".
1.4.10
Régis Bonvicino: "Este poema"
Este poema
Este poema
não chama a atenção
é igual a milhares –
sequer por um momento
ilustra, apático, o passado
caça moscas
paga juros
não tem saco aéreo
víboras, ratos,
ladrões desprezam seu túmulo
uivam lobos de pelúcia
não tem futuro
é abelha cega com sua parelha de óculos
sua língua não é uma esponja
suas antenas farejam Drummond
não enxerga no escuro
não cria inimigos
não morre depois do ataque
não tem farpas
tolera o mundo
2009