6.4.10
Jorge Luis Borges e Osvaldo Ferrari: trecho de diálogo
OSVALDO FERRARI: Para além de todas as modas do nosso século, o senhor declarou, em um de seus textos, que afortunadamente não possui vocação iconoclasta.
JORGE LUIS BORGES: Sim, é verdade, acho que devemos respeitar o passado, uma vez que o passado é tão facilmente modificável, não é? No presente.
OSVALDO FERRARI: Mas essa atitude de se manter alheio às sucessivas modas iconoclastas, por sua parte...
JORGE LUIS BORGES: Ah, sim, eu acredito que sim; mas é um mau hábito francês pensar na literatura em termos de escolas, ou em termos de gerações. Flaubert disse: "Quando um verso é bom, perde sua escola". E acrescentou: "Um bom verso de Boileau equivale a um bom verso de Hugo". E é verdade: quando um poeta acerta, acerta para sempre, e não interessa muito que estética professe, ou em que época tenha sido escrito: esse verso é bom, e é bom para sempre. E isso acontece com todos os versos bons, podem ser lidos sem levar em conta o fato de que correspondem, por exemplo, ao século XIII, à língua italiana, ou ao século XIX, à língua inglesa, ou que opiniões políticas professava o poeta: o verso é bom. Eu sempre cito aquele verso de Boileau; surpreendentemente, Boileau diz: "O momento no qual falo já está longe de mim". É um verso melancólico e, além disso, no momento em que dizemos o verso, esse verso deixa de ser presente, e se perde no passado, e não importa se é um passado muito recente ou um passado remoto: o verso fica ali. E foi Boileau quem disse; esse verso não se parece com a imagem que temos de Boileau, mas seria igualmente bom se fosse de Verlaine, se fosse de Hugo, ou se fosse de um autor desconhecido: o verso existe por conta própria.*
BORGES, Jorge Luis; FERRARI, Osvaldo. "Os clássicos aos 85 anos". Sobre os sonhos e outros diálogos. Trad. de John Lionel O'Kuinghttons Rodríguez. São Paulo: Hedra, 2009.
* O verso "Le moment où je parle est déjà loin de moi" é a tradução que Boileau fez de um trecho do verso 153 da Sátira V de Pérsio. O verso inteiro de Pérsio diz: "Vive memor lethi: fugit hora; hoc quod loquor inde est" (Lembra da morte, ao viver: a hora foge; isto que digo já passou). "A hora foge" remete ao famoso trecho do verso de Virgílio que diz: "Sed fugit interea, fugit irreparabile tempus" (Mas enquanto isso foge, foge irreparável o tempo). Esse verso nos lembra as palavras de Horácio "dum loquimur fugerit invida aetas" (enquanto conversamos, terá fugido despeitada a hora), de famosa ode que já citei, como exemplo do motivo "carpe diem", neste blog, aqui: http://antoniocicero.blogspot.com/2010/02/carpe-diem-o-seguinte-artigo-publicado.html. A.C.
Um Borges superconcentrado, literatura-eternidade. Valeu, Cícero. Abraço
ResponderExcluir...O verso existe por conta própria.
ResponderExcluirlindo, lindo, lindo!
Cícero, como sempre adorei!
Cicero,
ResponderExcluirComo é maravilhoso aprender contigo! Valeu!
Abração,
Adriano Nunes.
Grande Antônio Cícero,
ResponderExcluirPara mim é uma emoção muito forte visitar seu blog, pois as músicas que vc cômpos com sua irmã a não menos grandiosa e maravilhosa Marina Lima ajudaram a embalar a trilha sonora da minha adolescência. A sua dissertação sobre o que é poesia me ajudou a entender um pouco mais esse laborioso ofício que tento exercer com um mínimo de amor e dignidade. Gostaria muitíssimo que visitasse o meu, aliás o nosso http://emaranhadorufiniano.blogspot.com e também http://po-de-poesia.blogspot.com e posta-se por lá seus comentários valiosíssimos, após ler os poemas, é claro. Muito obrigado, parabéns pelo blog e pela irreprensível obra. Aguardo contato.
Grande abraço!!!
apesar de qualquer postura iconoclasta, o bom verso fica e fica belamente. Do mais simples ao mais radical, quando é bom, "é bom para sempre". Que beleza!!!
ResponderExcluirabraços.
Jefferson.
Cícero,
ResponderExcluirEssa resposta do Borges é tanto tão que fica até difícil comentar. É para ler e pensar.
Abraço,
JR.
É Poeta!!!
ResponderExcluirE quando o verso existe por conta própria, persiste, persiste, e persiste...
Gracias.
Um beijo amigo e carinhoso.
Carmen Silvia Presotto
www.vidraguas.com.br
Vinícius de Moraes - Criação na Poesia
ResponderExcluir(Ideal)
(fragmento)
O poeta parte no eterno renovamento.
Mas seu destino é fugir sempre ao homem que ele traz em si.
O poeta:
Eu sonho a poesia dos gestos fisionômicos de um anjo!
Rio de Janeiro, 1935
eu venho aqui e são sempre tantas janelas que você abre para a poesia...
ResponderExcluiré tão bom!
obrigada.
Cicero,
ResponderExcluirMuito grato!
Ah, gostaria de indicar, para os frequentadores desse indispensável blog, a entrevista que Geneton Moraes Neto fez com Mário Quintana, republicada aqui:
http://colunas.g1.com.br/geneton/
Abcs.
Aeta
Cicero,
ResponderExcluirUm novo poema:
"Nós dois depois das dez" - Para W. Rodrigues.
Como se dará tudo,
Nunca sei. Todo dia,
Sonho-te. Não podia
Ficar assim tão mudo,
Enquanto o coração
Grita desesperado.
Adoro-te. A teu lado,
As taras que não são?
Dentro da nossa vida,
Uma dádiva explícita:
Nós dois depois das dez...
Um verso nos excita,
A vida em si relida,
O mundo aos nossos pés.
Grande abraço,
Adriano Nunes.
Muito interessante!
ResponderExcluirAnotei o nome e vou procurar este livro!
Antônio:
ResponderExcluirEsta entrevista (diálogo) foi um dos livros mais interessantes que já li. Os dois, entrevistado e entrevistador, discorrem sobre um conhecimento maravilhoso. Cresci com este livro.
Luiz Martins, poeta, músico e arquivista.