31.12.14
Eugen Gomringer: "vom rand nach innern" / "da margem para dentro": trad. Roswitha Friesen Blume e Markus J. Weininger
da margem
para dentro
e dentro
ao meio
pelo centro
do meio
para fora
à margem
vom rand
nach innen
im innern
zur mitte
duchs zentrum
der mitte
nach aussen
zum rand
GOMRINGER, Eugen. "vom rand nach innen". In: BLUME, Rosvitha Friesen; WEININGER, Markus J. Weininger (org. e trad.). Seis décadas de poesia alemã. Florianópolis: Editora UFSC, 2012.
29.12.14
Carlos Drummond de Andrade: "O pintor ao meu lado"
O pintor ao meu lado
reclama:
Quando serei falsificado?
ANDRADE, Carlos Drummond de. "O pintor ao meu lado". In: CALCANHOTTO, Adriana (organização e ilustrações). Haicai do Brasil. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2014.
27.12.14
Jorge Luís Borges: "Son los ríos" / "São os rios: trad. Josely Vianna Baptista
Agradeço ao Erick Monteiro Moraes por me ter lembrado do seguinte poema de Borges, que amo, e que pertence ao mesmo livro -- Los conjurados -- que o poema "Nubes I", que já postei aqui.
Son los ríos
Somos el tiempo. Somos la famosa
parábola de Heráclito el Oscuro.
Somos el agua, no el diamante duro,
la que se pierde, no la que reposa.
Somos el río y somos aquel griego
que se mira en el río. Su reflejo
cambia en el agua del cambiante espejo,
en el cristal que cambia como el fuego.
Somos el vano río prefijado,
rumbo a su mar. La sombra lo ha cercado.
Todo nos dijo adiós, todo se aleja.
La memoria no acuña su moneda.
Y sin embargo hay algo que se queda
y sin embargo hay algo que se queja.
BORGES, Jorge Luís. “Son los rios”. In:_____. “Los conjurados”. In:_____. Obras completas, vol.2. Buenos Aires: Emecé, 1989.
São os rios
Somos o tempo. Somos a famosa
parábola de Heráclito, o Obscuro.
Somos a água, não o diamante duro,
a que se perde, não a remansosa.
Somos o rio e também aquele grego
que se olha no rio. Seu reflexo
varia na água do espelho perplexo,
no cristal, feito o fogo, sem sossego.
Somos o inútil rio prefixado,
rumo a seu mar. A sombra o tem cercado.
Tudo nos disse adeus, tudo nos deixa.
Na moeda a memória não perdura.
E no entanto algo ainda dura,
e no entanto algo ainda se queixa.
BORGES, Jorge Luís. Poesía. Trad. Josely Vianna Baptista. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
Son los ríos
Somos el tiempo. Somos la famosa
parábola de Heráclito el Oscuro.
Somos el agua, no el diamante duro,
la que se pierde, no la que reposa.
Somos el río y somos aquel griego
que se mira en el río. Su reflejo
cambia en el agua del cambiante espejo,
en el cristal que cambia como el fuego.
Somos el vano río prefijado,
rumbo a su mar. La sombra lo ha cercado.
Todo nos dijo adiós, todo se aleja.
La memoria no acuña su moneda.
Y sin embargo hay algo que se queda
y sin embargo hay algo que se queja.
BORGES, Jorge Luís. “Son los rios”. In:_____. “Los conjurados”. In:_____. Obras completas, vol.2. Buenos Aires: Emecé, 1989.
São os rios
Somos o tempo. Somos a famosa
parábola de Heráclito, o Obscuro.
Somos a água, não o diamante duro,
a que se perde, não a remansosa.
Somos o rio e também aquele grego
que se olha no rio. Seu reflexo
varia na água do espelho perplexo,
no cristal, feito o fogo, sem sossego.
Somos o inútil rio prefixado,
rumo a seu mar. A sombra o tem cercado.
Tudo nos disse adeus, tudo nos deixa.
Na moeda a memória não perdura.
E no entanto algo ainda dura,
e no entanto algo ainda se queixa.
BORGES, Jorge Luís. Poesía. Trad. Josely Vianna Baptista. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
26.12.14
Glauco Mattoso: "Soneto rodador [1001]"
Soneto rodador [1001]
Palíndromo perfeito é o "oroboro",
a cobra que devora o próprio rabo.
Com esse talismã começo e acabo
um tema que dos bruxos é namoro.
Porém, como sou falto de decoro
e de ser pornográfico me gabo,
engulo meu caralho, até me enrabo
e rindo dessa dor gozo meu choro.
Assim sempre vivi, juntando extremos,
tirando da agonia meu proveito,
casando maus anjinhos com bons demos.
Erótico e autofágico é o conceito,
portanto, do "oroboro": eis como vemos
a cobra do palíndromo perfeito.
MATTOSO, Glauco. "Soneto rodador". In: CORONA, Ricardo (org.). Cobra. Curitiba: Medusa, 2014.
25.12.14
Francisco Bosco: de "Flashes"
O desafio da crítica é aproximar-se e distanciar-se o máximo possível da obra -- ao mesmo tempo.
BOSCO, Francisco. "Flashes". In:_____. Da amizade. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2003.
24.12.14
Vera Pedrosa: "arco"
arco
há uma direção
agora
árvores se reúnem
sons de água
configuram-se
de onde voltamos
o rio desce
entre rochas
pousa em bacias
escapa entre falhas
detém-se em lajes
desce entre lírios
o basalto o escurece
poeira de ouro
em suas areias
cipoais
perturbam-lhe o contorno
quanto ao moço
nele se amava
o desejo de tudo
quando parado na pedra
o mergulho e
quando nadava
lentamente
de onde voltávamos
flores se interpunham
nos caminhos
mas era como se um arco ardesse
ante o olhar entre os ânimos
o rio desce
e quem se descobre
nas águas velozes
distantes
outros campos
outros passeios
adiro à evidência
de outros vales
PEDROSA, Vera. "arco". In:_____. De onde voltamos o rio desce. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2011.
22.12.14
Luís MIguel Nava: "Crawl"
Crawl
Às vezes, entranhando-me num espelho, consigo dar nele duas ou três braçadas sucessivas.
NAVA, Luís Miguel. "Rebentação". In:_____. Poesia completa. Org. de Gastão Cruz. Lisboa: Dom Quixote, 2002.
19.12.14
Adriano Nunes: "Acontecimentos"
A C O N T E C I M E N T O S
C I C E R O E O S E R
C I C E R O E O S E M
C I C E R O E O S M A
C I C E R O E O M A R
C I C E R O E M A R I
C I C E R O M A R I N
C I C E R M A R I N A
C I C E M A R I N A E
C I C M A R I N A E O
C I M A R I N A E O S
C M A R I N A E O S O
M A R I N A E O S O MNUNES, Adriano. "Acontecimentos". In: Blog Quefaçocomoquenãofaço. URL: http://astripasdoverso.blogspot.com.br/. Acessado em 19/12/2014.
18.12.14
João Pedro Fagerlande: "a pálpebra desce e observa"
a pálpebra desce e observa
é sempre noite num dos hemisférios
o sol não esclarece tudo
olhos não abrem para dentro
se abrissem
ai se abrissem
não tenha medo
não há sombras no escuro
FAGERLANDE, João Pedro. Peludo.Rio de Janeiro: Baluarte, 2013.
17.12.14
Paulo Mendes Campos: "Tempo-eternidade"
Tempo-eternidade
O instante é tudo para mim que ausente
do segredo que os dias encadeia
me abismo na canção que pastoreia
as infinitas nuvens do presente.
Pobre de tempo fico transparente
à luz desta canção que me rodeia
como se a carne se fizesse alheia
à nossa opacidade descontente.
Nos meus olhos o tempo é uma cegueira
e a minha eternidade uma bandeira
aberta em céu azul de solidões.
Sem margens sem destino sem história
o tempo que se esvai é minha glória
e o susto de minh´alma sem razões.
CAMPOS, Paulo Mendes. Antologia poética. Rio de Janeiro: Fontana Expressão e Cultura, 1978.
15.12.14
Carlos Drummond de Andrade: de carta a José Guilherme Merquior
Do interessantíssimo depoimento de José Mário Pereira sobre seu amigo José Guilherme Merquior, publico abaixo um belo trecho da carta que Carlos Drummond de Andrade enviou a Merquior.
José Mário Pereira explica que Merquior
doutorou-se em letras pela Sorbonne, orientando de Raymond Cantel, com tese sobre Carlos Drummond de Andrade aprovada com louvor em junho de 1972. Depois de levar meses para acusar a remessa dos capítulos que Merquior lhe enviava, Drummond respondeu:
"Eu poderia tentar justificar-me alegando que esperava o recebimento do texto completo para lhe escrever. Mas a verdade verdadeira é que, desde a leitura das primeiras páginas, me bateu uma espécie de inibição que conheço bem, por ser velha companheira de minhas emoções mais puras. Se você estivesse ao meu lado nos momentos de leitura, decerto acharia graça na dificuldade e confusão das palavras que eu lhe dissesse. Talvez até nem dissesse nenhuma. E na minha cara a encabulação visível diria tudo… ou antes, não diria nada, pois o melhor da sensação escapa a esse código fisionômico. Senti-me confortado, vitalizado, vivo. Meus versos saem sempre de mim como enormes pontos de interrogação, e constituem mais uma procura do que um resultado. Sei muito pouco de mim e duvido muito — você vai achar graça outra vez — de minha existência. Uma palavra que venha de fora pode trazer-me uma certeza positiva ou negativa. A sua veio com uma afirmação, uma força de convicção que me iluminou por dentro. E também com uma sutileza de percepção e valorização crítica diante da qual me vejo orgulhoso de nobre orgulho e… esmagado. Eis aí, meu caro Merquior. Estou feliz, por obra e graça de você, e ao mesmo tempo estou bloqueado na expressão dessa felicidade."
PEREIRA, José Mário. "O fenômeno Merquior". In: COSTA E SILVA, Alberto da. O Itamaraty na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2002.
13.12.14
Walt Whitman: "Full of life now" / "Pleno de vida agora": trad. Ferreira Gullar
Pleno de vida agora
Pleno de vida agora, consistente, visível,
Eu, quarenta anos vividos, no ano oitenta e três anos dos Estados,
Ao homem que viva daqui a um século, ou dentro de quantos séculos for,
A ti, que ainda não nasceste, dirijo este canto.
Quando leias isto, eu, que agora sou visível, terei me tornado invisível,
Enquanto tu serás consistente e visível, e darás realidade a meus poemas, voltando-te para mim,
Imaginando como seria bom se eu pudesse estar contigo e ser teu camarada:
Faz de conta que eu estou contigo. (E não o duvides muito, porque eu estou aí nesse momento.)
WHITMAN, Walt. "Pleno de vida agora". In: GULLAR, Ferreira (trad. e org.). O prazer do poema. Uma antologia pessoal. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2014.
Full of life now
Full of life now, compact, visible,
I, forty years old the eighty-third year of the States,
To one a century hence or any number of centuries hence,
To you yet unborn these, seeking you.
When you read these I that was visible am become invisible,
Now it is you, compact, visible, realizing my poems, seeking me,
Fancying how happy you were if I could be with you and become your comrade;
Be it as if I were with you. (Be not too certain but I am now with you.)
WHITMAN, Walt. "Leaves of grass". In:_____. The complete poems. Org. por Francis Murphy. Hamondsworth: Penguin, 1977.
11.12.14
Eugénio de Andrade: "Até amanhã"
Até amanhã
Respira. Um corpo horizontal,
tangível, respira.
Um corpo nu, divino,
respira, ondula, infatigável.
Amorosamente toco o que resta dos deuses.
As mãos seguem a inclinação
do peito e tremem,
pesadas de desejo.
Um rio interior aguarda.
Aguarda um relâmpago,
um raio de sol,
outro corpo.
Se encosto o ouvido à sua nudez,
uma música sobe,
ergue-se do sangue,
prolonga outra música.
Um novo corpo nasce,
nasce dessa música que não cessa,
desse bosque rumoroso de luz,
debaixo do meu corpo desvelado.
ANDRADE, Eugénio de. "Até amanhã". In:_____. Poesia. Porto: Modo de Ler, 2011.
9.12.14
Gilbert Murray: sobre os deuses e a criação do mundo
Meu amigo Adriano Nunes me disse que, tendo lido o fragmento 30 de Heráclito (que se encontra aqui), lembrou-se da seguinte afirmação de Gilbert Murray:
Os deuses da maioria dos países pretendem haver criado o mundo. Os deuses olímpicos não têm tal pretensão. O máximo que chegaram a fazer foi conquistá-lo.
MURRAY, Gilbert. Apud ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Trad. de Mauro W. Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2013.
8.12.14
Jorge Luis Borges: de "O credo de um poeta"
Tenho para mim que sou essencialmente um leitor. Como sabem, eu me aventurei na escrita, mas acho que o que li é muito mais importante que o que escrevi. Pois a pessoa lê o que gosta -- porém não escreve o que gostaria de escrever, e sim o que é capaz de escrever.
BORGES, Jorge Luis. "O credo de um poeta". In:_____. Esse ofício do verso. Organização de Calin-Andrei Mihailescu; tradução de José Marcos Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
3.12.14
Manuel Bandeira: "O martelo"
O Martelo
As rodas rangem na curva
dos trilhos
Inexoravelmente.
Mas eu salvei do meu
naufrágio
Os elementos mais
cotidianos.
O meu quarto resume o
passado em todas as casas
que habitei.
Dentro da noite
No cerne duro da cidade
Me sinto protegido.
Do jardim do convento
Vem o pio da coruja.
Doce como um arrulho de
pomba.
Sei que amanhã quando
acordar
Ouvirei o martelo do
ferreiro
Bater corajoso o seu
cântico de certezas.
BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1967.