31.5.14
Angela Melim: "tem um lance de lua no neon"
tem um lance de lua
no neon, a lua é fria
a mulher ri
agulha
o salto da sandália devagar
mergulha - de verniz, cintila - e voa
fura
todas as letras do hotel gritam no céu.
MELIM, Angela. Vale o escrito. Rio de Janeiro: edição da autora, 1981.
29.5.14
Ivan Junqueira: "Antes que o sol se ponha"
Antes que o sol se ponha
Antes que o sol se ponha e seja tarde,
e o azul crepuscular me deite a garra,
e eu, nu, retorne à terra sem fanfarra
ou mortalha que o corpo me resguarde;
antes que murche a pétala na jarra,
e eu cale, para sempre, sem alarde,
e tudo o que me coube, por covarde,
não mais recorde a relva que se agarra
às últimas raízes da existência;
antes que eu cerre os olhos e adormeça,
e em minhas próprias células esqueça
as chamas que me arderam na consciência;
antes que a luz regresse e que amanheça,
e eu a mim mesmo já não me conheça.
JUNQUEIRA, Ivan. "A sagração dos ossos". In:_____. Poemas reunidos. Rio de Janeiro: Record, 1999.
28.5.14
Lançamento de livro de Adriano Nunes
Hoje Adriano Nunes está de parabéns por duas razões: pelo lançamento do seu livro Antípodas tropicais e pelo seu aniversário. PARABÉNS, ADRIANO!
Ouçam a entrevista concedida por Adriano Nunes à Rádio Farol, de Maceió:
26.5.14
Rogério Batalha: "a cidade me habita"
a cidade me habita tal qual parafuso, não pelo que
contém de casa, mas porque dá asas ao absurdo.
BATALHA, Rogério. Cidade fundida. Rio de Janeiro: Texto Território, 2014.
24.5.14
Waly Salomão: "Barroco"
Barroco
Mundo e ego: palcos geminados.
Quero crer que creio
E finjo e creio
Que mundo e ego
Ambos
São teatros
Díspares
E antípodas.
Absolutos que se refratam/difratam...
Espelhos estilhaçados que não se colam.
Entanto são
Ecos de ecos que se interpenetram
Partículas de ecos ocos, partículas, partículas de ecos plenos que
[se conectam
Aí cosmos são cagados, cuspidos e escarrados pelo opíparo caos
E o uso do adjetivo está correto
Pois que o caos é um banquete.
Fantasmas de óperas.
Ratos de coxias.
Atos truncados.
Há uma lasca de palco
em cada gota de sangue
em cada punhado de terra
de todo
[e qualquer poema.
SALOMÃO, Waly. "Pescados vivos". In:_____. Poesia total. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
21.5.14
Arnaldo Antunes: "Casulo"
Casulo
ileso em meu asilo
de carne e pele
passo
do impasse que me impede
ao impulso que me impele
ao impacto
e peço
ao tempo que apressa o passo
do ímpeto ao inevitável
que me livre
de empate
e me leve
leve
ao nocaute
do casulo que me isola
agora
ANTUNES, Arnaldo. "Casulo". In: Suplemento Literário de Minas Gerais, nº 1352. Secretaria de Estado de Cultura: Belo Horizonte, janeiro/fevereiro de 2014.
Novo portal de Yoani Sánchez
Yoani Sánchez inaugurou novo portal independente em Cuba. Vale a pena visitá-lo. Fica em http://www.14ymedio.com/.
18.5.14
Giuseppe Ungaretti: "Un'altra notte" / "Outra noite": trad. Sérgio Wax
Outra noite
Vallone, 20 de abril de 1917
Neste escuro
com as mãos
geladas
distingo
o meu rosto
Vejo-me
abandonado no infinito.
Un'altra notte
Vallone il 20 aprile 1917
In quest'oscuro
colle mani
gelate
distinguo
il mio viso
Mi vedo
abbandonato nell'infinito
UNGARETTI, Giuseppe. A alegria / L'allegria. Trad. de Sérgio Wax. Belém: CEJUP, 1992.
16.5.14
Paul Valéry: de "Poésie"
O poeta busca o verso mágico – aquele cujo sentido seja a ele mesmo misterioso, logo, tal que o verso se conserve e se repita.
Se um verso produz um sentido exato – isto é, que possa ser traduzido, seja por outra expressão, seja por uma representação única – esse verso é abolido por esse sentido.
VALÉRY, Paul. "Poésie". In:_____. Poèmes et Petits poèmes abstraits, Poésie, Ego scriptor. Paris: Gallimard, 1992.
Arthur Nogueira e Antonio Cicero em "Palavras Aladas"
No sábado, à meia-noite, Arthur Nogueira e eu participaremos, com poemas e canções, da Virada Cultural, na Casa das Rosas:
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14.5.14
Adriano Nunes: Lançamento de "Antípodas tropicais"
Abaixo, o convite ao lançamento do livro do poeta Adriano Nunes, Antípodas tropicais, para o qual tive o prazer de escrever o seguinte blurb:
Ao ler, em Antípodas tropicais, poemas em que admiravelmente convivem espontaneidade e virtuosismo, invenção e técnica, ousadia e erudição, inteligência e sensibilidade, fiquei feliz de poder não apenas confirmar, mas reforçar, minha convicção de que se encontra, em Adriano Nunes, um poeta contemporâneo que faz jus à melhor tradição da poesia brasileira.
Clique, para aumentar:
12.5.14
Sérgio Alcides: "Está caindo"
Está caindo
Querer olhar para a lente,
verificar a ranhura
da lente, não a que arranha
do outro lado da vista
o mundo menos real
– mas real – da circunstância.
Sem poder deixar de ver
– através – a poesia.
Poeira que está caindo,
cobrindo as mercadorias.
ALCIDES, Sérgio. Pier. São Paulo: Editora 34, 2012.
10.5.14
Bertolt Brecht: "Sorgfältig prüf ich" / "Com cuidado examino": trad. Paulo César de Souza
Com cuidado examino
Com cuidado examino
Meu plano: ele é
Grande, ele é
Irrealizável.
Sorgfältig prüf ich
Sorgfältig prüf ich
Meinen Plan; er ist
Groß genug; er ist
Unverwirklichbar.
BRECHT, Bertolt. "Sorgfältig prüf ich". In:_____. Die Gedichte. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1981.
BRECHT, Bertolt. "Com cuidado examino". In:_____. Poemas: 1913-1956. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Editora 34, 2000.
8.5.14
Alex Varella: "O pombo flâneur"
O pombo flâneur
Todo pombo é flâneur, mas o carioca ainda mais.
Conta Paulo Mendes Campos que era verão
e dois deles tinham marcado um encontro,
às cinco azul em ponto,
no céu do Rio de Janeiro.
Os tradicionais relógios da Mesbla e da Central marcavam a hora,
mas não marcavam o tempo
(nenhum relógio marca o tempo).
Atravessando a cidade num fio de luz,
a vista ardendo de azul,
aquele pombo se atrasou,
e arrulhando,
numa só sentença se explicou:
“ Sou o pombo flâneur. Não vim voando, vim andando!”
Alex Varella
6.5.14
João Ubaldo Ribeiro: "O negro e o macaco"
A seguir, reproduzo um excelente artigo que João Ubaldo Ribeiro publicou em sua coluna dominical de O Globo, no dia 4 do corrente mês:
O negro e o macaco
Defender a existência de uma única cultura africana ou negra é insultuoso, ignorante e racista
Uma das mais clamorosas — e para mim enervantes — manifestações do atraso da espécie humana é esse negócio de raça. A importância que damos à raça, a ponto de odiar-se, matar-se e morrer-se por causa dela, leva inevitavelmente ao lugar-comum: seria ridícula, se não fosse trágica. É difícil encontrar um assunto sobre o qual se digam tantas besteiras quanto este, sempre ignorando não só evidências antropológicas como dados da própria realidade cotidiana. E é também bastante difícil falar sobre ele ou debatê-lo. Muita gente perde o controle, espuma de raiva e afoga o debate em gritos e denúncias.
Começa pela ligação, que aqui sempre se faz, entre escravidão e raça. Falou em escravos, falou em negros. Mas a maior parte dos escravos na história da humanidade não era de negros, o que lá seja isto. A escravidão, para generalizar razoavelmente, era o destino dos vencidos de qualquer raça, que não fossem exterminados. Inclusive, é claro, pois do contrário é que não seriam humanos, os da raça negra vencidos por outros da mesma raça, caso dos escravos vendidos ao Brasil. É comum a noção de que “negro é negro”, como se as incontáveis etnias negras se considerassem iguais. Isso equivale a entender que um alemão é igual a um polonês, um sueco igual a um italiano ou um espanhol igual a um russo. Não pode haver disparate maior — e, se bem olhado, racista — do que achar que, num continente gigantesco e diversificado como a África, todos os negros são iguais e, mais bobamente ainda, irmãos. Irmãos em Cristo e, assim mesmo, se não forem muçulmanos. Vão perguntar se as minorias negras massacradas por nações também negras se consideram irmãs de seus algozes, ou estes daquelas. Ou aos escravos negros de outros negros, situação até hoje existente na África. Há até quem se escandalize com guerras e genocídios entre nações negras. Ué, e guerra de branco contra branco?
Desculpem se atropelo argumentos, mas é que o assunto me deixa nervoso também e me dá uma certa exasperação. Agora me ocorre interromper o que vinha dizendo para lembrar outra prática enervante: falar em cultura africana. Não existe, nem pode existir, uma cultura africana, em nenhum sentido. Aplica um reducionismo grotesco aquele que — e lembro outra vez o tamanho e a complexidade da África — acha que só existe uma cultura negra ou africana. De novo, é um argumento que, se bem olhado, pode ser considerado racista. Existe a cultura africana dos povos a que pertenciam os que foram trazidos para o Brasil como escravos, o que é muito diferente de dizer que ela é “a cultura africana”. Experimentem convidar um zulu para jantar e servir a ele comida ioruba, como na Bahia. Defender a existência de uma única cultura africana ou negra é insultuoso, ignorante e racista.
Aplicar padrões sociológicos americanos para o problema, no Brasil, é outra prática difícil de aturar. E faço a ressalva sempre exigida de que claro que no Brasil há racismo, patati-patatá. Mas a Bahia não é o Alabama. Já na década de 60, um casal, numa das Virgínias do Sul dos Estados Unidos, foi condenado a dois anos de prisão porque era inter-racial, ou seja, um dos dois era negro. As Forças Armadas só foram integradas na Guerra da Coreia e qualquer um que tenha vivido nos Estados Unidos sabe que lá é diferente e ou criamos nossas próprias categorias para examinar nossa realidade, ou prosseguiremos macaqueando até mesmo o racismo alheio.
Escrevi “macaqueando” aí em cima, sem de início lembrar a alusão a macacos em recentes incidentes de racismo no futebol. Mas ela vem a calhar, nesta salada que estou servindo hoje. É curioso como não paramos para pensar e notar que, quesito por quesito, algum racista negro teria razões para alegar que macaco é o branco e não o negro, o qual pode ser visto como muito mais distante do macaco que o branco. Se é verdade, não sei, nem isto tem importância alguma, mas pensem aqui num par de coisas. Imaginem, por exemplo, um ser inteligente de outro planeta, portanto não sujeito aos nossos condicionamentos, a quem incumbíssemos de esclarecer qual das duas raças é mais próxima do macaco. Para tanto, poríamos diante dele um branco nu, um negro nu e um chimpanzé, nosso primo próximo.
O primeiro impacto talvez fosse a cor e, de fato, o pelo do chimpanzé, assim como a pele do negro, é preto. Mas o bom observador não ia deixar-se levar por essa aparência. Façamos um exame cuidadoso e uma listazinha, junto com ele. O macaco é todo coberto de pelos, o corpo do negro é glabro, o branco pode ser o Tony Ramos; os pelos do macaco são lisos, os cabelos do branco também, os cabelos dos negros são crespos; raspado o pelo, a pele do macaco por baixo se revela branca e não preta; os lábios do macaco são finos, os do branco também, os dos negros são grossos; o macaco não tem bunda, o branco tem bunda chata, o negro tem bunda almofadada; até — perdão, senhoras — os renomados atributos masculinos dos negros são mais distantes do macaco, que é tipo piu-piu. Como se vê, basta escolher o que se quer levar em conta e, pelo menos neste exemplo perfeitamente plausível, o extraterrestre poderia concluir que o branco está bem mais perto do macaco que o negro.
Tudo bobagem, discussão que não leva a nada, somente ao ódio e à intolerância. Vamos parar de procurar modelos, ao menos nisto não sejamos tão colonizados, não permitamos que mais lixo contamine nosso pensamento. Os americanos é que têm obsessão por raça (lá nós, brasileiros, somos “hispânicos”), nós temos é a glória e o privilégio de ser o único país em que homens e mulheres de todas as raças se misturaram e misturam e onde a raça, Deus há de ser servido, ainda terá o lugar que merece, ou seja, nenhum.
4.5.14
Anacreonte: "Ode 7.1": trad. Almeida Cousin
Velhice e gôzo
As mulheres me dizem: – Anacreonte,
Toma um espelho e olha-te!
Velho! Nem tens cabelos nessa fronte!...
Vês? O tempo desfolha-te.
Se eu tenho ou não a fronte encalvecida,
Não sei. Velho, porém
Sei que, ao fim do destino, mais a vida
Deve gozar-se – e bem!
ANACREONTE. "Ode 7.1". Trad. de Almeida Cousin. In: COUSIN, Almeida (org.). Odes de Anacreonte. Rio de Janeiro: Pongetti, 1948.
2.5.14
Eugenio Montale: "Epigramma" / "Epigrama": trad. Renato Xavier
Epigrama
Sbarbaro, menino inspirado, dobra multicores
papéis e extrai barquinhos que confia à lama
movediça de um regato; olha-os indo embora.
Sê precavido por ele, cavalheiro que passas:
com a tua bengala alcança a delicada flotilha,
que não se perca; e chegue a um portinho de pedras.
Epigramma
Sbarbaro, estroso fanciullo, piega versicolori
carte e ne trae navicelle che affida alla fanghiglia
mobile d’un rigagno; vedile andarsene fuori.
Sii preveggente per lui, tu galantuomo che passi:
col tuo bastone raggiungi la delicata flottiglia,
che non si perda; guidala a un porticello di sassi.
MONTALE, Eugenio. Ossos de sépia. Trad. de Renato Xavier. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.