29.5.14

Ivan Junqueira: "Antes que o sol se ponha"




Antes que o sol se ponha

Antes que o sol se ponha e seja tarde,
e o azul crepuscular me deite a garra,
e eu, nu, retorne à terra sem fanfarra
ou mortalha que o corpo me resguarde;
antes que murche a pétala na jarra,
e eu cale, para sempre, sem alarde,
e tudo o que me coube, por covarde,
não mais recorde a relva que se agarra
às últimas raízes da existência;
antes que eu cerre os olhos e adormeça,
e em minhas próprias células esqueça
as chamas que me arderam na consciência;
antes que a luz regresse e que amanheça,
e eu a mim mesmo já não me conheça.



JUNQUEIRA, Ivan. "A sagração dos ossos". In:_____. Poemas reunidos. Rio de Janeiro: Record, 1999.

4 comentários:

  1. Olá Cicero,

    O Ivan Junqueira, autor deste belo soneto, lutou para tirar do limbo a maravilhosa poesia do Dante Milano, um dos poetas citados na última entrevista concedida por Carlos Drummond de Andrade ao jornalista Geneton Moraes Neto, meu conterrâneo.

    Para o blog e os seus leitores, transcrevo este outro belo soneto do Dante Milano, poeta querido e admirado por Junqueira e pelo Poeta Maior.
    Abraços
    Arsenio Meira

    MONÓLOGO

    Estar atento diante do ignorado,
    Reconhecer-se no desconhecido,
    Olhar o mundo, o espaço iluminado,
    E compreender o que não tem sentido]
    Guardar o que não pode ser guardado,]
    Perder o que não pode ser perdido.
    – É preciso ser puro, mas cuidado!
    É preciso ser livre, mas sentido!
    É preciso paciência, e que impaciência!]
    É preciso pensar, ou esquecer,
    E conter a violência, com prudência,]
    Qual desarmada vítima ao querer
    Vingar-se, sim, vingar-se da existência,]
    E, misteriosamente, não poder.

    (In Poesias, Dante Milano - 182 páginas - Ed. Sabiá)

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  2. Bonito soneto, Arsenio. Gosto do Dante Milano. Adoro um poema dele que já postei aqui: http://antoniocicero.blogspot.com.br/search?q=no+beco+escuro

    Abraço

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  3. Oi Cicero,

    "O Beco", belo e subversivo (no que essa palavra tem de mais sublime, jamais desabono) já o tinha lido aqui. Obrigado pela lembrança. E tão bom quanto revisitar o poema que publicastes do Milano, foi notar os poetas navegadores, sacando de suas algibeiras um poema, um verso, um aceno, uma carícia, ou mesmo, um soco no estômago (vez por outra - metaforicamente - faz bem.)

    Abraços!
    Arsenio

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  4. Cicero,

    belíssimo! Salve! Salve!


    Abraço forte,
    Adriano Nunes

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