Pois se há um pecado contra a vida, talvez não seja tanto desesperar dela quanto esperar uma outra vida, e furtar-se à implacável grandeza desta.
Car s’il y a un péché contre la vie, ce n’est peut-être pas tant d’en désespérer que d’espérer une autre vie, et se dérober à l’implacable grandeur de celle-ci.
CAMUS, Albert. "L'été à Alger". In: Noces. Algiers: Edmond Charlot, 1939.
28.4.07
27.4.07
Juan Ramón Jiménez: Te deshojé, como una rosa
Te deshojé, como una rosa
para verte tu alma,
y no la vi.
Mas todo en torno
– horizontes de tierras y de mares –,
todo, hasta el infinito,
se colmó de una esencia
inmensa y viva.
para verte tu alma,
y no la vi.
Mas todo en torno
– horizontes de tierras y de mares –,
todo, hasta el infinito,
se colmó de una esencia
inmensa y viva.
25.4.07
Michel Tournier: Robinson pensa sobre o dinheiro
Eis uma tradução minha (e, em baixo, o original) de um trecho absolutamente delicioso do livro de Michel Tournier, Vendredi ou les limbes du Pacifique. Robinson, o personagem principal, anota em seu Log-book o seguinte:
Avalio hoje a loucura e a maldade dos que caluniam essa instituição divina: o dinheiro! O dinheiro espiritualiza tudo o que toca, trazendo-lhe uma dimensão ao mesmo tempo racional – mensurável – e universal – pois um bem monetizado torna-se virtualmente acessível a todos os homens. A venalidade é uma virtude cardeal. O homem venal sabe calar seus instintos assassinos a associais – sentimento de honra, amor-próprio, patriotismo, ambição política, fanatismo religioso, racismo – para só deixar falar sua propensão à cooperação, seu gosto pelas trocas frutuosas, seu sentido da solidariedade humana. É preciso tomar literalmente a expressão idade do ouro, e vejo claramente que a humanidade chegaria lá mais rapidamente se só fosse conduzida por homens venais. Infelizmente são quase sempre homens desinteressados que fazem a história, e então o fogo destrói tudo, o sangue corre em torrentes. Os gordos mercadores de Veneza nos dão o exemplo da felicidade faustuosa que conhece um estado dirigido somente pela lei do lucro, enquanto que os lobos esgalgados da Inquisição espanhola nos mostram as infâmias de que são capazes os homens que perderam o gosto pelos bens materiais. Os hunos teriam rapidamente interrompido seu ímpeto se tivessem sabido aproveitar das riquezas que haviam conquistado. Com o peso de suas aquisições, ter-se-iam estabelecido para melhor gozar delas, e as coisas teriam retomado seu curso natural. Mas eram brutos desinteressados. Desprezavam o ouro. E arremessavam-se à frente, queimando tudo em sua passagem.
Je mesure aujourd'hui la folie et la méchanceté de ceux qui calomnient cette institution divine : l'argent! L'argent spiritualise tout ce qu'il touche en lui apportant une dimension à la fois rationnelle — mesurable — et universelle — puisqu'un bien monnayé devient virtuellement accessible à tous les hommes. La vénalité est une vertu cardinale. L'homme vénal sait faire taire ses instincts meurtriers et asociaux — sentiment de l'honneur, amour-propre, patriotisme, ambition politique, fanatisme religieux, racisme — pour ne laisser parler que sa propension à la coopération, son goût des échanges fructueux, son sens de la solidarité humaine. Il faut prendre à la lettre l'expression l'âge d'or, et je vois bien que l'humanité y parviendrait vite si elle n'était menée que par des hommes vénaux. Malheureusement ce sont presque toujours des hommes désintéressés qui font l'histoire, et alors le feu détruit tout, le sang coule à flots. Les gras marchands de Venise nous donnent l'exemple du bonheur fastueux que connaît un État mené par la seule loi du lucre, tandis que les loups efflanqués de l'Inquisition espagnole nous montrent de quelles infamies sont capables des hommes qui ont perdu le goût des biens matériels. Les Huns se seraient vite arrêtés dans leur déferlement s'ils avaient su profiter des richesses qu'ils avaient conquises. Alourdis par leurs acquisitions, ils se seraient établis pour mieux en jouir, et les choses auraient repris leur cours naturel. Mais c'étaient des brutes désintéressées. Ils méprisaient l'or. Et ils se ruaient en avant, brûlant tout sur leur passage.
De : TOURNIER, Michel. Les limbes du Pacifique. Paris : Gallimard, 1969, p.61-62.
Avalio hoje a loucura e a maldade dos que caluniam essa instituição divina: o dinheiro! O dinheiro espiritualiza tudo o que toca, trazendo-lhe uma dimensão ao mesmo tempo racional – mensurável – e universal – pois um bem monetizado torna-se virtualmente acessível a todos os homens. A venalidade é uma virtude cardeal. O homem venal sabe calar seus instintos assassinos a associais – sentimento de honra, amor-próprio, patriotismo, ambição política, fanatismo religioso, racismo – para só deixar falar sua propensão à cooperação, seu gosto pelas trocas frutuosas, seu sentido da solidariedade humana. É preciso tomar literalmente a expressão idade do ouro, e vejo claramente que a humanidade chegaria lá mais rapidamente se só fosse conduzida por homens venais. Infelizmente são quase sempre homens desinteressados que fazem a história, e então o fogo destrói tudo, o sangue corre em torrentes. Os gordos mercadores de Veneza nos dão o exemplo da felicidade faustuosa que conhece um estado dirigido somente pela lei do lucro, enquanto que os lobos esgalgados da Inquisição espanhola nos mostram as infâmias de que são capazes os homens que perderam o gosto pelos bens materiais. Os hunos teriam rapidamente interrompido seu ímpeto se tivessem sabido aproveitar das riquezas que haviam conquistado. Com o peso de suas aquisições, ter-se-iam estabelecido para melhor gozar delas, e as coisas teriam retomado seu curso natural. Mas eram brutos desinteressados. Desprezavam o ouro. E arremessavam-se à frente, queimando tudo em sua passagem.
Je mesure aujourd'hui la folie et la méchanceté de ceux qui calomnient cette institution divine : l'argent! L'argent spiritualise tout ce qu'il touche en lui apportant une dimension à la fois rationnelle — mesurable — et universelle — puisqu'un bien monnayé devient virtuellement accessible à tous les hommes. La vénalité est une vertu cardinale. L'homme vénal sait faire taire ses instincts meurtriers et asociaux — sentiment de l'honneur, amour-propre, patriotisme, ambition politique, fanatisme religieux, racisme — pour ne laisser parler que sa propension à la coopération, son goût des échanges fructueux, son sens de la solidarité humaine. Il faut prendre à la lettre l'expression l'âge d'or, et je vois bien que l'humanité y parviendrait vite si elle n'était menée que par des hommes vénaux. Malheureusement ce sont presque toujours des hommes désintéressés qui font l'histoire, et alors le feu détruit tout, le sang coule à flots. Les gras marchands de Venise nous donnent l'exemple du bonheur fastueux que connaît un État mené par la seule loi du lucre, tandis que les loups efflanqués de l'Inquisition espagnole nous montrent de quelles infamies sont capables des hommes qui ont perdu le goût des biens matériels. Les Huns se seraient vite arrêtés dans leur déferlement s'ils avaient su profiter des richesses qu'ils avaient conquises. Alourdis par leurs acquisitions, ils se seraient établis pour mieux en jouir, et les choses auraient repris leur cours naturel. Mais c'étaient des brutes désintéressées. Ils méprisaient l'or. Et ils se ruaient en avant, brûlant tout sur leur passage.
De : TOURNIER, Michel. Les limbes du Pacifique. Paris : Gallimard, 1969, p.61-62.
23.4.07
A tese de Ivan Karamazov
O seguinte artigo foi publicado na minha coluna na Folha de São Paulo, sábado passado, 21 de Abril de 2007:
.
A TESE DE IVAN KARAMAZOV
.
Longe de ser o fundamento da ética, a fé em Deus é a condição de relativizar a ética
VOLTA E meia alguém traz novamente à tona a famosa tese de Ivan Karamazov, personagem de Dostoiévski: "Se Deus não existe, tudo é permitido". Acho que muita gente acredita piamente nela e atribui à irreligiosidade da população a constante e inquietante alta dos índices de criminalidade. Será talvez com a intenção de baixar esses índices que os donos ou editores das revistas brasileiras de circulação nacional raramente deixam passar uma semana sem que, ao menos numa das suas revistas, façam propaganda, numa reportagem de capa, da fé e da religiosidade dos brasileiros.
Ora, a tese do personagem de Ivan não resiste a um simples experimento de pensamento. Suponha que me apareça Deus e me ordene matar o meu filho (ou mãe, ou pai, ou irmão, ou amante, ou amigo). Que faria eu? Ponha-se o leitor na minha pele. Não tenho dúvida de que a minha primeira reação -a primeira reação de qualquer pessoa que não tivesse perdido o juízo- seria duvidar do que parecia estar vendo e ouvindo. Eu me beliscaria, para saber se não estava sonhando; suspeitaria estar tendo um surto de loucura, um delírio etc.
Aquilo simplesmente não poderia estar acontecendo. E não poderia estar acontecendo por duas razões: primeiro, porque Deus não costuma aparecer, pelo menos hoje em dia. Quando alguém diz que conversou com Deus -ainda que quem o diga seja o presidente dos Estados Unidos-, suspeita-se imediatamente da sua sanidade mental. De todo modo, eu não obedeceria.
Mas a segunda razão é ainda mais séria. É que, se isso estivesse realmente acontecendo, então Deus me estaria mandando fazer uma coisa má: uma coisa inteiramente, indiscutivelmente, inapelavelmente errada. Ora, não posso contemplar tal hipótese. Logo, isso não poderia estar acontecendo. Eu pensaria antes que, ou não havia ninguém ali, e eu estava simplesmente a delirar, ou havia alguém de fato ali, mas se tratava de um impostor -talvez até de um demônio-, mas não de Deus, pois seria impensável que Deus me mandasse fazer uma coisa errada: e que coisa poderia ser mais errada do que aquela? Em suma, eu não obedeceria.
Mas levemos a coisa ainda mais longe. Suponhamos que, por alguma razão inconcebível, fosse incontornável a evidência de que ali se encontrava Deus. Ouso dizer que, ainda assim, eu não mataria meu filho ou amigo: eu não mataria sequer um estranho. Por quê? Porque seria errado. E seria errado, não por causa dos mandamentos que o próprio Deus decretara, uma vez que, naquele instante, Ele mesmo os estaria revogando, mas simplesmente porque, independentemente de qualquer mandamento, é errado matar uma pessoa. É, portanto, errado matar uma pessoa, ainda que Deus não exista. Logo, ao contrário do que afirma a tese do personagem de Dostoiévski, nem tudo é permitido, ainda que Deus não exista.
O leitor terá sem dúvida lembrado que, na Bíblia (Gn 22), Abraão se encontrou na situação em que me imaginei no experimento de pensamento. Com efeito, Deus pôs Abraão à prova, ordenando-lhe que matasse o seu filho primogênito. Ao contrário de mim (e do leitor que se pôs na minha pele), Abraão se dispôs a obedecer e, quando já havia pegado a faca para sacrificar seu filho, foi impedido por um anjo, enviado por Deus.
Como se sabe, foi sobre esse episódio que Kierkegaard escreveu as páginas impressionantes de "Temor e Tremor". Nelas, ele mostra que, do ponto de vista puramente ético, não se justificaria a prontidão de Abraão. Só a fé -superior, segundo Kierkegaard, à ética, por constituir uma relação individual e absoluta com Deus- justifica a atitude de Abraão. Desse modo, graças à religião, a esfera da ética é relativizada pela da fé.
Sendo assim, devemos inverter a tese de Ivan Karamazov: não só não é verdade que, se Deus não existe, tudo é permitido -já que, como vimos, não é permitido matar-, mas, ao contrário, é se Deus existir que tudo é permitido.
Longe de ser o fundamento da ética, a fé em Deus é a condição de relativizar e, no limite, negar a ética. Isso lembra as palavras do físico norte-americano Steven Weinberg, detentor do Prêmio Nobel de Física: "Com ou sem religião, as pessoas bem-intencionadas farão o bem e as pessoas mal-intencionadas farão o mal; mas, para que as pessoas bem-intencionadas façam o mal, é preciso religião".
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A TESE DE IVAN KARAMAZOV
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Longe de ser o fundamento da ética, a fé em Deus é a condição de relativizar a ética
VOLTA E meia alguém traz novamente à tona a famosa tese de Ivan Karamazov, personagem de Dostoiévski: "Se Deus não existe, tudo é permitido". Acho que muita gente acredita piamente nela e atribui à irreligiosidade da população a constante e inquietante alta dos índices de criminalidade. Será talvez com a intenção de baixar esses índices que os donos ou editores das revistas brasileiras de circulação nacional raramente deixam passar uma semana sem que, ao menos numa das suas revistas, façam propaganda, numa reportagem de capa, da fé e da religiosidade dos brasileiros.
Ora, a tese do personagem de Ivan não resiste a um simples experimento de pensamento. Suponha que me apareça Deus e me ordene matar o meu filho (ou mãe, ou pai, ou irmão, ou amante, ou amigo). Que faria eu? Ponha-se o leitor na minha pele. Não tenho dúvida de que a minha primeira reação -a primeira reação de qualquer pessoa que não tivesse perdido o juízo- seria duvidar do que parecia estar vendo e ouvindo. Eu me beliscaria, para saber se não estava sonhando; suspeitaria estar tendo um surto de loucura, um delírio etc.
Aquilo simplesmente não poderia estar acontecendo. E não poderia estar acontecendo por duas razões: primeiro, porque Deus não costuma aparecer, pelo menos hoje em dia. Quando alguém diz que conversou com Deus -ainda que quem o diga seja o presidente dos Estados Unidos-, suspeita-se imediatamente da sua sanidade mental. De todo modo, eu não obedeceria.
Mas a segunda razão é ainda mais séria. É que, se isso estivesse realmente acontecendo, então Deus me estaria mandando fazer uma coisa má: uma coisa inteiramente, indiscutivelmente, inapelavelmente errada. Ora, não posso contemplar tal hipótese. Logo, isso não poderia estar acontecendo. Eu pensaria antes que, ou não havia ninguém ali, e eu estava simplesmente a delirar, ou havia alguém de fato ali, mas se tratava de um impostor -talvez até de um demônio-, mas não de Deus, pois seria impensável que Deus me mandasse fazer uma coisa errada: e que coisa poderia ser mais errada do que aquela? Em suma, eu não obedeceria.
Mas levemos a coisa ainda mais longe. Suponhamos que, por alguma razão inconcebível, fosse incontornável a evidência de que ali se encontrava Deus. Ouso dizer que, ainda assim, eu não mataria meu filho ou amigo: eu não mataria sequer um estranho. Por quê? Porque seria errado. E seria errado, não por causa dos mandamentos que o próprio Deus decretara, uma vez que, naquele instante, Ele mesmo os estaria revogando, mas simplesmente porque, independentemente de qualquer mandamento, é errado matar uma pessoa. É, portanto, errado matar uma pessoa, ainda que Deus não exista. Logo, ao contrário do que afirma a tese do personagem de Dostoiévski, nem tudo é permitido, ainda que Deus não exista.
O leitor terá sem dúvida lembrado que, na Bíblia (Gn 22), Abraão se encontrou na situação em que me imaginei no experimento de pensamento. Com efeito, Deus pôs Abraão à prova, ordenando-lhe que matasse o seu filho primogênito. Ao contrário de mim (e do leitor que se pôs na minha pele), Abraão se dispôs a obedecer e, quando já havia pegado a faca para sacrificar seu filho, foi impedido por um anjo, enviado por Deus.
Como se sabe, foi sobre esse episódio que Kierkegaard escreveu as páginas impressionantes de "Temor e Tremor". Nelas, ele mostra que, do ponto de vista puramente ético, não se justificaria a prontidão de Abraão. Só a fé -superior, segundo Kierkegaard, à ética, por constituir uma relação individual e absoluta com Deus- justifica a atitude de Abraão. Desse modo, graças à religião, a esfera da ética é relativizada pela da fé.
Sendo assim, devemos inverter a tese de Ivan Karamazov: não só não é verdade que, se Deus não existe, tudo é permitido -já que, como vimos, não é permitido matar-, mas, ao contrário, é se Deus existir que tudo é permitido.
Longe de ser o fundamento da ética, a fé em Deus é a condição de relativizar e, no limite, negar a ética. Isso lembra as palavras do físico norte-americano Steven Weinberg, detentor do Prêmio Nobel de Física: "Com ou sem religião, as pessoas bem-intencionadas farão o bem e as pessoas mal-intencionadas farão o mal; mas, para que as pessoas bem-intencionadas façam o mal, é preciso religião".
21.4.07
Gide, Valéry e a Ilíada
No seu diário, André Gide conta um incidente interessante que ocorreu entre ele e Paul Valéry (tenha-se em mente que Gide amava a Ilíada):
“Acompanho Valéry ao conselho da Rádio e me sento a seu lado, à mesa verde. O nome da Ilíada tendo sido pronunciado, Paul se inclina para mim e, à meia voz: “Você conhece alguma coisa mais aborrecida do que a Ilíada?” Dominando um sobressalto de protesto, acho... mais amigável responder: “Sim, a Chanson de Roland”; o que o faz aquiescer imediatamente.”
« J’accompagne Valéry au conseil de la Radio et prends place à côté de lui autour de la table verte. Le nom de l’Illiade venant à être prononcé, Paul se penche vers moi et, à voix basse: “Connais-tu rien de plus embêtant que l’Illiade?” Maîtrisant un sursaut de protestation, je trouve... plus amicale de répondre: “Oui, la Chanson de Roland”; ce qui le fait acquiescer aussitôt. »
André Gide, Journal I, 1889-1939. Paris : Gallimard, p.1378.
“Acompanho Valéry ao conselho da Rádio e me sento a seu lado, à mesa verde. O nome da Ilíada tendo sido pronunciado, Paul se inclina para mim e, à meia voz: “Você conhece alguma coisa mais aborrecida do que a Ilíada?” Dominando um sobressalto de protesto, acho... mais amigável responder: “Sim, a Chanson de Roland”; o que o faz aquiescer imediatamente.”
« J’accompagne Valéry au conseil de la Radio et prends place à côté de lui autour de la table verte. Le nom de l’Illiade venant à être prononcé, Paul se penche vers moi et, à voix basse: “Connais-tu rien de plus embêtant que l’Illiade?” Maîtrisant un sursaut de protestation, je trouve... plus amicale de répondre: “Oui, la Chanson de Roland”; ce qui le fait acquiescer aussitôt. »
André Gide, Journal I, 1889-1939. Paris : Gallimard, p.1378.
17.4.07
Johann Wolfgang von Goethe: A força da língua
A força de uma língua não está em rejeitar o estrangeiro, mas em engoli-lo.
Die Gewalt einer Sprache ist nicht, daß sie das Fremde abweist, sondern daß sie es verschlingt.
Goethe, Johann Wolfgang von. Werke. Vol 18. Berlin: Berlin-Aufbau Verlag. 1970-72. p.622.
Die Gewalt einer Sprache ist nicht, daß sie das Fremde abweist, sondern daß sie es verschlingt.
Goethe, Johann Wolfgang von. Werke. Vol 18. Berlin: Berlin-Aufbau Verlag. 1970-72. p.622.
13.4.07
Comentário de Lucas Nicolato e resposta
Lucas Nicolato deixou um comentário, que publico, seguido da minha resposta:
Meus questionamentos anteriores concentraram-se na idéia de que, tendo surgido em determinada sociedade, a “modernidade” seria tão local quanto a própria cultura daquela sociedade. Ora, mesmo que a “modernidade” que conhecemos fosse produto da cultura cristã, sua genealogia não a condenaria a ser “mero” aspecto da cultura local. Embora talvez não seja possível sua manifestação em um ambiente em que não haja língua ou cultura, a capacidade humana de crítica nem por isso deixa de ser uma realidade por si só, nem perde suas características. De fato, a modernidade é “um” salto para o universal, e ainda seria, mesmo que só pudesse ser produzida em condições locais muito específicas. Nesse sentido, não apenas concordo com sua resposta, como me arrisco a tomar suas idéias de forma radical.Não obstante, há ainda algo que julgo fazer sentido na expressão “fundamentalismo iluminista” e que está relacionado à nossa discussão. Se a modernidade, como o pleno uso da razão, não se confunde com uma cultura específica, como o Islã, e se a razão pode se expressar através de quaisquer línguas ou meios culturais, tal fato não exclui sua imagem inversa: a de que as crenças específicas de uma sociedade podem se manifestar através do uso da razão e do valor dado a ela. Mais especificamente, me questiono se o papel preponderante dado ao “salto universal” (ou a esse salto em particular, pois nada garante que não haja outros saltos) em nossa cultura tem algo de universal. Está claro que a capacidade de crítica e abstração pode ser desenvolvida em diversos ambientes culturais, mas isso não significa que o valor dado ao uso dessa razão não seja uma construção cultural particular. Creio que o autor do artigo referia-se a uma suposta atitude arrogante frente ao fato de que outras culturas podem simplesmente não se importar tanto com a modernidade quanto a nossa. Tal atitude não seria propriamente “moderna”, mas fundamentalista, na medida em que toma um julgamento particular (o uso da razão é de importância máxima) em uma verdade presumidamente universal que pode, portanto, ser imposta a outrem. Claro, um “fundamentalismo iluminista” é profundamente contraditório e irracional, mas isso não impede que seja adotado por determinadas pessoas.
Resposta minha:
Não creio que a sua tentativa de salvar a expressão “fundamentalismo iluminista” possa escapar das aporias do relativismo cultural, nas quais eu havia tocado, ao falar da insustentabilidade da tese multiculturalista de Ash. O fundamentalismo iluminista consistiria, segundo você, em tentar impor a modernidade ou a razão a culturas para as quais elas não tenham tanta importância quanto para a nossa. Você parte de dois pressupostos. O primeiro é o de que uma cultura não deve impor os seus valores a outras: o de que é preciso respeitar os valores particulares das diferentes culturas. O segundo é o de que a modernidade/razão tem mais importância para a nossa cultura do que para outras.
Concordo com o seu primeiro pressuposto. Há, porém, um problema que você não me parece ter suficientemente levado em conta, isto é, a determinação do status desse pressuposto mesmo. Ele pertence a uma das culturas particulares ou é, como afirmei no artigo sobre Ali e Ash, exterior, anterior e superior a elas?
Se ele pertencer a uma das culturas em jogo – digamos, à “cultura ocidental” --, então, de fato, ele não pode, segundo seus próprios pressupostos, ser imposto senão a essa mesma cultura: ser auto-imposto. Ele poderá, porém, ser negado por outras culturas, que se afirmem superiores às demais. Aqui não estou falando de uma hipótese abstrata. Os fundamentalistas islâmicos não raro se reportam a uma sura do Alcorão que diz: “Matai os idólatras onde quer que os encontreis, e capturai-os, e cercai-os e usai de emboscadas contra eles”. Adicione-se que, para eles, os principais idólatras de hoje são precisamente os ocidentais modernos. Veja o resultado: o relativista, para não ser chamado de “fundamentalista do iluminismo”, se proíbe de criticar o fundamentalista muçulmano; este, porém, permite-se, com boa consciência, usar contra aquele não apenas as armas da crítica, mas a crítica das armas... Como diz o físico Steven Weinberg, “com ou sem religião haverá pessoas boas fazendo coisas boas e pessoas más fazendo coisas más. Mas que as pessoas boas façam coisas más, só a religião consegue”.
Para que tenha alguma eficácia, portanto, o seu pressuposto tem que ser exterior (ele não pode fazer parte desta ou daquela cultura, mas da modernidade/razão, que está fora de todas elas), anterior (como uma constituição, ele precisa limitar a priori a soberania da cultura em questão: a sura mencionada, por exemplo, não pode ser interpretada de modo literal ou fundamentalista) e superior (como uma constituição, ele precisa anular qualquer disposição contrária às suas determinações).
Sem dúvida você considerará justamente tal afirmação da modernidade/razão como exterior, anterior e superior a qualquer cultura como algo que pertence à nossa cultura, e que não temos direito de exportar, sob pena de nos tornarmos “fundamentalistas do iluminismo”. Com efeito, segundo você, “outras culturas podem simplesmente não se importar tanto com a modernidade quanto a nossa”. Aqui chegamos ao seu segundo pressuposto, com o qual não concordo.
O problema é o que você quer dizer com “nossa” cultura? O Cristianismo? Você se esquece das guerras religiosas do Cristianismo? Acontece que a razão/modernidade se desenvolveu apesar do Cristianismo, e contra ele. Não foi o Cristianismo que relativizou a si mesmo; nenhuma cultura relativiza a si própria. Essa relativização foi feita pela razão/modernidade, que não é uma cultura e se encontra fora da “nossa” e de todas as demais culturas. Como eu já disse no texto anterior, ela não surge de qualquer cultura, mas do desvio, da crítica, da separação, levada a cabo por alguns indivíduos, em relação à cultura em que foram criados.
Não é, portanto, que a nossa cultura tenha adotado a razão/modernidade. É que a razão/modernidade trava, há séculos, uma luta titânica com a nossa – e com toda – cultura particular, para estabelecer regras tais como o seu primeiro pressuposto: de que uma cultura não deve impor os seus valores a outras, de modo que é preciso respeitar os valores particulares das diferentes culturas. Mas isso, como eu disse, só pode ser feito a partir do reconhecimento universal (não pelas culturas, mas pelos indivíduos, pelas sociedades e pelos Estados e organismos internacionais) de que a razão/modernidade não é uma cultura particular: de que ela é exterior, anterior e superior a qualquer cultura particular.
Meus questionamentos anteriores concentraram-se na idéia de que, tendo surgido em determinada sociedade, a “modernidade” seria tão local quanto a própria cultura daquela sociedade. Ora, mesmo que a “modernidade” que conhecemos fosse produto da cultura cristã, sua genealogia não a condenaria a ser “mero” aspecto da cultura local. Embora talvez não seja possível sua manifestação em um ambiente em que não haja língua ou cultura, a capacidade humana de crítica nem por isso deixa de ser uma realidade por si só, nem perde suas características. De fato, a modernidade é “um” salto para o universal, e ainda seria, mesmo que só pudesse ser produzida em condições locais muito específicas. Nesse sentido, não apenas concordo com sua resposta, como me arrisco a tomar suas idéias de forma radical.Não obstante, há ainda algo que julgo fazer sentido na expressão “fundamentalismo iluminista” e que está relacionado à nossa discussão. Se a modernidade, como o pleno uso da razão, não se confunde com uma cultura específica, como o Islã, e se a razão pode se expressar através de quaisquer línguas ou meios culturais, tal fato não exclui sua imagem inversa: a de que as crenças específicas de uma sociedade podem se manifestar através do uso da razão e do valor dado a ela. Mais especificamente, me questiono se o papel preponderante dado ao “salto universal” (ou a esse salto em particular, pois nada garante que não haja outros saltos) em nossa cultura tem algo de universal. Está claro que a capacidade de crítica e abstração pode ser desenvolvida em diversos ambientes culturais, mas isso não significa que o valor dado ao uso dessa razão não seja uma construção cultural particular. Creio que o autor do artigo referia-se a uma suposta atitude arrogante frente ao fato de que outras culturas podem simplesmente não se importar tanto com a modernidade quanto a nossa. Tal atitude não seria propriamente “moderna”, mas fundamentalista, na medida em que toma um julgamento particular (o uso da razão é de importância máxima) em uma verdade presumidamente universal que pode, portanto, ser imposta a outrem. Claro, um “fundamentalismo iluminista” é profundamente contraditório e irracional, mas isso não impede que seja adotado por determinadas pessoas.
Resposta minha:
Não creio que a sua tentativa de salvar a expressão “fundamentalismo iluminista” possa escapar das aporias do relativismo cultural, nas quais eu havia tocado, ao falar da insustentabilidade da tese multiculturalista de Ash. O fundamentalismo iluminista consistiria, segundo você, em tentar impor a modernidade ou a razão a culturas para as quais elas não tenham tanta importância quanto para a nossa. Você parte de dois pressupostos. O primeiro é o de que uma cultura não deve impor os seus valores a outras: o de que é preciso respeitar os valores particulares das diferentes culturas. O segundo é o de que a modernidade/razão tem mais importância para a nossa cultura do que para outras.
Concordo com o seu primeiro pressuposto. Há, porém, um problema que você não me parece ter suficientemente levado em conta, isto é, a determinação do status desse pressuposto mesmo. Ele pertence a uma das culturas particulares ou é, como afirmei no artigo sobre Ali e Ash, exterior, anterior e superior a elas?
Se ele pertencer a uma das culturas em jogo – digamos, à “cultura ocidental” --, então, de fato, ele não pode, segundo seus próprios pressupostos, ser imposto senão a essa mesma cultura: ser auto-imposto. Ele poderá, porém, ser negado por outras culturas, que se afirmem superiores às demais. Aqui não estou falando de uma hipótese abstrata. Os fundamentalistas islâmicos não raro se reportam a uma sura do Alcorão que diz: “Matai os idólatras onde quer que os encontreis, e capturai-os, e cercai-os e usai de emboscadas contra eles”. Adicione-se que, para eles, os principais idólatras de hoje são precisamente os ocidentais modernos. Veja o resultado: o relativista, para não ser chamado de “fundamentalista do iluminismo”, se proíbe de criticar o fundamentalista muçulmano; este, porém, permite-se, com boa consciência, usar contra aquele não apenas as armas da crítica, mas a crítica das armas... Como diz o físico Steven Weinberg, “com ou sem religião haverá pessoas boas fazendo coisas boas e pessoas más fazendo coisas más. Mas que as pessoas boas façam coisas más, só a religião consegue”.
Para que tenha alguma eficácia, portanto, o seu pressuposto tem que ser exterior (ele não pode fazer parte desta ou daquela cultura, mas da modernidade/razão, que está fora de todas elas), anterior (como uma constituição, ele precisa limitar a priori a soberania da cultura em questão: a sura mencionada, por exemplo, não pode ser interpretada de modo literal ou fundamentalista) e superior (como uma constituição, ele precisa anular qualquer disposição contrária às suas determinações).
Sem dúvida você considerará justamente tal afirmação da modernidade/razão como exterior, anterior e superior a qualquer cultura como algo que pertence à nossa cultura, e que não temos direito de exportar, sob pena de nos tornarmos “fundamentalistas do iluminismo”. Com efeito, segundo você, “outras culturas podem simplesmente não se importar tanto com a modernidade quanto a nossa”. Aqui chegamos ao seu segundo pressuposto, com o qual não concordo.
O problema é o que você quer dizer com “nossa” cultura? O Cristianismo? Você se esquece das guerras religiosas do Cristianismo? Acontece que a razão/modernidade se desenvolveu apesar do Cristianismo, e contra ele. Não foi o Cristianismo que relativizou a si mesmo; nenhuma cultura relativiza a si própria. Essa relativização foi feita pela razão/modernidade, que não é uma cultura e se encontra fora da “nossa” e de todas as demais culturas. Como eu já disse no texto anterior, ela não surge de qualquer cultura, mas do desvio, da crítica, da separação, levada a cabo por alguns indivíduos, em relação à cultura em que foram criados.
Não é, portanto, que a nossa cultura tenha adotado a razão/modernidade. É que a razão/modernidade trava, há séculos, uma luta titânica com a nossa – e com toda – cultura particular, para estabelecer regras tais como o seu primeiro pressuposto: de que uma cultura não deve impor os seus valores a outras, de modo que é preciso respeitar os valores particulares das diferentes culturas. Mas isso, como eu disse, só pode ser feito a partir do reconhecimento universal (não pelas culturas, mas pelos indivíduos, pelas sociedades e pelos Estados e organismos internacionais) de que a razão/modernidade não é uma cultura particular: de que ela é exterior, anterior e superior a qualquer cultura particular.
12.4.07
Comentários de Ana e de Paulo de Toledo e resposta
Ana e Paulo de Toledo deixaram comentários hoje. Creio que o de Paulo resume a questão. Apresento-o, seguido da minha resposta:
Paulo de Toledo disse:
caro antonio, concordo contigo plenamente. mas resta uma pergunta: o crítico, ao destacar-se da sua "realidade", não usaria, para isso, além da razão, também seus sentimentos e pré-conceitos e, portanto, a crítica não envolveria sempre um aspecto subjetivo, mesmo que recôndito, inconsciente? então, a razão não seria uma espécie de "ilusão necessária", uma forma de o homem tentar "disfarçar" os seus instintos mais básicos? montaigne, no exemplo dado, não estaria usando a razão como uma forma de escapar de uma espécie de culpa cristã?
Resposta minha:
Eu não diria que o crítico se destaca da sua realidade, mas dos seus “costumes”, como dizia Descartes. Hoje, no lugar de “costumes”, dizemos “cultura”. Ele se destaca porque passa a vê-la como apenas uma cultura entre outras.
Nesse ponto, sejam quais forem as motivações dele, ele está certo: que sua cultura, isto é, os costumes, a religião, as roupas, a língua, a arquitetura, as formas das artes, os mitos, os preconceitos da região do mundo em que foi criado não lhe são naturais, essenciais, ou necessários e que poderiam ter sido outros, tivesse ele nascido na China e não na França, não é uma simples opinião dele, mas uma verdade que ele descobre, não sobre si próprio apenas, mas sobre a relação entre as culturas e os seres humanos. Essa verdade – que nos parece hoje um lugar-comum – é o que constitui a modernidade. É porque somos modernos que essa verdade nos parece evidente. Ela não é a descoberta de nenhuma cultura particular – as culturas particulares se pretendem naturais –, mas da crítica.
A partir dessa descoberta é que se torna possível pensar em estratégias extra-culturais para a obtenção de conhecimentos ultra- ou trans-culturais da realidade, isto é, para escapar da prisão de qualquer cultura particular, conhecimentos que não pertençam a cultura alguma em particular, mas à civilização. E essas estratégias são os métodos e procedimentos científicos.
Paulo de Toledo disse:
caro antonio, concordo contigo plenamente. mas resta uma pergunta: o crítico, ao destacar-se da sua "realidade", não usaria, para isso, além da razão, também seus sentimentos e pré-conceitos e, portanto, a crítica não envolveria sempre um aspecto subjetivo, mesmo que recôndito, inconsciente? então, a razão não seria uma espécie de "ilusão necessária", uma forma de o homem tentar "disfarçar" os seus instintos mais básicos? montaigne, no exemplo dado, não estaria usando a razão como uma forma de escapar de uma espécie de culpa cristã?
Resposta minha:
Eu não diria que o crítico se destaca da sua realidade, mas dos seus “costumes”, como dizia Descartes. Hoje, no lugar de “costumes”, dizemos “cultura”. Ele se destaca porque passa a vê-la como apenas uma cultura entre outras.
Nesse ponto, sejam quais forem as motivações dele, ele está certo: que sua cultura, isto é, os costumes, a religião, as roupas, a língua, a arquitetura, as formas das artes, os mitos, os preconceitos da região do mundo em que foi criado não lhe são naturais, essenciais, ou necessários e que poderiam ter sido outros, tivesse ele nascido na China e não na França, não é uma simples opinião dele, mas uma verdade que ele descobre, não sobre si próprio apenas, mas sobre a relação entre as culturas e os seres humanos. Essa verdade – que nos parece hoje um lugar-comum – é o que constitui a modernidade. É porque somos modernos que essa verdade nos parece evidente. Ela não é a descoberta de nenhuma cultura particular – as culturas particulares se pretendem naturais –, mas da crítica.
A partir dessa descoberta é que se torna possível pensar em estratégias extra-culturais para a obtenção de conhecimentos ultra- ou trans-culturais da realidade, isto é, para escapar da prisão de qualquer cultura particular, conhecimentos que não pertençam a cultura alguma em particular, mas à civilização. E essas estratégias são os métodos e procedimentos científicos.
Comentário de Lucas e resposta a ele
Lucas escreveu:
Em 10/04, Lucas deixou um comentário ao artigo que eu havia postado no mesmo dia. Como penso que esse comentário resume as principais objeções que se podem fazer ao que escrevi, resolvi postá-lo aqui, seguido da minha resposta:
"De que forma seria possível a existência de "um ponto de vista exterior a todas as culturas", se a própria formulação de um tal ponto de vista se dá dentro e através de uma cultura? É o ser humano capaz de pensar fora de um complexo de valores e símbolos culturalmente determinado? Ou seria a "modernidade" uma busca, frutífera ou não, da alteridade no seio de cada cultura, uma auto-transcendência da matéria cultural, em vez de uma "supra-cultura"? E não seria mesmo esse conceito de "modernidade" uma construção local, meramente contingente? Não sei, não disponho de ponto de apoio para conhecer tais respostas. Mas talvez possamos sê-las."
Resposta minha:
Caro Lucas,
Proponho pensar nesse assunto a partir dos exemplos que dei, de Montaigne e Descartes. Montaigne pertence a que cultura? Creio que teríamos que situá-lo na cultura européia ocidental: mais precisamente, na cultura judeo-cristã ou, para abreviar, na cultura cristã. Ele escreve em francês, língua que parece fazer parte dessa cultura. Entretanto, Montaigne critica os cristãos. Ora, criticar é separar. A crítica é um momento de separação. Quem critica também separa, de pelo menos dois modos: por um lado, separa, no objeto criticado, o joio do trigo; e, por outro lado, como condição para tanto, quem critica também separa a si próprio do objeto criticado. Quando critica os cristãos e os compara aos índios brasileiros, Montaigne está a se separar dos cristãos, para vê-los de fora e julgá-los. A separação é também abstração. Montaigne abstrai da sua situação de cristão, para ver os cristãos de fora. Mas a questão óbvia é: ele consegue fazê-lo? E a resposta evidente é: como não? Alguém imagina que o que Montaigne diz dos cristãos, comparando-os aos canibais brasileiros, reflete o sentimento geral dos cristãos da sua época? Alguém imagina que o que ele diz pertence à cultura cristã? Nesse caso, também pertenceriam a essa cultura o sistema heliocêntrico de Copérnico, a física galileo-newtoniana, o pan-ateísmo de Spinoza...
Ao abstrair, como Montaigne, da sua cultura particular, Descartes imagina que poderia ter sido outra coisa: que poderia ter sido chinês ou canibal e que, nesse caso, seria diferente do que é, sendo francês. Na mesma linha de raciocínio, Descartes poderia ter sido confuciano ou pagão; poderia não ter sido cristão; poderia ter sido ateu, logo, poderia ter pertencido a outra cultura, que não à cristã. Isso, porém, significa dizer que é contingente que ele pertença à cultura-religião cristã. Ora, esse não é exatamente um sentimento cristão.
Com efeito, Montaigne e Descartes se situam no limiar da modernidade; e a modernidade já não pertence à cultura cristã. Kant chamava a modernidade de “a época da crítica”. A modernidade consiste precisamente no uso pleno dessa capacidade de crítica, separação, abstração, que não é outra coisa senão a razão. Na verdade, ela não é sequer um produto dessa cultura. Ela não surge do Cristianismo. No seu auge, nos séculos XII e XIII, o Cristianismo não produziu nem teria produzido a modernidade, que o critica. Esta se aproveita, para surgir, por um lado, das brechas, das fissuras, das falhas, das fendas do Cristianismo e, por outro lado, da abertura vertical e horizontal do mundo, dada pela redescoberta da antiguidade clássica e pelas descobertas geográficas. Não é à toa que Montaigne fala dos conflitos religiosos do seu tempo.
Eu disse acima que a língua francesa parece fazer parte da cultura cristã. Trata-se de uma ilusão. O francês pode exprimir tanto o mundo cristão quanto o mundo anti-cristão. Pode-se ser ateu ou hinduísta em francês: e assim é com qualquer língua. A crítica – a modernidade – é não só capaz de converter qualquer língua particular em sua língua, mas é capaz de usar qualquer forma de uma cultura particular – música, pintura, escultura, literatura etc. – como seu veículo. E assim tem feito. Amartya Sen já chamou atenção, em seus escritos, para vários momentos de modernidade que romperam, não através do cristianismo, mas através de culturas não-ocidentais, como o próprio Islã. Portanto, longe de ser uma construção local, a modernidade consiste justamente num salto para o universal.
Em 10/04, Lucas deixou um comentário ao artigo que eu havia postado no mesmo dia. Como penso que esse comentário resume as principais objeções que se podem fazer ao que escrevi, resolvi postá-lo aqui, seguido da minha resposta:
"De que forma seria possível a existência de "um ponto de vista exterior a todas as culturas", se a própria formulação de um tal ponto de vista se dá dentro e através de uma cultura? É o ser humano capaz de pensar fora de um complexo de valores e símbolos culturalmente determinado? Ou seria a "modernidade" uma busca, frutífera ou não, da alteridade no seio de cada cultura, uma auto-transcendência da matéria cultural, em vez de uma "supra-cultura"? E não seria mesmo esse conceito de "modernidade" uma construção local, meramente contingente? Não sei, não disponho de ponto de apoio para conhecer tais respostas. Mas talvez possamos sê-las."
Resposta minha:
Caro Lucas,
Proponho pensar nesse assunto a partir dos exemplos que dei, de Montaigne e Descartes. Montaigne pertence a que cultura? Creio que teríamos que situá-lo na cultura européia ocidental: mais precisamente, na cultura judeo-cristã ou, para abreviar, na cultura cristã. Ele escreve em francês, língua que parece fazer parte dessa cultura. Entretanto, Montaigne critica os cristãos. Ora, criticar é separar. A crítica é um momento de separação. Quem critica também separa, de pelo menos dois modos: por um lado, separa, no objeto criticado, o joio do trigo; e, por outro lado, como condição para tanto, quem critica também separa a si próprio do objeto criticado. Quando critica os cristãos e os compara aos índios brasileiros, Montaigne está a se separar dos cristãos, para vê-los de fora e julgá-los. A separação é também abstração. Montaigne abstrai da sua situação de cristão, para ver os cristãos de fora. Mas a questão óbvia é: ele consegue fazê-lo? E a resposta evidente é: como não? Alguém imagina que o que Montaigne diz dos cristãos, comparando-os aos canibais brasileiros, reflete o sentimento geral dos cristãos da sua época? Alguém imagina que o que ele diz pertence à cultura cristã? Nesse caso, também pertenceriam a essa cultura o sistema heliocêntrico de Copérnico, a física galileo-newtoniana, o pan-ateísmo de Spinoza...
Ao abstrair, como Montaigne, da sua cultura particular, Descartes imagina que poderia ter sido outra coisa: que poderia ter sido chinês ou canibal e que, nesse caso, seria diferente do que é, sendo francês. Na mesma linha de raciocínio, Descartes poderia ter sido confuciano ou pagão; poderia não ter sido cristão; poderia ter sido ateu, logo, poderia ter pertencido a outra cultura, que não à cristã. Isso, porém, significa dizer que é contingente que ele pertença à cultura-religião cristã. Ora, esse não é exatamente um sentimento cristão.
Com efeito, Montaigne e Descartes se situam no limiar da modernidade; e a modernidade já não pertence à cultura cristã. Kant chamava a modernidade de “a época da crítica”. A modernidade consiste precisamente no uso pleno dessa capacidade de crítica, separação, abstração, que não é outra coisa senão a razão. Na verdade, ela não é sequer um produto dessa cultura. Ela não surge do Cristianismo. No seu auge, nos séculos XII e XIII, o Cristianismo não produziu nem teria produzido a modernidade, que o critica. Esta se aproveita, para surgir, por um lado, das brechas, das fissuras, das falhas, das fendas do Cristianismo e, por outro lado, da abertura vertical e horizontal do mundo, dada pela redescoberta da antiguidade clássica e pelas descobertas geográficas. Não é à toa que Montaigne fala dos conflitos religiosos do seu tempo.
Eu disse acima que a língua francesa parece fazer parte da cultura cristã. Trata-se de uma ilusão. O francês pode exprimir tanto o mundo cristão quanto o mundo anti-cristão. Pode-se ser ateu ou hinduísta em francês: e assim é com qualquer língua. A crítica – a modernidade – é não só capaz de converter qualquer língua particular em sua língua, mas é capaz de usar qualquer forma de uma cultura particular – música, pintura, escultura, literatura etc. – como seu veículo. E assim tem feito. Amartya Sen já chamou atenção, em seus escritos, para vários momentos de modernidade que romperam, não através do cristianismo, mas através de culturas não-ocidentais, como o próprio Islã. Portanto, longe de ser uma construção local, a modernidade consiste justamente num salto para o universal.
10.4.07
A Controvérsia do Multiculturalismo
O artigo seguinte foi publicado na Folha de São Paulo, sábado, 7 de Abril de 2007
A CONTROVÉRSIA DO MULTICULTURALISMO
Antonio Cicero
[Descartes relativiza as diferentes culturas a partir de um ponto de vista aberto a todas elas]
EMBORA POUCO conhecida no Brasil, uma das personagens mais interessantes do nosso tempo é, sem dúvida, Ayaan Hirsi Ali. Tendo nascido em 1969 na Somália (onde foi, quando criança, submetida a uma clitorectomia), ela, ainda menina, emigrou com a família para o Quênia, onde estudou em escola de língua inglesa e, sob a influência de professores e colegas, acabou por se tornar fundamentalista islâmica.
Em 1992, tendo sido dada pelo pai em casamento a um parente que habitava no Canadá, Hirsi Ali passou -a caminho desse país- pela Holanda, onde pediu e obteve asilo político, aprendeu holandês, estudou ciência política na Universidade de Leyden e participou ativamente, por um tempo determinado, da política holandesa.
Em 2002, Hirsi Ali renunciou ao islã e se declarou atéia. Tendo, a partir de então, publicado inúmeros artigos, proferido conferências e participado de debates em que fez sérias críticas ao islã, e mesmo ao profeta Maomé e ao Alcorão, ela foi diversas vezes ameaçada de morte.
Hirsi Ali escreveu também o roteiro do filme "Submissão", sobre mulheres muçulmanas, de Theo Van Gogh, assassinado em Amsterdã por um radical islamista que, no peito da vítima, pregou com uma faca um bilhete em que dizia, entre outras coisas: "Hirsi Ali, você será despedaçada pelo Islã". Ela hoje mora nos Estados Unidos.
Em artigo que acabou provocando uma grande polêmica, inicialmente na internet e, em seguida, em vários jornais dos Estados Unidos e da Europa, o historiador e professor em Oxford Timothy Garton Ash descreve Hirsi Ali nas seguintes palavras, ao mesmo tempo irônicas e paternalistas: "Tendo sido na juventude, sob a influência de um professor inspirado, tentada pelo fundamentalismo islâmico, Ayaan Hirsi Ali é agora uma corajosa, franca e levemente simplória fundamentalista do Iluminismo".
A formulação de Ash implica que ela tenha simplesmente trocado de fundamentalismos e, no limite, que o islamismo equivale ao Iluminismo: convicção multiculturalista que reaparece adiante, quando ele afirma que, se o iluminista quiser convencer o islamista argumentando que a sua fé se baseia na razão, o islamista poderá responder que a dele se baseia na verdade: e ei-los empatados.
A tese de Ash é insustentável. Para comprová-lo, considere-se o ponto de vista a partir do qual ele está a descrever esse impasse. Necessariamente, trata-se de um ponto de vista exterior ao de qualquer um dos dois antagonistas; é um ponto de vista que, sendo sobre os antagonistas, nem se identifica com nenhum deles em particular, nem deixa de compreender cada um deles isoladamente e ambos em conjunto. Ora, esse é precisamente o ponto de vista do Iluminismo: o ponto de partida do pensamento moderno.
Montaigne, por exemplo, quando, na Renascença, compara favoravelmente os índios antropófagos brasileiros com os cristãos europeus, diz que podemos chamar os canibais de "bárbaros" "tendo em vista as regras da razão, mas não tendo em vista a nós mesmos, que os superamos em toda espécie de barbárie".
Em outras palavras, ele fala de um ponto de vista que é não só exterior ao da cultura dos índios, mas exterior também ao da cultura cristã em que fora criado: por isso ele é capaz de criticar essa cultura. E esse ponto de vista é, segundo Montaigne, o das "regras da razão", ou, simplesmente, o da razão.
Descartes apenas radicaliza esse ponto de vista, ao observar que "aqueles que têm sentimentos muito contrários aos nossos nem por isso são bárbaros ou selvagens, mas que muitos usam, tanto ou mais que nós, da razão [...] e um mesmo homem, com seu mesmo espírito, sendo nutrido desde a infância entre franceses ou alemães, torna-se diferente do que seria, se tivesse sempre vivido entre chineses ou canibais".
Descartes está aqui, nada mais, nada menos, relativizando as diferentes culturas, a partir de um ponto de vista que não pertence a nenhuma cultura particular, mas que pode ser aberto por e para qualquer ser humano pertencente a qualquer uma delas: o ponto de vista da razão, do Iluminismo, da modernidade.
O reconhecimento universal desse ponto de vista, que é logicamente exterior, anterior e superior a qualquer cultura ou religião particular, é a condição da coexistência pacífica de todos, num mundo cada vez menor. É por isso que Ash está errado, ao colocá-lo no mesmo nível que o ponto de vista de uma religião particular, tal como o islamismo.
A CONTROVÉRSIA DO MULTICULTURALISMO
Antonio Cicero
[Descartes relativiza as diferentes culturas a partir de um ponto de vista aberto a todas elas]
EMBORA POUCO conhecida no Brasil, uma das personagens mais interessantes do nosso tempo é, sem dúvida, Ayaan Hirsi Ali. Tendo nascido em 1969 na Somália (onde foi, quando criança, submetida a uma clitorectomia), ela, ainda menina, emigrou com a família para o Quênia, onde estudou em escola de língua inglesa e, sob a influência de professores e colegas, acabou por se tornar fundamentalista islâmica.
Em 1992, tendo sido dada pelo pai em casamento a um parente que habitava no Canadá, Hirsi Ali passou -a caminho desse país- pela Holanda, onde pediu e obteve asilo político, aprendeu holandês, estudou ciência política na Universidade de Leyden e participou ativamente, por um tempo determinado, da política holandesa.
Em 2002, Hirsi Ali renunciou ao islã e se declarou atéia. Tendo, a partir de então, publicado inúmeros artigos, proferido conferências e participado de debates em que fez sérias críticas ao islã, e mesmo ao profeta Maomé e ao Alcorão, ela foi diversas vezes ameaçada de morte.
Hirsi Ali escreveu também o roteiro do filme "Submissão", sobre mulheres muçulmanas, de Theo Van Gogh, assassinado em Amsterdã por um radical islamista que, no peito da vítima, pregou com uma faca um bilhete em que dizia, entre outras coisas: "Hirsi Ali, você será despedaçada pelo Islã". Ela hoje mora nos Estados Unidos.
Em artigo que acabou provocando uma grande polêmica, inicialmente na internet e, em seguida, em vários jornais dos Estados Unidos e da Europa, o historiador e professor em Oxford Timothy Garton Ash descreve Hirsi Ali nas seguintes palavras, ao mesmo tempo irônicas e paternalistas: "Tendo sido na juventude, sob a influência de um professor inspirado, tentada pelo fundamentalismo islâmico, Ayaan Hirsi Ali é agora uma corajosa, franca e levemente simplória fundamentalista do Iluminismo".
A formulação de Ash implica que ela tenha simplesmente trocado de fundamentalismos e, no limite, que o islamismo equivale ao Iluminismo: convicção multiculturalista que reaparece adiante, quando ele afirma que, se o iluminista quiser convencer o islamista argumentando que a sua fé se baseia na razão, o islamista poderá responder que a dele se baseia na verdade: e ei-los empatados.
A tese de Ash é insustentável. Para comprová-lo, considere-se o ponto de vista a partir do qual ele está a descrever esse impasse. Necessariamente, trata-se de um ponto de vista exterior ao de qualquer um dos dois antagonistas; é um ponto de vista que, sendo sobre os antagonistas, nem se identifica com nenhum deles em particular, nem deixa de compreender cada um deles isoladamente e ambos em conjunto. Ora, esse é precisamente o ponto de vista do Iluminismo: o ponto de partida do pensamento moderno.
Montaigne, por exemplo, quando, na Renascença, compara favoravelmente os índios antropófagos brasileiros com os cristãos europeus, diz que podemos chamar os canibais de "bárbaros" "tendo em vista as regras da razão, mas não tendo em vista a nós mesmos, que os superamos em toda espécie de barbárie".
Em outras palavras, ele fala de um ponto de vista que é não só exterior ao da cultura dos índios, mas exterior também ao da cultura cristã em que fora criado: por isso ele é capaz de criticar essa cultura. E esse ponto de vista é, segundo Montaigne, o das "regras da razão", ou, simplesmente, o da razão.
Descartes apenas radicaliza esse ponto de vista, ao observar que "aqueles que têm sentimentos muito contrários aos nossos nem por isso são bárbaros ou selvagens, mas que muitos usam, tanto ou mais que nós, da razão [...] e um mesmo homem, com seu mesmo espírito, sendo nutrido desde a infância entre franceses ou alemães, torna-se diferente do que seria, se tivesse sempre vivido entre chineses ou canibais".
Descartes está aqui, nada mais, nada menos, relativizando as diferentes culturas, a partir de um ponto de vista que não pertence a nenhuma cultura particular, mas que pode ser aberto por e para qualquer ser humano pertencente a qualquer uma delas: o ponto de vista da razão, do Iluminismo, da modernidade.
O reconhecimento universal desse ponto de vista, que é logicamente exterior, anterior e superior a qualquer cultura ou religião particular, é a condição da coexistência pacífica de todos, num mundo cada vez menor. É por isso que Ash está errado, ao colocá-lo no mesmo nível que o ponto de vista de uma religião particular, tal como o islamismo.
8.4.07
Em São Paulo
Quarta-feira, passei um dia memorável em São Paulo. Tive uma conversa com Marcelino Freire e os participantes da oficina literária por ele orientada, "Narrativas breves e outras nem tanto", que está tendo lugar no Barco Virgílio, um belíssimo espaço multimídia, idealizado pelo artista plástico recentemente falecido Osmar Pinheiro, e realizado pelos seus filhos.
Dou o serviço para quem estiver interessado: ele se localiza à rua Dr. Virgilio de Carvalho Pinto 422, em Pinheiros, São Paulo, 05415-020. O telefone é 11-3081.6986 - contato@barcovirgilio.com.br.
De todo modo, foi uma honra ter sido o primeiro da série de escritores -- também participarão Moacyr Scliar, Sérgio Sant'Anna e Zuenir Ventura -- que, como eu, falarão do seu percurso.
Raramente me senti tão bem falando em público. Acho que o fato decisivo foi a simpatia de Marcelino, de quem eu já era amigo, mas também a dos demais participantes, atentos e inteligentes. Não daria para falar de todos, mas não quero deixar de mencionar duas pessoas com quem foi uma delícia conversar: a escritora Ivana Arruda Leite, que mantém o excelente blog Doidivana (http://doidivana.zip.net/) e a Ana Peluso, que já deixou um comentário aqui, sobre a quadra de Yeats, e fez uma pergunta sobre o artigo que escrevi ontem para a Folha. Postarei o artigo aqui amanhã: e então pensarei na resposta para a Ana, cujo blog é o Rasuras: http://rasuras.wordpress.com/.
Gostei muito também de, no Barco Virgílio, ter tido boas conversas com o Edson Cruz, editor da Cronópios ( http://www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=2326), e o Pipol, seu editor de arte.
Antes da oficina, eu tinha tido o prazer de almoçar e trocar idéias com o escritor Santiago Nazarian (http://www.santiagonazarian.blogspot.com/).
Do Barco Virgílio, esticamos num lugar interessantíssimo, pelo tipo de estabelecimento e pelo público, o Mercearia, mixto justamente de mercearia, livraria e botequim. Para mim, foi uma noite deliciosa.
Dou o serviço para quem estiver interessado: ele se localiza à rua Dr. Virgilio de Carvalho Pinto 422, em Pinheiros, São Paulo, 05415-020. O telefone é 11-3081.6986 - contato@barcovirgilio.com.br.
De todo modo, foi uma honra ter sido o primeiro da série de escritores -- também participarão Moacyr Scliar, Sérgio Sant'Anna e Zuenir Ventura -- que, como eu, falarão do seu percurso.
Raramente me senti tão bem falando em público. Acho que o fato decisivo foi a simpatia de Marcelino, de quem eu já era amigo, mas também a dos demais participantes, atentos e inteligentes. Não daria para falar de todos, mas não quero deixar de mencionar duas pessoas com quem foi uma delícia conversar: a escritora Ivana Arruda Leite, que mantém o excelente blog Doidivana (http://doidivana.zip.net/) e a Ana Peluso, que já deixou um comentário aqui, sobre a quadra de Yeats, e fez uma pergunta sobre o artigo que escrevi ontem para a Folha. Postarei o artigo aqui amanhã: e então pensarei na resposta para a Ana, cujo blog é o Rasuras: http://rasuras.wordpress.com/.
Gostei muito também de, no Barco Virgílio, ter tido boas conversas com o Edson Cruz, editor da Cronópios ( http://www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=2326), e o Pipol, seu editor de arte.
Antes da oficina, eu tinha tido o prazer de almoçar e trocar idéias com o escritor Santiago Nazarian (http://www.santiagonazarian.blogspot.com/).
Do Barco Virgílio, esticamos num lugar interessantíssimo, pelo tipo de estabelecimento e pelo público, o Mercearia, mixto justamente de mercearia, livraria e botequim. Para mim, foi uma noite deliciosa.
6.4.07
William Butler Yeats
Uma tradução que fiz de um poema de Yeats que amo:
Aqueles que acham um problema
Quando refaço algum poema
Saibam por que problema eu passo:
É a mim mesmo que refaço.
The friends that have it I do wrong
Whenever I remake a song
Should know what issue is at stake
It is myself that I remake.
YEATS, W.B. The collected works in verse and prose. Vol.2, Epigraph. London: Chapman and Hall Ltd., 1908.
Aqueles que acham um problema
Quando refaço algum poema
Saibam por que problema eu passo:
É a mim mesmo que refaço.
The friends that have it I do wrong
Whenever I remake a song
Should know what issue is at stake
It is myself that I remake.
YEATS, W.B. The collected works in verse and prose. Vol.2, Epigraph. London: Chapman and Hall Ltd., 1908.
3.4.07
Luis Martínez de Merlo
HOMENAJE Y PLAGIO III
(L. M. M.)
Dormir en cama ajena, despertar
en un cuarto al que nunca has de volver,
y en la luz vaga del amanecer
buscar la ropa (¿dónde puede estar
la chupa?), el aro, un calcetín (¿y el par?)
mientras aún duerme el chico aquel que ayer
te sonrió en el bar: ese alfiler
que rara vez se encuentra en um pajar.
Aturdido y cansado ahora al salir
buscando um taxi, vuelves a reír
regustando en los labios su sabor.
Miras gozoso un astro en el azur
y silbas. Bueno está – no, no fue amor... –
perdido el norte, que aún exista el sur.
(L. M. M.)
Dormir en cama ajena, despertar
en un cuarto al que nunca has de volver,
y en la luz vaga del amanecer
buscar la ropa (¿dónde puede estar
la chupa?), el aro, un calcetín (¿y el par?)
mientras aún duerme el chico aquel que ayer
te sonrió en el bar: ese alfiler
que rara vez se encuentra en um pajar.
Aturdido y cansado ahora al salir
buscando um taxi, vuelves a reír
regustando en los labios su sabor.
Miras gozoso un astro en el azur
y silbas. Bueno está – no, no fue amor... –
perdido el norte, que aún exista el sur.
1.4.07
Sophia de Mello Breyner Andresen: Traduzido de Kleist
Traduzido de Kleist
Dizem que no outro mundo o sol é mais
[brilhante
E brilha sobre campos mais floridos
Mas os olhos que vêem essas maravilhas
São olhos apodrecidos
De Livro sexto. Lisboa: Salamandra, 1985, p.39.
Dizem que no outro mundo o sol é mais
[brilhante
E brilha sobre campos mais floridos
Mas os olhos que vêem essas maravilhas
São olhos apodrecidos
De Livro sexto. Lisboa: Salamandra, 1985, p.39.