Piu avanti
Piu avanti
Os homens ocos
I
Somos os homens ocos
Somos homens empalhados
Apoiados todos juntos
Com chapéus cheios de palha. Ah!
Nossas vozes secas, dado
Sussurrarmos juntos
São mudas, sem sentido,
Como vento em capim ressequido
Ou patas de ratos nos cacos de vidro
De nossa cave seca
Forma sem corpo, sombra sem cor
Paralítica força, gesto sem impulso;
Os que tenham ido
Olhando firme, ao reino outro da morte
Recordam-nos — se tanto — não como perdidos
De almas violentas, mas apenas
Como os homens ocos
Os empalhados.
The Hollow Men
I
We are the hollow men
We are the stuffed men
Leaning together
Headpiece filled with straw. Alas!
Our dried voices, when
We whisper together
Are quiet and meaningless
As wind in dry grass
Or rats' feet over broken glass
In our dry cellar
Shape without form, shade without colour,
Paralysed force, gesture without motion;
Those who have crossed
With direct eyes, to death's other Kingdom
Remember us -- if at all -- not as lost
Violent souls, but only
As the hollow men
The stuffed men.
ELIOT, T.S. "The hollow Men I" / "Os homens ocos I". In: _____. "The hollow men" / "Os homens ocos". In: GALINDO, Caetano W. (org. e trad.). T.S. Eliot. Poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
Despondency
Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade. . .
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram. . .
Deixá-la ir a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul se levantaram. . .
Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa. . .
Deixá-la ir, a nota desprendida
Dum canto extremo. . . e a última esperança. . .
E a vida. . . e o amor. . . deixá-la ir, a vida!
QUENTAL, Antero de. "Despondency". In: SÉRGIO, António (org.). Antero de Quental: Sonetos. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1963.
arte do desentendimento
não escrevo
sobre o que detenho.
escrevo
para apropriar-me
do que há
no mundo.
para inventar oceanos,
terra,
céu,
gente.
para preencher-me de vazio,
do que não é pleno,
do espanto inquieto
e do questionamento
sobre tudo o que eu penso que eu sei.
ser poeta é desentender.
RUBRA, Dênis. "arte do desentendimento". In:_____. é muito cedo pra pensar. Rio de Janeiro: Rubra Editora, 2017.
1. 46
Se você exclama, Edilo: “Vou gozar –
Depressa!” – o meu tição se esfria, apaga.
Prolongue o ato que eu irei mais rápido.
Pra ir depressa, diga: “Devagar”.
MARCIAL. Epigrama 1. 46. In: PIGNATARI, Décio (org. e trad.). 31 poemas do Rigveda e Safo a Apollinaire. Campinas: UNICAMP, 2007.
I. XLVI
Cum dicis 'Propero, fac si facis,' Hedyle, languet
Protinus et cessat debilitata Venus.
Expectare iube: velocius ibo retentus.
Hedyle, si properas, dic mihi, ne properem.
MARTIALIS, Marcus Valerius. Epigramma XLVI. In:_____. Epigrammata. In: PHI Workplace 10.00. Silver Mountain Software, 2004.
Tropical
a musa teima
nas entrelinhas
deste poema
como na minha
cabeça um símio
banal se abana
inverossímil
entre bananas
ASCHER, Nelson. "Tropical". In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de (org.). Esses poetas: uma antologia dos anos 90. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1998.
Cavalos-marinhos
Há na palma de minha mão
um cavalo-marinho.
No fundo do que sou
mergulho
em raras profundezas.
Talvez assim entenda
que viver
não é acordar após dormir
e que não há maior beleza
que a solidão
e o fechar os olhos e partir.
Vejo que são rasas as pessoas
pelas partículas que vejo.
Se assim creio, assim crio
nesse mar selvagem
e apenas sumo
entre os redemoinhos
e os cavalos-marinhos
entre ondas
que abrigam e afogam
para dentro me jogam
me deixando lá.
CARDOSO, Carlos. "Cavalos marinhos". In:_____. Melancolia. Rio de Janeiro: Record, 2019.
As Musas, a Memória e o esquecimento
Vivemos
numa época que – com a Internet, os computadores, os celulares, os tablets etc. – experimenta o desenvolvimento
de uma tecnologia que tem, entre outras coisas, o sentido manifesto de acelerar
tanto a comunicação entre as pessoas quanto a aquisição, o processamento e a
produção de informação. Seria, portanto, de esperar que, podendo fazer mais
rapidamente o que fazíamos outrora, tivéssemos hoje à nossa disposição mais
tempo livre. Ora, ocorre exatamente o oposto: quase todo o mundo se queixa de
não ter mais tempo para nada. Na verdade, o tempo livre parece ter encolhido
muito.
Acontece
que a poesia exige mais tempo livre do que a fruição de obras pertencentes a
outros gêneros artísticos. Não precisamos nos concentrar numa canção ou numa
pintura ou numa escultura ou na arquitetura de um prédio para que elas nos
deleitem. Podemos apreciá-las en passant.
Não é assim com um poema escrito. Quem lê um poema como se fosse um artigo, um
ensaio ou um e-mail, por exemplo, não é capaz de fruí-lo. Para apreciar um
poema é necessário dedicar-lhe tempo.
E como
ninguém tem tempo para quase nada, por que perder tempo com algo que nada
ensina de útil? A menos que o faça para se distrair um pouco do trabalho. Mas,
como distração, não são poucos os que hoje afirmam que a poesia ficou para
trás: que foi superada pelos joguinhos eletrônicos, por exemplo, que exigem
menos pensamento e teriam mais a ver com o ritmo da vida contemporânea.
Pois bem,
penso o contrário. É exatamente numa época de aceleração desembestada que a
poesia mais se faz desejável. Por quê? Porque o que me parece inteiramente
indesejável é a aceitação passiva da inevitabilidade do encolhimento do nosso
tempo livre.
A verdade
é que, se praticamente não temos mais tempo livre, isso ocorre porque
praticamente todo o nosso tempo – mesmo aquele que se pretende livre – está
preso. Preso a quê? Ao princípio do trabalho, ou melhor – inclusive,
evidentemente nos tais joguinhos eletrônicos –, ao princípio do desempenho. Não
estamos livres quase nunca porque nos encontramos numa cadeia utilitária em que
parece que o sentido de todas as coisas e pessoas que se encontram no mundo, o
sentido inclusive de nós mesmos, é sermos instrumentais para outras coisas e
pessoas.
Nessas
circunstâncias, nada e ninguém jamais vale por si, mas apenas como um meio para
outra coisa ou pessoa que, por sua vez, também funciona como meio para ainda
outra coisa ou pessoa, e assim ad infinitum. Pode-se dizer que
participamos de uma espécie de linha de montagem em moto contínuo e vicioso, na
qual se enquadram as próprias “diversões” que se nos apresentam imediatamente.
Em tal
situação, parece-me que uma das poucas ocasiões em que conseguimos romper a
cadeia utilitária cotidiana e nos libertarmos da prisão utilitária do mundo do
desempenho é quando nos deixamos levar a viajar por uma obra de arte: a viajar,
por exemplo, através de um poema. Ao viajar por um poema, deixamos de lado o
princípio do desempenho e apreendemos a vida em si.
As Musas
eram tidas pelos gregos como filhas da deusa Memória. Normalmente, supõe-se que
isso signifique que elas guardam o passado. Penso que a leitura dos poetas
gregos mostra o contrário. O que o fato de que as Musas sejam filhas da Memória
significa é que aquilo que elas produzem seja inesquecível: seja memorável.
Assim são os grandes poemas. É isso que permite que, por exemplo, o poeta romano
Horácio (que, aliás, estudou em Atenas) possa dizer, na sua Ode III.xxx, (que se encontra também em latim aqui: http://antoniocicero.blogspot.com/2010/02/carpe-diem-o-seguinte-artigo-publicado.html) sobre
sua poesia:
Erigi um monumento mais duradouro que o bronze,
mais alto do que a régia construção das pirâmides
que nem a voraz chuva, nem o impetuoso Áquilo
nem a inumerável série dos anos,
nem a fuga do tempo poderão destruir.
Nem tudo de mim morrerá, de mim grande parte
escapará a Libitina: jovem para sempre crescerei
no louvor dos vindouros, enquanto o Pontífice
com a tácita virgem subir ao Capitólio.
Dir-se-á de mim, onde o violento Áufido brama,
onde Dauno pobre em água sobre rústicos povos reinou,
que de origem humilde me tornei poderoso,
o primeiro a trazer o canto eólio aos metros itálicos.
Assume o orgulho que o mérito conquistou
e benévola cinge meus cabelos,
Melpómene, com o délfico louro.
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Parabéns, você não será um mero
Zé: tem direito a morte especial.
Qualquer dúvida é só clicar no zero,
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Não há pontes de regresso
no primeiro
ciscar do dia
o galo anuncia
a inaudível
ciranda
das coisas
à noite verde
sua morte amarela
ao jatobá verde
seu graveto seco.
o galo
anuncia
às labaredas
jovens
e velhos:
não há pontes de regresso.
Templo
Para que as
Musas residentes lá no Olimpo
façam meus
poemas palavras que desejem,
eu que, à sombra
de um deus muito mais triste, habito
a fralda de
uma montanha muito mais verde,
declaro não
serem os versos que escrevo obras
de arte mas
bases, paredes e donaires
de templos
construídos com mãos e com sobras
de paixões,
mergulhos, fodas, livros, viagens
(precário
material com o qual é elaborado
tudo o que
merece aspirar a eterna glória)
e -- ainda
com os seus andaimes -- os consagro
a elas, às
filhas alegres da Memória,
deusa que não
é, como querem crer os néscios,
a guardiã do
passado, com o qual pouco
se importa,
mas antes a que nos oferece o
esquecimento
quando canta o imorredouro.
CICERO, Antonio. "Templo". In:_____. Guardar. Rio de Janeiro: Record, 1996.
a fera do tempo nunca se sacia
tudo se perde, se cria
e nada muda o seu movimento
almas, ânimos, sinas
da minha cara ao que ninguém imagina
o que sobra é esse momento
joguem-se os relógios ao vento
queimem-se os calendários
o tempo não mais se conta
a fera que ande às tontas
SILVESTRIN, Ricardo. "a fera do tempo nunca se sacia". In:_____. Quase eu. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Cultura, 1992.
Como hoje é meu aniversário, meu querido amigo Evando Nascimento escreveu um artigo maravilhoso sobre mim. Vejam:
Não é segredo.
Somos feitos de pó, vaidade
E muito medo.
FERNANDES, Millôr. "Não é segredo". In:_____. CALCANHOTTO, Adriana (org.). Haicai do Brasil. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2014.
Cantiga III
No meu peito o meu desejo
Da razão se fez tirano,
Vejo nele certo dano,
Incerto remédio vejo.
Voltas
Para de todo perder-me
Este mal por passar tinha,
Ir eu contra a razão minha
Que morre por defender-me.
Da parte do meu desejo
Me passo, para meu dano,
Vejo que nisso m'engano,
Mas nenhum remédio vejo.
Se lhe quero resistir,
Trata-me com mais crueza,
Ou com força ou natureza
Sua lei me faz seguir.
Imigo mortal o vejo
De razão e desengano,
Dele me vem todo o dano,
E eu por ele me rejo.
BERNARDES, Diogo. "Cantiga III". In: SILVEIRA, Francisco Maciel (org.). Poesia clássica. São Paulo: Global Editora, 1988.
Da
vida não se sai pela porta:
só
pela janela. Não se sai
bem
da vida como não se sai
bem
de paixões jogatinas drogas.
E
é porque sabemos disso e não
por
temer viver depois da morte
em
plagas de Dante Goya ou Bosh
(essas,
doce príncipe, cá estão)
que
tão raramente nos matamos
a
tempo: por não considerarmos
as
saídas disponíveis dignas
de
nós, que, em meio a fezes e urina
sangue
e dor, nascemos para lendas
mares amores mortes serenas.
CICERO, Antonio. "Huis clos". In:_____. A cidade e os livros. Rio de Janeiro: Record, 2012.