31.12.16
António Barbosa Bacelar: "A variedade do mundo"
A variedade do mundo
Este nasce, outro morre, acolá soa
Um ribeiro que corre, aqui suave,
Um rouxinol se queixa brando e grave,
Um leão c'o rugido o monte atroa.
Aqui corre uma fera, acolá voa
C'o grãozinho na boca ao ninho, ua ave,
Um derruba o edifício, outro ergue a trave,
Um caça, outro pesca, outro enferroa.
Um nas armas se alista, outro as pendura,
Ao soberbo Ministro aquele adora,
Outro segue do Paço a sombra amada.
Este muda de amor, aquele atura.
Do bem, de que um se alegra, o outro chora.
Oh Mundo, oh sombra, oh zombaria, oh nada!
BACELAR, António Barbosa. "A variedade do mundo". In: REIS-SÀ, Jorge e LAGE, Rui (orgs.). Poemas portugueses. Antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao Séc. XXI. Porto: Porto Editora, 2009.
29.12.16
Adriano Nunes: "Viver"
Agradeço a meu amigo Adriano Nunes pelo belo poema que me dedicou:
Viver
para Antonio Cicero
Viver
para Antonio Cicero
Existe um eco entre um ou e um se.
Resiste assim em mim um outro eu.
Enfim eu bem que disse - que se deu?
O fim é sem começo mesmo - diz-se
Resiste assim em mim um outro eu.
Enfim eu bem que disse - que se deu?
O fim é sem começo mesmo - diz-se
Desde quando criança me fiz meu
Sol de nãos e sins, sonhos de sons, se-
Mente aberta pra tudo que pudesse
Dar à vez outra vida, a que se deu
Sol de nãos e sins, sonhos de sons, se-
Mente aberta pra tudo que pudesse
Dar à vez outra vida, a que se deu
Entre um elo e um ethos, sob um ver-
So de alegria, o amor para rever
O que já valeria a pena, o ver
So de alegria, o amor para rever
O que já valeria a pena, o ver
Da vertigem do flerte, pra sorver
A dívida de ser e não-ser, ver-
Ve de um instante raro que é viver.
A dívida de ser e não-ser, ver-
Ve de um instante raro que é viver.
27.12.16
Claudia Roquette-Pinto: "a caminho"
a caminho
"Abriu-se majestosa e circunspecta
sem emitir um som que fosse impuro"
Carlos Drummond de Andrade
estava a caminho: canoa
comprida-boa partindo
a sombra, a meio-e-meio, no rio
silêncio-cutelo e, certo,
o dia aberto seu ventre
(azáfama de zangões urgentes)
cego
estava a caminho e era
tido por meu o rio
sem costas nem frente,
a brio
inteirado em silêncio
por dentro uma chusma de insetos
vazante, na beira, o estrépito
— meu enxame de equívocos
estava a caminho, e na curva
as águas fendidas as duas
águas se apartam, súditas
do incêndio, das espadas,
do verde (sem acaso)
ruivo que picava
as folhas do gravatá
o gravatá — o suave
súbito roçar de
dedos (vermelho-
acicate) no umbigo
dos nimbos, acordar
a paisagem
o gravatá — seu recato:
ritmo intacto, enflorado,
servindo de pasto
para besouros, girinos
bebedor de símios
o gravatá — o severo
cerne,
o fero centro que ergue
verde-negro, estrela
de silêncio
e precisão
aqui a água turva,
de mistura com raízes
a curvatura da terra
empena,
oblitera a íris
aqui o rio dobra, a nau
soçobra, a cuia escura
do céu emborca
uma água dura,
às catadupas,
cai — fustiga como um pai
resta o caminho — o sombrio
seguir-do-rio (tateio
à guisa de aprendiz)
dedo cego, palavra‑
(sem rasgos na pele da água)
de-superfície
mudo, vazio,
cingido pela água difícil,
braçando no lodo, sigo,
às escuras,
a mão nua abrindo o fio
(começa comigo) a
costura invisível
do rio
ROQUETTE-PINTO, Claudia. "a caminho". In:_____. Zona de sombra. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1997.
25.12.16
Paulo Henriques Britto: "Cuidado poeta..."
Cuidado, poeta: o tempo engorda a alma.
Depois de um certo número de páginas
anjos não pousam mais nas entrelinhas.
E até a lucidez, essa moderna,
também se gasta, como qualquer moeda.
O ter o que dizer é jogo arriscado,
não se resolve com um só lance de dados.
Não basta a precisão do gesto apenas.
O gesto mais felino é quase nada
sem o lastro da existência, essa cansada,
com sua textura por demais espessa
pra traspassar a tímida peneira
da pálida poesia, essa antiga.
O tempo é escasso. O dicionário é gordo.
Cuidado: Todo silêncio é pouco.
BRITTO, Paulo Henriques. "Cuidado poeta...". In: FÉLIX, Moacyr (org.). 41 poetas do Rio. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1998.
23.12.16
Thássio G. Ferreira: "Exercício da rima"
Exercício da rima
O poeta pede, sem pudor,
embora humildemente,
ao poeta de si que o lê, o leitor,
tão prezado e paciente,
que lhe perdoe o louvor
à rima inconsequente.
FERREIRA, Thássio G. "Exercício da rima". In:_____. (Des)nudo. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2016.
21.12.16
Lêdo Ivo: "Queixa do editor de poesia"
Queixa do editor de poesia
"Poesia não se vende,
ninguém a entende!"
-- suspira o editor.
Poesia! Poesia!
Ninguém te entende.
És como a morte e o amor.
IVO, Lêdo. "Queixa do editor de poesia". In:_____. Antologia poética. Org. de Albano Martins. Porto: Afrontamento, 2012.
18.12.16
Rogério Batalha: "Na cavidade do dia"
Na cavidade do dia
na cavidade do dia
encontrei
minha poesia
(como quem encontra
certas frutas
que exalam mais forte
pouco antes da morte).
como se, da desordem,
do nada, ela brotasse:
não como um bicho que voa
não como coisa que flutua
mas como ruína que sonha
e penetra na própria busca.
BATALHA, Rogério: "Na cavidade do dia". In:_____. Azul. Rio de Janeiro: Texto Território, 2016.
16.12.16
Ricardo Silvestrin: "Caos, Ébero e Nix"
Caos, Ébero e Nix
O Caos era tudo
antes da criação do mundo.
Dele nasceram Ébero,
as trevas do inferno
e Nix, a noite.
De Nix e Ébero
vieram Áiter, o éter
e Hemera, o dia.
Antes do Caos,
nada mais havia.
Nosso elemento primordial,
nossa origem e final,
dele nascemos,
contra ele organizamos o mundo.
Mas sabemos, lá no fundo,
que o Caos é tudo.
SILVESTRIN, Ricardo. "Caos, Ébero e Nix". In:_____. Typographo. São Paulo: Patuá, 2016.
14.12.16
Fernando Pessoa: "Análise"
Análise
Tão abstracta é a ideia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a ideia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.
PESSOA, Fernando. "Análise". In:_____. "Cancioneiro". In:_____. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986.
11.12.16
Luiz Roberto Nascimento Silva: "Salvador 1971"
Salvador 1971
De repente
com essa lufada de vento,
lembrei-me
de mim jovem
no Carnaval,
quando descobri
a cidade de Salvador.
Senti
a mesma intensidade
daquele momento,
andando sem lenço
sem documento
por aquele esplendor.
Talvez
a mesma liberdade
– lufada de vento –
esteja ainda presente
neste momento,
no homem maduro que sou.
SILVA, Luiz Roberto Nascimento. "Salvador 1971". In:_____. Sim. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2016.
8.12.16
Carlos Nejar: Casida das coisas da alma
Casida das coisas da alma
As cinzas do amor só ardem
se na memória se abrasam.
Inda que as coisas em alma
se entendam pela metade.
Mas onde estender as asas
de um sonho que se entreabre?
O que é fogo amor acalma
e o que é centelha se apaga.
E se o sol se move em nada,
a luz é onda parada.
As cinzas do amor só ardem
onde a infância não se acaba.
NEJAR, Carlos. "Casida das coisas da alma". In:_____. Quarenta e nove casidas e um amor desabitado. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2016.
6.12.16
Trecho de "Vinícius de Moraes, um rapaz de família", de Suzana Moraes
Vejam, no belo filme de Susana Moraes, "Vinícius de Moraes, um rapaz de família", uma conversa de Vinícius e Ferreira Gullar sobre o "Poema sujo":
4.12.16
Ferreira Gullar: "Perplexidades"
Perplexidades
a parte mais efêmera
de mim
é esta consciência de que existo
e todo o existir consiste nisto
é estranho!
e mais estranho
ainda
me é sabê-lo
e saber
que esta consciência dura menos
que um fio de meu cabelo
e mais estranho ainda
que sabê-lo
é que
enquanto dura me é dado
o infinito universo constelado
de quatrilhões e quatrilhões de estrelas
sendo que umas poucas delas
posso vê-las
fulgindo no presente do passado
GULLAR, Ferreira. "Perplexidades". In:_____. "Em alguma parte alguma". In:_____. Toda poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 2015.
2.12.16
Friedrich Hölderlin: "An die jungen Dichter" / "Aos poetas jovens": trad. Paulo Quintela
Aos poetas jovens
Queridos Irmãos! talvez a nossa arte amadureça,
Pois, como o jovem, há muito ela fermenta já,
Em breve em beleza serena;
Sede então devotos, como o Grego o foi.
Amai os deuses e pensai nos mortais com amizade!
Odiai a ebriedade como o gelo! Não ensineis nem descrevais!
Se o mestre vos assusta,
Pedi conselho à grande Natureza!
Lieben Brüder! es reift unsere Kunst vielleicht,
Da, dem Jünglinge gleich, lange sie schon gegärt,
Bald zur Stille der Schönheit;
Seid nur fromm, wie der Grieche war!
Liebt die Götter und denkt freundlich der Sterblichen!
Haßt den Rausch, wie den Frost! lehrt, und beschreibet nicht!
Wenn der Meister euch ängstigt,
Fragt die große Natur um Rat.
HÖLDERLIN, Friedrich. "An die jungen Dichter" / "Aos poetas jovens". In:_____. Poemas. Seleção e tradução de Paulo Quintela. Coimbra: Atlântica, 1959.
30.11.16
Ferreira Gullar: "Registro"
Registro
À janela
de meu apartamento
à rua Duvivier 49
(sistema solar, planeta Terra,
Via Láctea)
limpo as unhas da mão
por volta das quatro e quarenta da tarde
do dia 2 de dezembro de 2008
enquanto
na galáxia M 31
a 2 milhões e 200 mil anos-luz de distância
extingue-se uma estrela
GULLAR, Ferreira. "Registro". In:_____. "Em alguma parte alguma". In:_____. Toda poesia. Rio de Janeiro: 2015.
26.11.16
Paulo Bomfim: "Soneto I"
Soneto I
Venho de longe, trago o pensamento
Banhado em velhos sais e maresias;
Arrasto velas rotas pelo vento
E mastros carregados de agonias.
Provenho desses mares esquecidos
Nos roteiros de há muito abandonados
E trago na retina diluídos
Os misteriosos portos não tocados.
Retenho dentro da alma, preso à quilha
Todo um mar de sargaços e de vozes,
E ainda procuro no horizonte a ilha
Onde sonham morrer os albatrozes...
Venho de longe a contornar a esmo,
O cabo das tormentas de mim mesmo.
BOMFIM, Paulo. Antologia poética. São Paulo: Martins, 1962.
24.11.16
Carlos Pena Filho: "Olinda"
Olinda
De limpeza e claridade
é a paisagem defronte.
Tão limpa que se dissolve
A linha do horizonte.
As paisagens muito claras
Não são paisagens, são lentes.
São íris, sol, aguaverde
Ou claridade somente.
Olinda é só para os olhos,
Não se apalpa, é só desejo.
Ninguém diz: é lá que eu moro
Diz somente: é lá que eu vejo.
Tão verdágua e não se sabe
A não ser quando se sai.
Não porque antes se visse,
Mas porque não se vê mais.
As claras paisagens dormem
No olhar, quando em existência.
Diluídas, evaporadas,
Só se reúnem na ausência.
Limpeza tal só imagino
Que possa haver nas vivendas
Das aves, nas áreas altas,
Muito além do além das lendas.
Os acidentes, na luz,
Não são, existem por ela.
Não há nem pontos ao menos,
Nem há mar, nem céu, nem velas.
Quando a luz é muito intensa
É quando mais frágil é;
Planície, que de tão plana
Parecesse em pé.
PENA Filho, Carlos. "Olinda". In:_____. Livro Geral. Recife: UFPE, 1969.
21.11.16
Show de Arthur Nogueira, com participação de Antonio Cicero
No Rio de Janeiro, será amanhã, dia 22, na Casa de Cultura Laura Alvim, o show de lançamento do álbum PRESENTE, que meu amigo, o cantor e compositor Arthur Nogueira, fez para homenagear os meus 70 anos. A Casa de Cultura Laura Alvim fica na Av. Vieira Souto, 176, em Ipanema. O show começará às 20h. Arthur cantará canções cujas letras compus para parceiros como Adriana Calcanhotto, João Bosco, José Miguel Wisnik, Lulu Santos, Marina Lima, Orlando Moraes, Roberto Frejat, Waly Salomão e ele mesmo. E eu recitarei alguns poemas meus e de alguns poetas que admiro. Apareçam!
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20.11.16
Manoel de Barros: "Uns homens estão silenciosos"
Se ainda estivesse vivo, o poeta Manoel de Barros teria feito 100 anos ontem. Por isso, Ana Clauda Guimarães, da coluna de Ancelmo Gois em O Globo, ontem pediu a mim e a alguns outros poetas que lhe enviassem alguns versos do autor da "Gramática expositiva do chão". Enviei-lhe o seguinte poema, do qual saiu hoje publicado um trecho:
Uns homens estão silenciosos
Eu os vejo nas ruas quase que diariamente.
São uns homens devagar, são uns homens quase que misteriosos.
Eles estão esperando.
Às vezes procuram um lugar bem escondido para esperar.
Estão esperando um grande acontecimento.
E estão silenciosos diante do mundo, silenciosos.
Ah, mas como eles entendem as verdades
De seus infinitos segundos.
BARROS, Manoel de. "Uns homens estão silenciosos". In:_____. Poesia completa. Porto: Leya, 2010.
Sophia de Mello Breyner Andresen: "Eu me perdi"
Agradeço ao meu querido amigo, o excelente escritor e artista plástico Pedro Maciel, por me ter chamado atenção para os seguinte poema da maravilhosa Sophia de Mello Breyner Andresen:
Eu me perdi
Eu me perdi na sordidez de um mundo
Onde era preciso ser
Policia agiota fariseu
Ou cocote
Eu me perdi na sordidez do mundo
Eu em salvei na limpidez da terra
Eu me busquei no vento e me encontrei no mar
E nunca
Um navio da costa se afastou
Sem me levar
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. "Eu me perdi". In:_____. Obra poética. Edição: Carlos Mendes de Sousa. Alfragide: Editorial Caminho, 2011.
18.11.16
Oswald de Andrade: "3 de maio"
3 de maio
Aprendi com meu filho de dez anos
Que a poesia é a descoberta
Das coisas que eu nunca vi.
ANDRADE, Oswald. "3 de maio". In:_____. Poesias reunidas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.
15.11.16
Show de Arthur Nogueira, com participação de Antonio Cicero
No Rio de Janeiro, o álbum PRESENTE, que meu amigo, o cantor
e compositor Arthur Nogueira, fez para homenagear os meus 70 anos, será lançado
na terça-feira da semana que vem, dia 22 de novembro, na Casa de Cultura Laura
Alvim, que fica na Av. Vieira Souto, 176. O show começará às 20h. Arthur cantará canções cujas letras
compus para parceiros como Adriana Calcanhotto, João Bosco, José Miguel Wisnik,
Lulu Santos, Marina Lima, Orlando Moraes, Roberto Frejat, Waly Salomão e ele
mesmo. E eu recitarei alguns poemas meus e de alguns poetas que admiro.
Apareçam!
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13.11.16
Moraes Moreira: "A letra e a poesia"
A letra e a poesia
Pra que discutir a forma
E até mesmo o conteúdo
Eu gosto de quase tudo
Que brota dos corações
Até um verso banal
Que não é nada erudito
As vezes é mais bonito
E soa bem nas canções
Não dou razão a ninguém
Nessa conversa eu não entro
Bem-vindo o que vem de dentro
E fora da Academia
Partindo desse princípio
Quem me atrai são os loucos
Que celebram como poucos
Música e poesia
Eu quero lê-las em livros
Eu quero ouvi-las em discos
Eu faço lá meus rabiscos
Multiplicando os ofícios
Exercitando a virtude
Na profusão das imagens
Na integração das linguagens
Eu quero todos os vícios
Outrora que nostalgia!
Que onda! Eu era feliz
Ouvindo o som dos vinis
Aquela bolacha preta
Com suas capas na mão
Ainda me lembro quando
Ficava saboreando
Os versos de cada letra
Eu quero todas as mídias
Fazendo como quem sabe
Se alguma coisa me cabe
Que seja assim porque é
No espaço desse universo
A inspiração me projeta
Um vagabundo poeta
Ou um letrista qualquer
MOREIRA, Moraes. "A letra e a poesia". In:_____. Poeta não tem idade. Rio de Janeiro: Numa, 2016.
11.11.16
Friedrich Schiller: "Die Götter Griechenlands" / "Os deuses da Grécia": trad. Machado de Assis
Ontem foi o dia do nascimento do poeta alemão Friedrich Schiller. Somente hoje li o e-mail em que Adriano Nunes me chamava atenção para esse fato. Pois bem, em homenagem ao genial poeta alemão, estou postando aqui, com um dia de atraso, o seu grande poema "Die Götter Griechenlands". A tradução para o português -- boa, embora muito livre -- é de outro gênio: o nosso Machado de Assis:
Os deuses da Grécia
Quando, co'os tênues vínculos de gozo,
Ó Vênus de Amatonte, governavas
Felizes raças, encantados povos
Dos fabulosos tempos;
Quando fulgia a pompa do teu culto,
E o templo ornavam delicadas rosas,
Ai! quão diverso o mundo apresentava
A face aberta em risos!
Na poesia envolvia-se a verdade;
Plena vida gozava a terra inteira;
E o que jamais hão de sentir na vida
Então sentiam homens.
Lei era repousar no amor; os olhos
Nos namorados olhos se encontravam;
Espalhava-se em toda a natureza
Um vestígio divino.
Onde hoje dizem que se prende um globo
Cheio de fogo, -- outrora conduzia
Hélios o carro de ouro, e os fustigados
Cavalos espumantes.
Povoavam Oreades os montes,
No arvoredo Doriades vivia,
E agreste espuma despejava em flocos
A urna das Danaides.
Refúgio de uma ninfa era o loureiro;
Tantália moça as rochas habitava;
Suspiravam no arbusto e no caniço
Sírinx, Filomela.
Cada ribeiro as lágrimas colhia
De Ceres pela esquiva Perséfone;
E do outeiro chamava inutilmente
Vênus o amado amante.
Entre as raças que o pio tessaliano
Das pedras arrancou, -- os deuses vinham;
Por cativar uns namorados olhos
Apolo pastoreava.
Vínculo brando então o amor lançava
Entre os homens, heróis e os deuses todos;
Eterno culto ao teu poder rendiam,
Ó deusa de Amatonte!
Jejuns austeros, torva gravidade
Banidos eram dos festivos templos;
Que os venturosos deuses só amavam
Os ânimos alegres.
Só a beleza era sagrada outrora;
Quando a pudica Tiemonte mandava,
Nenhum dos gozos que o mortal respira
Envergonhava os deuses.
Eram ricos palácios vossos templos;
Lutas de heróis, festins e o carro e a ode,
Eram da raça humana aos deuses vivos
A jucunda homenagem.
Saltava a dança alegre em torno a altares;
Louros c'roavam numes; e as capelas
De abertas, frescas rosas, lhes cingiam
A fronte perfumada.
Anunciava o galhofeiro Baco
O tirso de Evoé; sátiros fulvos
Iam tripudiando em seu caminho;
Iam bailando as Menades.
A dança revelava o ardor do vinho;
De mão em mão corria a taça ardente,
Pois que ao fervor dos ânimos convida
A face rubra do hóspede.
Nenhum espectro hediondo ia sentar-se
Ao pé do moribundo. O extremo alento
Escapava num ósculo, e voltava
Um gênio a tocha extinta.
E além da vida, nos infernos, era
Um filho de mortal quem sustentava
A severa balança; e co'a voz pia
Vate ameigava as Fúrias.
Nos Elíseos o amigo achava o amigo;
Fiel esposa ia encontrar o esposo;
No perdido caminho o carro entrava
Do destro Automedonte.
Continuava o poeta o antigo canto;
Admeto achava os ósculos de Alceste;
Reconhecia Pilades o sócio
E o rei tessálio as flechas.
Nobre prêmio o valor retribuía
Do que andava nas sendas da virtude;
Ações dignas do céu, filhas dos homens,
O céu tinham por paga.
Inclinavam-se os deuses ante aquele
Que ia buscar-lhe algum mortal extinto;
E os gêmeos lá no Olimpo alumiavam
O caminho ao piloto.
Onde és, mundo de risos e prazeres?
Porque não volves, florescente idade ?
Só as musas conservavam teus divinos
Vestígios fabulosos.
Tristes e mudos vejo os campos todos;
Nenhuma divindade aos olhos surge;
Dessas imagens vivas e formosas
Só a sombra nos resta.
Do norte ao sopro frio e melancólico,
Uma por uma, as flores se esfolharam;
E desse mundo rútilo e divino
Outro colheu despojos.
Os astros interrogo com tristeza,
Seleno, e não te encontro; à selva falo,
Falo à vaga do mar, e à vaga, e à selva,
Inúteis vozes mando.
Da antiga divindade despojada,
Sem conhecer os êxtases que inspira,
Desse esplendor que eterno a fronte lhe orna
Não sabe a natureza.
Nada sente, não goza do meu gozo;
Insensível à força com que impera,
O pêndulo parece condenado
Às frias leis que o regem.
Para se renovar, abre hoje a campa,
Foram-se os numes ao país dos vates;
Das roupas infantis despida, a terra
Inúteis os rejeita.
Foram-se os numes, foram-se; levaram
Consigo o belo, e o grande, e as vivas cores,
Tudo que outrora a vida alimentava,
Tudo que é hoje extinto.
Ao dilúvio dos tempos escapando,
Nos recessos do Pindo se entranharam:
O que sofreu na vida eterna morte,
Imortalize a musa!
SCHILLER, Friedrich. "Os deuses da Grécia". Trad. Machado de Assis. In: ASSIS, Machado de. "Poesias coligidas". In:_____. Obra completa, vol.III. Rio de Janeiro: Aguilar, 1973.
Die Götter Griechenlands
An der Freude leichtem Gängelband
Glücklichere Menschalter führtet,
Schöne Wesen aus dem Fabelland!
Ach! da euer Wonnedienst noch glänzte,
Wie ganz anders, anders war es da!
Da man deine Tempel noch bekränzte,
Venus Amathusia!
Da der Dichtkunst malerische Hülle
Sich noch lieblich um die Wahrheit wand! –
Durch die Schöpfung floß da Lebensfülle,
Und, was nie empfinden wird, empfand.
An der Liebe Busen sie zu drücken,
Gab man höhern Adel der Natur.
Alles wies den eingeweihten Blicken,
Alles eines Gottes Spur.
Wo jetzt nur, wie unsre Weisen sagen,
Seelenlos ein Feuerball sich dreht,
Lenkte damals seinen goldnen Wagen
Helios in stiller Majestät.
Diese Höhen füllten Oreaden,
Eine Dryas starb mit jenem Baum,
Aus den Urnen lieblicher Najaden
Sprang der Ströme Silberschaum.
Jener Lorbeer wand sich einst um Hilfe,2
Tantals Tochter3 schweigt in diesem Stein,
Syrinx' Klage tönt' aus jenem Schilfe,
Philomelens Schmerz in diesem Hain.
Jener Bach empfing Demeters Zähre,
Die sie um Persephonen geweint,
Und von diesem Hügel rief Cythere,
Ach, vergebens! ihrem schönen Freund.
Zu Deukalions Geschlechte stiegen
Damals noch die Himmlischen herab,
Pyrrhas schöne Töchter zu besiegen,
Nahm Hyperion den Hirtenstab.
Zwischen Menschen, Göttern und Heroen
Knüpfte Amor einen schönen Bund.
Sterbliche mit Göttern und Heroen
Huldigten in Amathunt.
Betend an der Grazien Altären
Kniete da die holde Priesterin,
Sandte stille Wünsche an Cytheren
Und Gelübde an die Charitin.
Hoher Stolz, auch droben zu gebieten,
Lehrte sie den göttergleichen Rang,
Und des Reizes heilgen Gürtel hüten,
Der den Donnrer selbst bezwang.
Himmlisch und unsterblich war das Feuer,
Das in Pindars stolzen Hymnen floß,
Niederströmte in Arions Leier,
In den Stein des Phidias sich goß.
Beßre Wesen, edlere Gestalten
Kündigten die hohe Abkunft an.
Götter, die vom Himmel niederwallten,
Sahen hier ihn wieder aufgetan.
Werter war von eines Gottes Güte,
Teurer jede Gabe der Natur.
Unter Iris' schönem Bogen blühte
Reizender die perlenvolle Flur.
Prangender erschien die Morgenröte
In Himerens rosigtem Gewand,
Schmelzender erklang die Flöte
In des Hirtengottes Hand.
Liebenswerter malte sich die Jugend,
Blühender in Ganymedas4 Bild,
Heldenkühner, göttlicher die Tugend
Mit Tritoniens Medusenschild.
Sanfter war, da Hymen es noch knüpfte,
Heiliger der Herzen ewges Band.
Selbst des Lebens zarter Faden schlüpfte
Weicher durch der Parzen Hand.
Das Evoë muntrer Thyrsusschwinger
Und der Panther prächtiges Gespann
Meldeten den großen Freudebringer.
Faun und Satyr taumeln ihm voran,
Um ihn springen rasende Mänaden,
Ihre Tänze loben seinen Wein,
Und die Wangen des Bewirters laden
Lustig zu dem Becher ein.
Höher war der Gabe Wert gestiegen,
Die der Geber freundlich mit genoß,
Näher war der Schöpfer dem Vergnügen,
Das im Busen des Geschöpfes floß.
Nennt der meinige sich dem Verstande?
Birgt ihn etwa der Gewölke Zelt?
Mühsam späh ich im Ideenlande,
Fruchtlos in der Sinnenwelt.
Eure Tempel lachten gleich Palästen,
Euch verherrlichte das Heldenspiel
An des Isthmus kronenreichen Festen,
Und die Wagen donnerten zum Ziel.
Schön geschlungne seelenvolle Tänze
Kreisten um den prangenden Altar,
Eure Schläfe schmückten Siegeskränze,
Kronen euer duftend Haar.
Seiner Güter schenkte man das beste,
Seiner Lämmer liebstes gab der Hirt,
Und der Freudetaumel seiner Gäste
Lohnte dem erhabnen Wirt.
Wohin tret ich? Diese traurge Stille
Kündigt sie mir meinen Schöpfer an?
Finster, wie er selbst, ist seine Hülle,
Mein Entsagen – was ihn feiern kann.
Damals trat kein gräßliches Gerippe
Vor das Bett des Sterbenden. Ein Kuß
Nahm das letzte Leben von der Lippe,
Still und traurig senkt' ein Genius
Seine Fackel. Schöne, lichte Bilder
Scherzten auch um die Notwendigkeit,
Und das ernste Schicksal blickte milder
Durch den Schleier sanfter Menschlichkeit.
Nach der Geister schrecklichen Gesetzen
Richtete kein heiliger Barbar,
Dessen Augen Tränen nie benetzen,
Zarte Wesen, die ein Weib gebar.
Selbst des Orkus strenge Richterwaage
Hielt der Enkel einer Sterblichen,
Und des Thrakers seelenvolle Klage
Rührte die Erinnyen.
Seine Freuden traf der frohe Schatten
In Elysiens Hainen wieder an;
Treue Liebe fand den treuen Gatten
Und der Wagenlenker seine Bahn;
Orpheus' Spiel tönt die gewohnten Lieder,
In Alcestens Arme sinkt Admet,
Seinen Freund erkennt Orestes wieder,
Seine Waffen Philoktet.
Aber ohne Wiederkehr verloren
Bleibt, was ich auf dieser Welt verließ,
Jede Wonne hab ich abgeschworen,
Alle Bande, die ich selig pries.
Fremde, nie verstandene Entzücken
Schaudern mich aus jenen Welten an,
Und für Freuden, die mich jetzt beglücken,
Tausch ich neue, die ich missen kann.
Höhre Preise stärkten da den Ringer
Auf der Tugend arbeitvoller Bahn:
Großer Taten herrliche Vollbringer
Klimmten zu den Seligen hinan;
Vor dem Wiederforderer der Toten5
Neigte sich der Götter stille Schar.
Durch die Fluten leuchtet dem Piloten
Vom Olymp das Zwillingspaar.
Schöne Welt, wo bist du? – Kehre wieder,
Holdes Blütenalter der Natur!
Ach! nur in dem Feenland der Lieder
Lebt noch deine goldne Spur.
Ausgestorben trauert das Gefilde,
Keine Gottheit zeigt sich meinem Blick,
Ach! von jenem lebenwarmen Bilde
Blieb nur das Gerippe mir zurück.
Alle jenen Blüten sind gefallen
Von des Nordes winterlichem Wehn.
Einen zu bereichern, unter allen,
Mußte diese Götterwelt vergehn.
Traurig such ich an dem Sternenbogen,
Dich, Selene, find ich dort nicht mehr;
Durch die Wälder ruf ich, durch die Wogen,
Ach! sie widerhallen leer!
Unbewußt der Freuden, die sie schenket,
Nie entzückt von ihrer Trefflichkeit,
Nie gewahr des Armes, der sie lenket,
Reicher nie durch meine Dankbarkeit,
Fühllos selbst für ihres Künstlers Ehre,
Gleich dem toten Schlag der Pendeluhr,
Dient sie knechtisch dem Gesetz der Schwere,
Die entgötterte Natur!
Morgen wieder neu sich zu entbinden,
Wühlt sie heute sich ihr eignes Grab,
Und an ewig gleicher Spindel winden
Sich von selbst die Monde auf und ab.
Müßig kehrten zu dem Dichterlande
Heim die Götter, unnütz einer Welt,
Die, entwachsen ihrem Gängelbande,
Sich durch eignes Schweben hält.
Freundlos, ohne Bruder, ohne Gleichen,
Keiner Göttin, keiner Irdschen Sohn,
Herrscht ein andrer in des Äthers Reichen
Auf Saturnus' umgestürztem Thron.
Selig, eh sich Wesen um ihn freuten,
Selig im entvölkerten Gefild,
Sieht er in dem langen Strom der Zeiten
Ewig nur – sein eignes Bild.
Bürger des Olymps konnt ich erreichen,
Jenem Gotte, den sein Marmor preist,
Konnte einst der hohe Bildner gleichen;
Was ist neben dir der höchste Geist
Derer, welche Sterbliche gebaren?
Nur der Würmer Erster, Edelster.
Da die Götter menschlicher noch waren,
Waren Menschen göttlicher.
Dessen Strahlen mich darnieder schlagen,
Werk und Schöpfer des Verstandes! dir
Nachzuringen, gib mir Flügel, Waagen,
Dich zu wägen – oder nimm von mir,
Nimm die ernste, strenge Göttin wieder,
Die den Spiegel blendend vor mir hält;
Ihre sanftre Schwester sende nieder,
Spare jene für die andre Welt.
SCHILLER, Friedrich. "Die Götter Griechenlands". In:_____. Werke. Berlin: Digitbib, 2003.
9.11.16
Gastão Cruz: "Num café alta noite ao longe"
6
Num café alta noite ao longe
te revi a uma
mesa difusamente iluminada
sob a onda do escuro que era a noite
em outubro
saímos e segui-te até falarmos
dobrada a esquina duma praça
transformada
talvez já na curva da estrada
CRUZ, Gastão. "Num café alta noite ao longe". In:_____. Fogo. Porto: Assírio & Alvim, 2013.
7.11.16
Leitura, por Antonio Cicero, letra da canção "Encontros e despedidas", de Fernando Brant
Por sugestão de Ronaldo Bastos, fiz uma leitura da canção "Encontros e Despedidas", de Milton Nascimento e Fernando Brant: homenagem aos 70 anos do compositor Fernando Brant, um dos criadores do Clube da Esquina e um dos maiores poetas da MPB. Ei-la:
5.11.16
Arthur Nogueira lança disco em show de que eu, Antonio Cicero, participo
O álbum PRESENTE, que meu amigo, o cantor e compositor Arthur Nogueira, fez para homenagear os meus 70 anos, será lançado no domingo, dia 06 de novembro, no teatro do SESC Pompeia. Arthur cantará canções cujas letras compus para parceiros como Adriana Calcanhotto, João Bosco, José Miguel Wisnik, Lulu Santos, Marina Lima, Orlando Moraes, Roberto Frejat, Waly Salomão e ele mesmo. E eu recitarei alguns poemas meus e de alguns poetas que admiro. Apareçam! Prometo que estaremos de frente para a plateia.
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Clique no poster concebido por Gabriel Martins, para
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3.11.16
Odysséas Elýtis: "Του Αιγαίου" / "Do Egeu": trad. Adriano Nunes
Do Egeu
O amor
O arquipélago
E o arco de suas espumas
E as gaivotas de seus sonhos
No mastro mais alto o marinheiro acena
Uma canção
O arquipélago
E o arco de suas espumas
E as gaivotas de seus sonhos
No mastro mais alto o marinheiro acena
Uma canção
O amor
Sua canção
E os horizontes de sua viagem
E o eco de nostalgia
Em sua mais úmida rocha a espera prometida
Um barco
Sua canção
E os horizontes de sua viagem
E o eco de nostalgia
Em sua mais úmida rocha a espera prometida
Um barco
O amor
Seu barco
E o desprezo por seus mistrais
E o braço de sua esperança
Em seu mais rápido ondear uma ilha embala
A chegada
Seu barco
E o desprezo por seus mistrais
E o braço de sua esperança
Em seu mais rápido ondear uma ilha embala
A chegada
Του Αιγαίου
Ο έρωτας
Το αρχιπέλαγος
Κι η πρώρα των αφρών του
Κι οι γλάροι των ονείρων του
Στο πιο ψηλό κατάρτι του ο ναύτης ανεμίζει
Ένα τραγούδι
Το αρχιπέλαγος
Κι η πρώρα των αφρών του
Κι οι γλάροι των ονείρων του
Στο πιο ψηλό κατάρτι του ο ναύτης ανεμίζει
Ένα τραγούδι
Ο έρωτας
Το τραγούδι του
Κι οι ορίζοντες του ταξιδιού του
Κι ηχώ της νοσταλγίας του
Στον πιο βρεμένο βράκο της ή αρραβωνιαστικιά προσμένει
Ένα καράβι
Το τραγούδι του
Κι οι ορίζοντες του ταξιδιού του
Κι ηχώ της νοσταλγίας του
Στον πιο βρεμένο βράκο της ή αρραβωνιαστικιά προσμένει
Ένα καράβι
Ο έρωτας
Το καράβι του
Κι η αμεριμνησία των μελτεμιών του
Κι ο φλόκος της ελπίδας του
Στον πιο ελαφρό κυματισμό του ένα νησί λικνίζει
Τον ερχομό.
Το καράβι του
Κι η αμεριμνησία των μελτεμιών του
Κι ο φλόκος της ελπίδας του
Στον πιο ελαφρό κυματισμό του ένα νησί λικνίζει
Τον ερχομό.
ELÝTES, Odysséas. "Tou Αιγαίου". In:_____. Poíese. Atenas: Ícaro, 2002.
Todos os direitos reservados da tradução diretamente do grego
pertencem ao poeta Adriano Nunes.
*Todos os direitos reservados da tradução diretamente do grego
pertencem ao poeta Adriano Nunes.
1.11.16
Jacques Prévert: "Le météore" / "O meteoro": trad. de Silviano Santiago
Le météore
Entre les barreaux des locaux disciplinaires
une orange
passe comme un éclair
et tombe dans la tinette
comme une pierre
Et le prisonnier
tout éclaboussé de merde
resplendit
tout illuminé de joie
Elle ne m'a pas oublié
Elle pense toujours à moi.
O meteoro
Por entre as grades do edifício penitenciário
uma laranja
passa como um raio
e vai cair no vaso
como uma pedra
E o prisioneiro
todo sujo de merda
resplandece
todo iluminado de alegria
Ela não me esqueceu
Continua pensando em mim.
PRÉVERT, Jacques. "Le météore" / "O meteoro". In:_____. Poemas. Seleção e tradução de Silviano Santiago. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
30.10.16
Paulo Leminski: "Sossegue coração"
Sossegue coração
Sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora
calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa
LEMINSKI, Paulo. "Sossegue coração". In: MORAES, Eliane Robert (org.).Antologia da poesia erótica brasileira. Cotia: Ateliê, 2015.
27.10.16
Walter Savage Landor: "Epitaph" / "Epitáfio": trad. Nelson Ascher
Com 74 anos, o poeta Walter Savage Landor escreveu um epitáfio para si próprio. Ei-lo, seguido da bela tradução que dele fez o poeta Nelson Ascher:
Epitaph
I strove with none, for none was worth my strife:
Nature I loved and, next to Nature, Art.
I warm`d both hands before the fire of Life;
It sinks; and I am ready to depart.
Epitáfio
Não comprei briga: ninguém deu pro gasto.
Gostava de arte e amei a natureza.
Quentes as mãos do fogo, quase exausto
Da vida, eu me despeço sem tristeza.
LANDOR, Walter Savage. "Epitaph". In: Poetry Foundation. https://www.poetryfoundation.org/poems-and-poets/poems/detail/44562. October 17, 2016.
26.10.16
Arthur Nogueira lança disco PRESENTE em show de que participarei
O
álbum PRESENTE, que meu amigo, o cantor e compositor Arthur
Nogueira, fez para homenagear os meus 70 anos, será lançado no domingo, dia 06 de
novembro, no teatro do SESC Pompeia. Arthur cantará canções cujas letras compus
para parceiros como Adriana Calcanhotto, João Bosco, José Miguel Wisnik, Lulu
Santos, Marina Lima, Orlando Moraes, Roberto Frejat, Waly Salomão e ele mesmo.
E eu recitarei alguns poemas meus e de alguns poetas que admiro. Apareçam! Prometo que estaremos de frente para a plateia.
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24.10.16
Age de Carvaho: "E brilha"
E BRILHA: estar
dentro dela
e poder vê-la -- a Via Láctea,
a trilha ao sem-fim
de mim, estrela
vista
daquele pier de Salinas,
o céu-juventude,
alcoóis, fulgurações
na noite admirada,
comigo
ainda, em viagem.
CARVALHO, Age de. "E brilha". In:_____. Ainda: em viagem. Belém: ed.ufpa, 2015.
22.10.16
Dirce de Assis Cavalcanti: "A ideia de lirismo no selvagem"
A ideia de lirismo no selvagem.
Ser filho de si mesmo, inventar-se,
por mais estranho e diferente
que pareça.
Ser outro em sendo o mesmo.
Tesouro ou castigo. Leveza de rede,
ou peso de pedra, que se carrega,
além da própria força.
Alvoroçar o silêncio,
enchê-lo de palavras,
aniquilar a tristeza com a bomba
explosiva de uma gargalhada.
É tudo uma questão de olhar bem
o que se vê.
Não se deixar esmagar pelo pé
todo poderoso do destino.
CAVALCANTI, Dirce de Assis. "A ideia de lirismo no selvagem". In:_____. Dia a dia. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2016.
21.10.16
Antonio Cicero e Angélica Freitas com Eduardo Coelho, no Núcleo de Estudos de Poesia
No dia 11 do corrente, participei, no PACC -- Programa Avançado de Cutura Contemporânea da UFRJ -- junto com a poeta Angélica Freitas, de uma mesa do Núcleo de Estudos sobre Poesia, concebido pelos professores Eduardo Coelho, Eucanaã Ferraz e Heloisa Buarque de Hollanda. Vejam no YouTube, aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=2s3U-haYooA
18.10.16
Adriano Nunes: "A palavra"
Obrigado por me ter dedicado esse belo poema, Adriano!
"A palavra" - para
Antonio Cicero
A libélula,
Bela como
Ela é,
Bela como
Ela é,
Leve como
Ela é,
Foi lagarta
Ela é,
Foi lagarta
Até. Como
Ela voa
Tão libérrima!
Ela voa
Tão libérrima!
Grita o verso
Incompleto:
"Volta, volta!"
Incompleto:
"Volta, volta!"
A palavra,
Já cansada
De ter asas,
Já cansada
De ter asas,
Pousa na
Folha alva.
O que a aguarda?
Folha alva.
O que a aguarda?
15.10.16
Alexandre O'Neill: "O fanhoso de Minnesota"
Agradeço a Adriano Nunes por me ter chamado a atenção para um texto -- postado por nosso amigo comum Domingos da Mota -- que o grande poeta português Alexandre O'Neill escreveu sobre Bob Dylan mais de quarenta anos atrás:
"Alexandre O'Neill: "O Fanhoso de Minnesota"
Mais do que uma característica vocal, a "fanhosez" (real ou por mim imaginada?) de Bob Dylan é uma qualidade estilística alimentada por uma recusa, um a contrapelo de quem sabe, muito conscientemente, conter-se na efusão do sentimento e, até, "desmentir" no cantar a palavra que canta.
Não que ele desminta a palavra a nível do conceito e da "mensagem". O que acontece é que Dylan a rejeita como lugar-comum cantabile, como repositório-comum de sentimentos pré-catalogados e como air de bravoure. Diríamos que Dylan não maiusculiza nada. As massas verbais que, sem ornatos, debita dão conta de muita coisa bela, grande, divertida ou terrível, mas a força comunicante do trovador está, principalmente, no partido que ele tira da monotonia, repetição e progressão "fanhosas" de um texto maravilhosamente aliado à música. Este é um caminho de voluntária pobreza.
Um mínimo de suporte e de efeitos, para um máximo de comunicação verbal. "Sentir? Sinta quem ouve!", apetece dizer, parafraseando Fernando Pessoa, a propósito do discurso de Bob Dylan.
Isso a que eu chamo de "fanhosez", que musicalmente deve ter uma explicação, muito em particular no campo da balada, ganha em Dylan as características um estilo. Para muitos, tal estilo não passa de maneirismo. Mas Dylan sabe, com e depois de Woody Guthrie, de Pete Seeger e Brassens, que a palavra só move mundos quando é entendida na sua integridade. E Dylan é, também, um excelente poeta, isto é, alguém capaz de entender que "o lirismo é o desenvolvimento de um protesto".
Do "fanhoso" do Minnesota não se poderá dizer, como Flaubert de um cantor de ópera sua criatura: "Havia nele algo de cabeleireiro e de toureiro".
Ponham nele os ouvidos certos baladeiros portugueses e espanhóis que fazem das palavras vazadouros das mais simplesmente sentimentos.
in: Jornal A Capital, 1 de Janeiro de 1974
14.10.16
Wisława Szymborska: "Para o meu próprio poema"
Para o meu próprio poema
Na melhor das hipóteses,
meu poema, você será lido atentamente,
comentado e lembrado.
Na pior das hipóteses
somente lido.
Terceira possibilidade –
embora escrito,
logo jogado no lixo.
Você pode se valer ainda de uma quarta saída –
desaparecer não escrito
murmurando satisfeito algo para si mesmo.
SZYMBORSKA, Wisława. "Para o meu próprio poema". In:_____. Um amor feliz. Seleção e trad. de Regina Przybycien. São Paulo: Companhia das Letras, 2016
12.10.16
Eduardo Rosal: "O sol vinha descalço"
A terra na mão
A terra na mão
o menino brinca
gerações
e gerações
o silêncio
sabe de cor.
Terra –
memória
que não esqueço
de apertar.
ROSAL, Eduardo. "A terra na mão". In:_____. O sol vinha descalço. São Paulo: Pasavento, 2016.
10.10.16
Wilberth Salgueiro: "Presente, de Antonio Cicero"
Leiam, a seguir, o belo ensaio escrito
pelo Professor Wilberth Salgueiro sobre meu poema "Presente". Esse
ensaio foi publicado em Curitiba, no jornal literário Rascunho, nº
198, no corrente mês.
Sob a pele das
palavras | Wilberth Salgueiro
PRESENTE, DE
ANTONIO CICERO
Por que não me deitar sobre este
gramado, se o consente o tempo,
e há um cheiro de flores e verde
e um céu azul por firmamento
e a brisa displicentemente
acaricia-me os cabelos?
E por que não, por um momento,
nem me lembrar que há sofrimento
de um lado e de outro e atrás e à frente
e, ouvindo os pássaros ao vento
sem mais nem menos, de repente,
antes que a idade breve leve
cabelos sonhos devaneios,
dar a mim mesmo este presente?
No início do imprescindível livro Na sala de aula, Antonio
Candido oferece um simples e, ao que parece, esquecido conselho: ALer infatigavelmente o texto analisado é a
regra de ouro do analista. A multiplicação das leituras suscita intuições, que
são o combustível neste oficio. Theodor Adorno chamaria a isso de primazia do objeto: é a
dedicação concentrada àquilo que nos ocupa, envolve, seduz. Seguindo a regra, o
leitor do poema Presente de Antonio Cicero, após idas e
vindas, perceberia tratar‑se de um soneto (sem as divisões estróficas
tradicionais), de versos octossilábicos, com todas as catorze rimas em lei,
composto por apenas dois períodos, ambos interrogativos, e em que o título
coincide com a ambivalente palavra final: presente. Tendo tal estrutura em
vista, o leitor aventura‑se além.
Porventura, a propósito, é o nome do livro (indicado
ao Portugal Telecom), de 2012, onde se abriga o poema Presente. Em vez da previsível
distribuição em estâncias de 4/4/3/3 versos, Cicero prefere o soneto compacto,
de modo a não dispersar no trânsito entre quadras e tercetos o pensamento que
se forja à medida que a leitura avança. Aqui, a despeito da inexistência da
separação espacial, pode‑se, sim, visualizar dois blocos (versos 1‑6 e 7‑14),
demarcados nitidamente pela frase‑pergunta que sustentam. O poema e seu teor
representam bem a dicção filosófica que acompanha a obra do autor de O mundo desde o fim (1995).
Tanto Antonio Carlos Secchin, na orelha de Porventura, quanto Alberto
Pucheu, no volume da coleção Ciranda
da Poesia (Eduerj, 2010)
dedicado a Cicero, apontam o gosto e a afinidade deste com a cultura clássica.
Não será por acaso, assim, que a tópica do carpe
diem destaque‑se do corpo de Presente – desde o título, aliás. Em
síntese, o que deseja o personagem ali projetado? Que ele possa, plenamente,
usufruir de si mesmo, neste momento de comunhão com a natureza, sem nada
exterior obstruir essa intensa fruição. Os signos da natureza transbordam:
gramado, flores, céu, brisa, pássaros, vento compõem um cenário bucólico,
idílico, que não se quer conspurcado. A regularidade rítmica e rímica colabora
sobremaneira para esse enleio a que o poema aspira: o movimento assonante de
todas as catorze rimas externas em /e/ se reforça com outras tantas rimas
internas também em /e/ e encontra eco no êxtase do penúltimo verso – “cabelos sonhos devaneios” em que a ausência de pontuação sugere
que o sujeito parece estar mesmo imerso em si.
Mas todo o clima, todo o desejo, todo o
(diria Freud) princípio de prazer se choca com o princípio de realidade, esse
inimigo da libido, de sonhos e devaneios. O poeta pressente que algo pode
estragar o dêitico momento, “este
presente” desde sempre desdobrado na
simultaneidade de uma “dádiva” e de um “agora”: como um fantasma ou uma
culpa, a sombra do “sofrimento” paira sobe tudo, incontornável, “de um lado e de outro e atrás e
à frente”. Cético, bem que o poeta tenta, retórico, desvencilhar‑se do incômodo
de ter de “lembrar que há
sofrimento”, mas a lembrança insiste, atrapalha, se fixa, constrangedora,
iniludível, nos versos 8 e 9. Na verdade, todo o poema, erguido em torno de
duas perguntas, afirma a dúvida: é possível escrever poemas assim, tão abnegadamente
líricos e subjetivos, enquanto permanece, ubíquo e monstruoso, o sofrimento
humano? A existência concreta do poema dirime a suspeita: sim, é possível. A
resposta, no entanto, está longe de resolver o impasse que a arte tem diante da
história, o artista diante da vida, o valor estético diante do compromisso
ético.
Na célebre Palestra sobre lírica e sociedade (1957), posterior ao texto Crítica cultural e sociedade (1949) em que se registrou o
imperativo de que “escrever um
poema após Auschwitz é um ato bárbaro”, Adorno dirá que “as mais altas composições líricas
são, por isso, aquelas nas quais o sujeito, sem qualquer resíduo da mera
matéria, soa na linguagem, até que a própria linguagem ganha voz”. Aqui me
parece residir o nó górdio e a glória dos versos de Antonio Cicero: o poema faz
duas longas e densas perguntas, mas não as responde. Não as responde porque
ele, o poema, seria a única resposta possível. O poeta deixa claro que não
desconhece a existência soberana do sofrimento, que está “de um lado e de outro e atrás e à
frente”, mas alimenta a hipótese de –diante
de uma brisa que lhe acaricia os cabelos e diante de uma idade que,
supostamente avançada, em breve levará esses mesmos cabelos – deixar-se curtir, quase
epifanicamente, aquele momento: singular e anônimo, pessoal e intransferível.
Mas toda epifania, quando se transforma em
arte, passa a obedecer a diverso modus
faciendi. A abstração vira enigma formal, que o poeta cifra. A experiência
do sujeito, sempre histórica, ganha corpo no poema, feito uma poeira incrustada
numa ranhura de um móvel antigo. O desejo abstrato não é representável; escapa.
Ao poeta compete tentar deixar‑se soar na linguagem, “até que a própria linguagem ganhe voz”.
O poema Presente de Cicero encena tal movimento: em
disfarce de soneto, elabora duas perguntas, com métrica e rimas planejadas,
indagando se é possível, ainda que “por
um momento”, deixar o sofrimento do mundo de lado e, aproveitando (carpe
diem) o que a natureza lhe oferta, dedicar‑se inteiramente a si mesmo; em
suma, “por que não (...) dar a
mim mesmo este presente?”. A resposta está na pergunta: se “este presente” é
o tempo real da experiência vivida e é também a dádiva, o mimo que se ganha em
ocasião especial, então este presente (tempo e dádiva) só pode ganhar forma em
um único lugar: na linguagem. Ou, no caso, no poema que temos à vista. O
presente – este – que
o poeta sempre quer é o poema.
E o sofrimento? Ora, o poema é a prova do
conflito existencial do poeta. Seduzido pelo êxtase epifânico e introspectivo,
que de algum modo o afastaria da dor mundana, o sujeito só pode, no entanto,
optar pela razão do poema, que exige dele cálculos internos (métrica, rimas,
pontuação, elipses, etc.) e que o aproxima de reflexões que incorporam aquele
mesmo sofrimento que não quer, pelo menos "por um momento", lembrar.
Talvez por, exatamente, tanto se “lembrar que há sofrimento/ de um lado e de
outro e atrás e à frente” é que tenha se agigantado tamanha vontade de
esquecimento, hedonismo e alienação, traduzida em carícia, sonho e devaneio. Em Presente, Antonio Cicero
insinua, com delicadeza, que, se na vida real prazer e sofrimento se conflitam,
no espaço fictício do poema se entrelaçam – como
se a dor do sujeito, virando poema, fosse a própria delícia da trama da
linguagem. E por que, se presente (em forma de tempo, dádiva e poema), não
seria?