A propósito da postagem “A imprensa
face ao terrorismo”, recebi um comentário – anônimo, é claro – equivocadíssimo. Como tenho observado muita gente jovem cometer os
mesmos equívocos do autor desse comentário, resolvi, em vez de postá-lo como comentário, reproduzi-lo aqui, numa nova postagem, e criticá-lo, segmento por segmento, equívoco por
equívoco:
"Liberdade de Expressão... Muito complicado. Onde é que existe isso? Qualquer pessoa que passou perto de uma redação de jornal sabe que isso é um mito. Ou como diz, você, "ideologia". O pessoal do Charlie Hebdo batia em gente sem poder. Quem dá bola para religião no Ocidente? Vivemos como queria Goethe: "Quem tem arte e ciência não precisa de religião. Quem não tem arte e ciência, que tenham religião". Ou seja, religião hoje é coisa de gente sem poder e cultura. Dai ser tão fácil se declara ateu (eu sou!). Quantas capas a C.H. dedicou ao turma de Wall Street, que destroem economias e infelicitam milhões de pessoas (vide Espanha, Portugal e Grécia). Dona Angela Merke, a Margaret Thatcher repaginada, foi agraciada com quantas capas dos iconoclastas de araque da C.H.? Ou seja, eles faziam o jogo de sempre da imprensa: livrar a cara dos poderosos e atacar os sem poder. Deviam ser assassinados? Claro que não! Avaliaram mal a situação ao se meter com gente rustica e deu no que deu. Se tivessem se metido com os verdadeiros poderosos teriam apenas perdido o crédito, os anúncios, seriam importunados pelos Impostos, bombeiros, perderiam a revista, mas estariam vivos. Iriam trabalhar no Le Figaro..."
Vejamos:
“Liberdade de
Expressão... Muito complicado. Onde é que existe isso? Qualquer pessoa que
passou perto de uma redação de jornal sabe que isso é um mito. Ou como diz,
você, "ideologia"."
Isso é uma tolice. Há uma diferença enorme entre um país em
que há liberdade de expressão e um país em que a imprensa é controlada e
censurada. No Brasil, qualquer um que tenha vivido durante a ditadura sabe
disso. Só quem (consciente ou inconscientemente) quer, como você, uma ditadura
é que tenta dizer que não há diferença entre a democracia e a ditadura, entre
imprensa controlada e censurada e imprensa livre.
“O pessoal do Charlie
Hebdo batia em gente sem poder. Quem dá bola para religião no Ocidente? Vivemos
como queria Goethe: "Quem tem arte e ciência não precisa de religião. Quem
não tem arte e ciência, que tenham religião". Ou seja, religião hoje é
coisa de gente sem poder e cultura. Dai ser tão fácil se declara ateu (eu
sou!). Quantas capas a C.H. dedicou ao turma de Wall Street, que destroem
economias e infelicitam milhões de pessoas (vide Espanha, Portugal e Grécia). “
Sabe quem defende ardorosamente a religião no Ocidente? Vou
dar um exemplo: a extrema direita do Partido Republicano, nos Estados Unidos. É exatamente quem defende a total liberdade para a turma de Wall
Street que também defende a religião... O que mostra que você não sabe o que está
dizendo. A religião está sempre ao lado dos mais reacionários; e estes, ao lado
dela. Quem foi o maior aliado – ainda que, talvez, involuntariamente – do fascista
George Bush, dando-lhe pretexto para desavergonhadamente desrespeitar os
direitos humanos, senão exatamente o religioso Bin Laden e a religiosa Al
Qaeda? Quem foram os maiores aliados da fascista Marine Le Pen, senão esses
imbecis religiosos que assassinaram a turma do Charlie Hebdo?
“A religião é coisa de gente sem poder e cultura”, diz você. Ou seja, "pobrezinhos dos religiosos!", não é? Mas vejamos o que eles têm, quando estão no poder ou quando
têm armas:
Na Arábia Saudita, o blogueiro Raif Badaw acaba de ser condenado a mil chibatadas
e dez anos de prisão por ter criticado o clero saudita no site Sauditas Livres
e Liberais.
Há alguns dias o grupo islâmico nigeriano Boko Haram matou
2.000 civis, pondo fogo em suas casas.
Há pouco tempo, os fundamentalistas islâmicos do Taliban, do
Paquistão, mataram mais de cem crianças numa escola.
Milhões de mulheres são destituídas de existência pública
nos países em vige a Lei Islâmica. As meninas são proibidas de estudar. As
adúlteras são apedrejadas. Os gays são enforcados.
Quando os cristãos tinham poder, torturaram e mataram de
modo atroz milhões de pessoas, como ficou provado pelo historiador Karlheinz
Dreschner, na sua monumental “História criminal do Cristianismo”.
“Dona Angela Merkel, a
Margaret Thatcher repaginada, foi agraciada com quantas capas dos iconoclastas
de araque da C.H.?”
Angela Merkel – ou melhor, a cabeleira dela na cabeça do
Hollande – foi agraciada com ao menos uma capa intitulada “Os estragos do
modelo alemão”, como você pode ver:
“Ou seja, eles faziam
o jogo de sempre da imprensa: livrar a cara dos poderosos e atacar os sem
poder.”
Afinal, Angela Merkel tem poder ou não, segundo você? E o
Hollande? Quanto aos poderosos economicamente, veja, abaixo, uma capa que critica "a Europa dirigida pelos bancos". Ou seja, você é que está errado, de novo: não
sabe do que está falando.
A última parte do e-mail nem sequer merece comentário.
Obrigado. Alma lavada aqui.
ResponderExcluirhttp://avidanumagoa.blogspot.com.br/2015/01/para-resolver-questao-do.html
ResponderExcluirAdorei voltar a seu blog e lá me encontrar.
ResponderExcluirAbraço
Pena que muita gente não conseguira apreender as ideias de seu texto...pena mesmo!
ResponderExcluirAbraço do Pedra e um 2015 mais cheio de paz para todos!
www.pedradosertao.blogspot.com.br
A.C., talvez você tenha alguma coisa a dizer sobre a prisão, na França, do humorista Diedonné M’bala M’bala. Ele foi preso por escrever no Facebook: “EU SOU CHARLIE COULIBAY’. Veja o que o Ministro do Interior da França disse sobre a frase de Diedonné: “irresponsabilidade, desrespeito e uma propensão a alimentar o ódio e a divisão, e isso é simplesmente insuportável”. Pergunto: o comentário do Ministro não serve também para a turma do “Charlie Hebdo”? Claro, dar a “Legião de Honra” para uns e prender outros por praticarem a mesma atividade, causou imediatamente surpresa e a máquina do discurso ideológico passou rapidamente a funcionar. Um advogado “especialista em liberdade de expressão” ensinou: “A C.H. faz sátira brincalhona a diversos aspectos da vida francesa, enquanto as visões de Diedonné são abertamente políticas e seguem uma agenda racista”. Pergunto eu: quem define o que é uma “sátira brincalhona”? Quem define o que pode ser considerado “abertamente política” e o que é uma “agenda racista”? Eu, Marx, Nietzsche, Lênin, Marcuse, Foucault e - quem sabe? - até você, respondemos sem medo de errar: o PODER!
ResponderExcluirAnônimo,
ResponderExcluirA charge do Charlie Hebdo sobre o Islã criticava, satirizava, desrespeitava a ideologia – isto é, o sistema de ideias – islâmica. Como eu já disse, faz parte do regime efetivamente democrático criticar-se, satirizar-se, desrespeitar-se qualquer ideologia. Por isso, ao fazê-lo, a Charlie Hebdo não cometeu nenhum crime. Ao mesmo tempo, a caricatura considerada ofensiva e, de maneira geral, as ideias da turma da Charlie Hebdo estavam expostas a serem criticadas por qualquer um que quisesse.
O assassinato, porém, é um crime, independentemente de suas motivações. O assassinato terrorista, no caso em questão, tem o agravante de ter sido cometido contra a liberdade de expressão.
A incitação ao crime também é um crime. Pois bem, o Diedonné não apenas apoiou os terroristas, mas, ao fazê-lo, incita outros terroristas reais e virtuais a cometerem crimes semelhantes. Isso é um crime.
Qualquer justificativa a ações promovidas por grupos terroristas é desprezível. Muitas vezes, a juventude ignora qualquer chance mínima de se expressar de forma inteligente. A esses, eu sugiro que passem uma temporada de férias ou, se forem acadêmicos, que façam seus doutorados no Irã, Arábia Saudita, etc. Sugiro isso especialmente aos estudantes de Ciências Sociais que desejam reunir argumentos que reproduzem a velha e ultrapassada dicotomia Oriente X Ocidente. Cicero, I <3 u. JE SUIS LARRY DAVID, JE SUIS MEL BROOKS, JE SUIS JERRY SEINFELD.
ResponderExcluirQuerido Antonio Cicero,
ResponderExcluirQue nunca a voz lhe doa. A inteligência certeira do seu pensamento faz muita falta ao mundo confuso em que vivemos, onde as pessoas se mistificam voluntariamente para não terem de assumir a defesa inabalável dos valores da liberdade e da auto-determinação. O medo alia-se à moda "multicultural" do vale tudo, que não só se substitui ao pensamento como se torna a religião da cobardia. É aliás essa a causa fundamental da expansão do terrorismo. Bem haja!
Inês querida,
ResponderExcluirque bom você passar por aqui! Muito obrigado pelo comentário generoso.
Realmente, as próprias modas intelectuais contemporâneas acabam dando margem às ideologias terroristas. É um absurdo.
Beijo
muito bom ler você , depois de uns tempos afastada do calor dos acontecimentos, obrigada pela lucidez
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