Ontem recebi um convite para participar de uma manifestação do movimento "Índio É Nós". Tendo lido o Manifesto desse movimento, considero-o inteiramente equivocado. Minha posição, nesse ponto, aproxima-se da de Helio Jaguaribe. Eis aqui um excelente artigo dele publicado originalmente no dia 26 de abril de 2008, na Folha de São Paulo,
e ainda atual, sobre essa questão.
As terras indígenas são uma ameaça à soberania nacional?
SIM
O "jardim antropológico" é uma insensatez
HELIO JAGUARIBE
TODOS OS países americanos se confrontaram com a questão
indígena. É indiscutível que em todos eles a relação entre europeus
colonizadores e a população nativa foi originariamente conflituosa. Esse
conflito conduziu ao extermínio das populações costeiras (Brasil), levando os
nativos a se refugiarem no interior remoto de cada um desses países.
É a partir sobretudo do século 19 que se diferenciam a
conduta dos europeus e a de seus descendentes nas Américas. Nos EUA, a opção da
população branca foi o extermínio dos nativos: "a good indian is a dead
indian".
O Brasil não teve política indigenista até o início do
século 20. O índio foi romantizado por José de Alencar e outros. Mas a conduta
real, por parte dos que se adentraram pelo Oeste, foi de espoliação das terras
indígenas, com violenta expulsão dos nativos.
A política indigenista no Brasil não foi,
originariamente, formulada pelo governo federal, e sim por esse grande pioneiro
que foi o general Rondon.
Encarregada da extensão das linhas telegráficas até Cuiabá,
a Missão Rondon, como foi designada, se defrontou com as populações indígenas
do interior do país. A política adotada por Rondon foi a de total respeito aos
índios, reconhecidos como legítimos proprietários das terras.
Meu saudoso pai, general Francisco Jaguaribe de Mattos,
então jovem capitão, foi o geógrafo e cartógrafo da missão. Dele tenho
narrativas diretas de como se procedia então. Seus membros, nos freqüentes
encontros com os índios, os abordavam pacificamente, incorporando os que
desejassem. O lema de Rondon era: "Morrer se necessário, matar,
nunca".
A política indigenista de Rondon partia do suposto de que
o índio era o brasileiro nativo, que devia ser tratado respeitosamente pelos
civilizados e induzido, pacificamente, a se incorporar à cidadania, recebendo
conveniente educação e assistência.
A República manteve a política indigenista de Rondon. De
acordo com suas idéias (ele mesmo tendo ascendência indígena), estimava-se que,
gradualmente, a total população indígena, ora da ordem de 700 mil entre 190
milhões de habitantes, seria incorporada à cidadania brasileira.
Em anos mais recentes, a política indigenista brasileira
passou a ser orientada por etnólogos. Estes, diversamente de Rondon, não
intentavam a pacífica incorporação do índio, mas a preservação das culturas
indígenas. Para isso, adotou-se a prática da delimitação de amplas áreas nos
sítios povoados por índios, como reservas.
A política de reservas vem sendo aplicada sem levar em
conta os imperativos de defesa nacional, o que ocorre nos diversos casos em que
elas se estendem até nossas fronteiras com países vizinhos. As autoridades
militares têm alertado o governo, com toda a razão, sobre o perigo da prática.
Por essas e outras razões, a política indigenista
brasileira requer uma urgente a ampla revisão. Desde logo, independentemente da
nova orientação que se lhe dê, é preciso estabelecer uma faixa que acompanhe as
fronteiras do Brasil com outros países e dela excluir as reservas indígenas. Em
termos mais amplos, importa questionar: que objetivos deve ter tal política,
ademais da proteção do índio?
Por outro lado, a perpetuação de culturas nativas, em que
se fundamenta, no Brasil, a política de reservas, carece de sentido em termos
antropológicos, pois é impossível sustar o processo civilizatório. As
populações civilizadas do mundo são descendentes de populações tribais, que
seguiram, em todos os países, o secular caminho que leva paleolíticos a se
transformarem em neolíticos e estes, em civilizados.
Criar um "jardim
antropológico", à semelhança de um jardim zoológico, é uma insensatez.
Cabe ao governo federal zelar pela unidade do país, e não contribuir para
autonomizar supostas nações indígenas que, no limite do caso, poderiam apelar
para a ONU para lhes salvaguardar a independência e ser objeto de penetração
estrangeira.
A nossa política indigenista não pode ter outro objetivo
senão o da incorporação pacífica do índio à cidadania brasileira, para tal lhe
dando toda a assistência requerida: sanitária, educacional e profissional.