27.2.13

Álvares de Azevedo: "Se eu morresse amanhã"






Se eu morresse amanhã

Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
      Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
      Se eu morresse amanhã!

Que sol! que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
      Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora
A ânsia da glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
      Se eu morresse amanhã!




AZEVEDO, Álvares de. "Se eu morresse amanhã". In: BARBOSA, Frederico. Cinco séculos de poesia. Antologia da poesia clássica brasileira. São Paulo: Landy, 2003.

25.2.13

Dylan Thomas "Do not go gentle into that good night" / "Não vás tão docilmente": trad. Augusto de Campos






Não vás tão docilmente

Não vás tão docilmente nessa noite linda;
Que a velhice arda e brade ao término do dia;
Clama, clama contra o apagar da luz que finda.

Embora o sábio entenda que a treva é bem-vinda
Quando a palavra já perdeu toda a magia,
Não vai tão docilmente nessa noite linda.

O justo, à última onda, ao entrever, ainda,
Seus débeis dons dançando ao verde da baía,
Clama, clama contra o apagar da luz que finda.

O louco que, a sorrir, sofreia o sol e brinda,
Sem saber que o feriu com a sua ousadia,
Não vai tão docilmente nessa noite linda.

O grave, quase cego, ao vislumbrar o fim da
Aurora astral que o seu olhar incendiaria,
Clama, clama contra o apagar da luz que finda.

Assim, meu pai, do alto que nos deslinda
Me abençoa ou maldiz. Rogo-te todavia:
Não vás tão docilmente nessa noite linda.
Clama, clama contra o apagar da luz que finda.



Do not go gentle into that good night

Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn , too late, they grieved it on its way
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, em now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.



THOMAS, Dylan. "Do not go gentle into that good night". In: CAMPOS, Augusto de (trad. e org.). Poesia da recusa.  São Paulo: Perspectiva, 2006.



Para escutar, na voz do autor, essa famosa elegia, que Dylan Thomas escreveu ao saber que seu pai se encontrava à beira da morte, siga o seguinte link:

http://www.poets.org/viewmedia.php/prmMID/15377




23.2.13

Johann Wolfgang von Goethe: de "Wilhelm Meisters Wanderjahre"






Os autores mais originais da modernidade o são, não porque tenham produzido algo novo, mas apenas porque são capazes de dizer as mesmas coisas como se elas jamais antes houvessem sido ditas.



GOETHE, Johann Wolfgang von. "Wilhelm Meisters Wanderjahre": Drittes Buch. In:_____.  Werke. Berlin: Directmedia, 1998.

20.2.13

William Shakespeare: "Sonnet 76" / "Soneto 76": trad. Geraldo Carneiro








Soneto 76

Por que meu verso é sempre tão carente
De mutações e variação de temas?
Por que não olho as coisas do presente
Atrás de outras receitas e sistemas?
Por que só escrevo essa monotonia
Tão incapaz de produzir inventos
Que cada verso quase denuncia
Meu nome e seu lugar de nascimento?
Pois saiba, amor, só escrevo a seu respeito
E sobre o amor, são meus únicos temas.
E assim vou refazendo o que foi feito,
Reinventando as palavras do poema.
   Como o sol, novo e velho a cada dia,
   O meu amor rediz o que dizia.



Sonnet 76

Why is my verse so barren of new pride,
So far from variation or quick change?
Why with the time do I not glance aside
To new-found methods, and to compounds strange?
Why write I still all one, ever the same,
And keep invention in a noted weed,
That every word doth almost tell my name,
Showing their birth, and where they did proceed?
O know sweet love I always write of you,
And you and love are still my argument;
So all my best is dressing old words new,
Spending again what is already spent:
   For as the sun is daily new and old,
   So is my love still telling what is told.





SHAKESPEARE, William. "Sonnet 76". In: CARNEIRO, Geraldo (trad. e org.). O discurso do amor rasgado. Poemas, cenas e fragmentos de William Shakespeare. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.


18.2.13

Gregório de Matos: "A instabilidade das coisas do mundo"







A instabilidade das coisas do mundo

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da luz, se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na luz, falta a firmeza,
Na formosura, não se dê constância,
E na alegria, sinta-se tristeza.

Começa o mundo, enfim, pela ignorância,
E tem qualquer dos bens, por natureza:
A firmeza, somente na inconstância.





MATOS, Gregório de. "A instabilidade das coisas do mundo". In: AMORA, Antônio Soares (org.). Panorama da poesia brasileira. Vol.1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1959.



12.2.13

Mário Cesariny: "Poema"








Poema

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco





CESARINY, Mário. Pena capital. Lisboa: Assírio & Alvim, 1957.

10.2.13

William Shakespeare: "Sonnet XVI" / "Soneto XVI": trad. de Adriano Nunes







Soneto XVI

Por que não usas modo mais viril
Pra lutar contra o Tempo, o sanguinário?
E contra a derrocada, todo o ardil
Mais ditoso que o meu verso ordinário?

Agora te fincas na alegre aurora,
E vero virgem jardim inda intato
Com ardor daria tua grã flora,
Mais símile que teu próprio retrato.

Logo a verve da vida a vida ampara,
Pois, o lápis do Tempo, ou minha pena,
Nem o íntimo valor ou a graça rara,
Aos homens não engendram melhor cena.

Entregando-te a tudo, com certeza,
Permanecerás por tua destreza.




Sonnet XVI

But wherefore do not you a mightier way
Make war upon this bloody tyrant, Time?
And fortify yourself in your decay
With means more blessed than my barren rhyme?

Now stand you on the top of happy hours,
And many maiden gardens yet unset
With virtuous wish would bear your living flowers,
Much liker than your painted counterfeit:

So should the lines of life that life repair,
Which this, Time's pencil, or my pupil pen,
Neither in inward worth nor outward fair,
Can make you live yourself in eyes of men.

To give away yourself keeps yourself still,
And you must live, drawn by your own sweet skill.




NUNES, Adriano. "William Shakespeare: 'Sonnet XVI'. Disp. no site Laringes de Grafite. URL: http://astripasdoverso.blogspot.com.br/2013/02/william-shakespeare-sonnet-xvi.html. Acessado em 09/02/2013.

8.2.13

Eucanaã Ferraz: "Recebei as nossas homenagens"






Recebei as nossas homenagens

Único homem acordado nesta noite, o apartamento
apertado parece imenso; vagueio desacordado de tudo
e sobretudo em desacordo comigo, único homem
acordado no mundo; o teatro estreito assim vazio

parece largo, perambulo absoluto, príncipe estragado;
não dormir é meu palácio; a Dinamarca, diminuta,
parece dilatar-se enquanto palmilho o ar do quarto.
Vem o dia, e o fantasma de meu pai não me aparece.




FERRAZ, Eucanaã. Sentimental. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

5.2.13

Antonio Carlos Secchin: "A Felipe Fortuna, na passagem de seus cinquent'anos"





No domingo passado, dia 3 de fevereiro, o poeta, crítico literário e diplomata Felipe Fortuna comemorou seu aniversário em almoço, no Restaurante Don Camillo, à Avenida Atlântica, ao lado de 50 amigos. Na ocasião, o poeta, crítico literário e acadêmico Antonio Carlos Secchin leu o seguinte, delicioso poema que compôs em homenagem ao aniversariante:




A Felipe Fortuna, na passagem de seus cinquent'anos


Cinquent´anos de Felipe.

Pra começo de conversa,

Nós gostamos muito dele

E achamos que vice-versa.



Sigamos o protocolo

Pertinente a este rito:

Muitas vozes de alegria,

Poucas doses de atrito.



Do talento em prosa e verso

Não há dúvida nenhuma.

O destino atribuiu

A Felipe uma fortuna.



No seu celeiro de musas,

Louise canta em -bemol,

Mas nenhuma se compara
                                             1
À graça de um Jovem Sol.



Brindemos, vinho e verdade,

O excelente anfitrião.

Merece passar de ano

Na escola da sedução.





1. “Jovem Sol” é a tradução portuguesa do nome da esposa coreana de Felipe Fortuna.









3.2.13

Carlos Drummond de Andrade: "Canção amiga"







Canção amiga


Eu preparo uma canção

em que minha mãe se reconheça,
tôdas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.

Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.

Eu distribuo um segrêdo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.

Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.

      ANDRADE, Carlos Dummond de. Poesia 1930-62. Edição crítica. GUIMARÃES, Júlio Castañon (org.). São Paulo: Cosac Naify, 2012.

1.2.13

Antonio Cicero: "Nihil"








Nihil

nada sustenta no nada esta terra
nada este ser que sou eu
nada a beleza que o dia descerra
nada a que a noite acendeu
nada esse sol que ilumina enquanto erra
pelas estradas do breu
nada o poema que breve se encerra
e que do nada nasceu




CICERO, Antonio. Porventura. Rio de Janeiro: Record, 2012.