a outra voz
não adianta, nada neste mundo
pertence a ti, nem essa ínfima parte
que te compete recifrar em arte.
só é teu o circo das desilusões,
o canto das sereias, o naufrágio
no qual perdeu-se a vida, o rumo, a nave,
a memória da ilha em que viveste
o ato inaugural da tua odisséia.
Penélope esgarçou-se em muitas faces,
e mesmo a guerra, com seus alaridos,
só sobrevive nas versões dos bardos.
não há mais ilha, nem há mais princípio:
teu principado é só imaginário.
CARNEIRO, Geraldo. "Balada do impostor".
Poemas reunidos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.
Cicero,
ResponderExcluirlindo! a construção perfeita, com decassílabos. que imagens!
Grato por compartilhar!
Adriano Nunes.
Maravilhoso.
ResponderExcluirComento pouco, mas sigo-o sempre...Belíssimo poema!
ResponderExcluirPostes
ResponderExcluirPostes sobre a rua
Iluminam
E este céu que me separa
passa por mim
como um canto de primavera
pela flor formosa e rara
que escurece vez ou outra
o breu
Logo a flor de açucena
Pequena
Iluminada
Para além do nada
Amanhece lilás azul
Blue
Um canto profundo
Um sonho
Entre as coisas que ponho
Para além do meu eu.
Oi Antônio Cícero,
ResponderExcluirFui Vê-lo na biblioteca de botafogo e adorei o bate-papo.
Vim dar um alô e vi um poema do Geraldo Carneiro, que ótimo.
ABraço grande!
ALine
Cicero,
ResponderExcluirUm poema inédito:
"corpo" - Para Régis Bonvicino.
como concebê-lo
do tarso ao cabelo
sem medo de um erro?
(não seria um erro?)
como revirá-lo
(fala, fome, falo)
no verso, de fato?
com um ritmo exato?
como consegui-lo
agora, em sigilo,
pra vê-lo infinito
sob a luz do escrito?
como conhecê-lo
pela pele, apelo
tátil, em mim mesmo?
(pelo toque, a esmo?)
como dissecá-lo
no vão intervalo
da vida? (que traço
falta? forma? braço?)
como discuti-lo,
sem qualquer grilo,
sem os véus do olvido?
(o que é permitido?)
como descrevê-lo
com esmero, zelo,
sem nenhum tropeço?
(que regra obedeço?)
como desvendá-lo
de vez, num estalo
mágico? (divago...
pra que tanto estrago?)
como descobri-lo
(não será vacilo
dos olhos?) do umbigo
à voz que persigo?
como devolvê-lo
pleno, inteiro ou pelo
menos verdadeiro?
(através do cheiro?)
como repensá-lo,
ao cantar do galo,
conservando o fígado
friamente bicado?
como consumi-lo
(mão, mente, mamilo)
explícito, vivo,
sem um objetivo?
Abração,
Adriano Nunes.
Sou fã da poesia do Geraldo Carneiro!
ResponderExcluirAbraço.
Ricardo Silvestrin
www.ricardosilvestrin.com.br
Cicero,
ResponderExcluirUm poema:
"Ofício" - Para Lêdo Ivo.
Teço versos
Como quem de um segundo a mais de vida precisa,
Como quem um grito de socorro quer dar,
(Onde fica a saída de emergência?)
Como quem não sabe fazer outra coisa
Senão inventar coisas,
Mundos,
Sonhos,
Labirintos, fios, Cretas, grutas,
Espectros,
Espaços,
Gretas,
Grades,
Grécias...
E tudo, em volta do voo, do mergulho,
Pouco a pouco,
Esvai-se
No mar do olvido.
Teço versos
Como quem já não tem silêncios para guardar,
Como quem já perdeu o juízo, o ritmo
De ver o impossível.
Estou preso ao cotidiano.
Que faço com o que não faço?
Não sei fazer nada mesmo
Direito. Nem o verso
Que penso. Nem a forma
De pensá-lo. Nem isso.
Nem o pensamento.
Teço versos
E o dia de amanhã,
Para mim,
É sempre infinito.
Abraço forte.
A. Nunes.