15.8.10

Carlos Pena Filho: "Para fazer um soneto"

Para Fazer um Soneto


Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,
e espere pelo instante ocasional.
Nesse curto intervalo, Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial.

Aí, adote uma atitude avara:
se você preferir a cor local,
não use mais que o sol de sua cara
e um pedaço de fundo de quintal.

Se não, procure a cinza e essa vagueza
das lembranças da infância, e não se apresse;
antes, deixe levá-lo a correnteza.

Mas ao chegar ao ponto em que se tece
dentro da escuridão a vã certeza,
ponha tudo de lado e então comece.



PENA FILHO, Carlos. Melhores poemas. Recife: Global Editora, 2000.

21 comentários:

  1. UMA ORAÇÃO

    "y no que esté mal si las cosas nos encuentran otra vez cada día y son las mismas."
    julio cortázar

    dai-me a luz cruel e alegre
    de uma manhã.

    o sol iletrado
    que aniquila a lua
    como quem mastiga uma hóstia
    com a boca aberta.

    não o visionário, o místico,
    o mediunato. apenas
    o presente,
    o presente lido nas entranhas.

    dai-me assim
    a poesia:
    nascida à noite
    e que vá aos poucos
    amanhecendo...

    ou de chofre,
    tiro bem no olho
    do agouro,
    palavra-espantalho
    que de terrível
    afaste o Corvo,

    sem preparação (mas surpresa),
    como a catástrofe, a alegria,
    por precisão
    e fé na incerteza.

    e não deixeis
    neste dia,
    pelo simples rebrilhar
    na pupila de um verbo,

    que as mesmas coisas
    sejam as mesmas.

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  2. Cicero,


    Uma entrevista minha :

    http://notaderodape-marcelo-novaes.blogspot.com/2010/08/marcelo-conversa-com-adriano-nunes.html


    Abração,
    Adriano Nunes.

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  3. Pérola

    Porque tenho que
    Não ser agora
    Lá fora
    Uma luz verde
    Momento quântico
    Pérola do Atlântico
    Meu ser uma silhueta
    Besteira de segundos
    Dentro dos teus mundos
    Navega pela escuridão
    Andando na contramão.

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  4. Adriano,

    fiquei emocionado com a sua entrevista. E muito obrigado pelas palavras sobre mim.

    Abraço

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  5. muito bonito o soneto!

    o bom gosto prospera por aqui.

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  6. observador,

    um soneto com a divina inspiração das cores e luzes do pintor das palavras.

    emocionante!

    um abraço, cícero.

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  7. Eu adoro metassonetos! Segue abaixo uma pérola francesa com uma (sub)versão minha:

    Quem quiser um soneto, eis aqui meu breviário:
    que exceda a sua matéria a ornamentação,
    erguendo, em pouco espaço, toda construção
    que dá sentido a cada prego necessário;

    embora seja sempre, do vulgar, contrário,
    que seu estilo tenha plena tradução:
    que a unha sulque o verso sem perturbação
    e, nua, a Língua flua ao léu de seu rimário ;

    que contente, Quntílio, o doutor e o ignorante,
    que atraia seu tempero de graça intrigante,
    o espírito mais fino que nele se afia:

    que o conteúdo trame-se à forma da peça
    e, enfim, este tecido, de ponta à cabeça,
    seja de todo urdido pela mesma guia.





    Pierre Poupo ( ?- 1592)

    La muse chrestienne: Livre III

    (XXII)

    Qui veut faire un sonnet, et qui le veut bien faire,
    Il faut que la matière excede l’ornement,
    Serrant en peu d’espace un ample bastiment,
    Ou jusqu’au moindre clou tout y soit necessaire.

    Si le styl figuré s’estrange du vulgaire,
    J’entens qu’il n’ayt pourtant besoing de truchement :
    Que l’ongle sur le vers coule facilement,
    Le François en soit pur, la rime volontaire.

    Qu’il contente, Quintil, le docte et l’ignorant,
    Estant salé par tout d’une grace attirant
    Les esprits à merveille, et non point à risee :

    A son propre subject lié d’un ferme noeu :
    Bref, que le chef, la queuë, et le point du milieu
    Soyent ourdis et tissus d’une mesme fusee.

    Abraço a todos,
    Marcelo Diniz

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  8. Aqui vai outra receita, com um abraço.

    Receita para fazer um Herói

    Tome-se um homem,
    Feito de nada, como nós,
    E em tamanho natural.
    Embeba-se-lhe a carne,
    Lentamente,
    Duma certeza aguda, irracional,
    Intensa como o ódio ou como a fome.
    Depois, perto do fim,
    Agite-se um pendão,
    E toque-se um clarim.

    Serve-se morto.

    De Reinaldo Ferreira poeta Português - Moçambicano (1922-1959)

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  9. Para quem ainda não leu, vale a leitura da entrevista do Adriano Nunes, extremamente didática, eu a usaria em sala de aula, coerente, abrangente, citando as pessoas mais significativas, dando nome aos bois, maravilhosa, massa, e, sobretudo, sincera, valeu, muito aché Adriano, obrigada!

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  10. Alcione,

    Obrigado por suas palavras!


    Grande Marcelo,

    Que linda a tradução e soneto! grato por compartilhar!


    Abração,
    Adriano Nunes.

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  11. Incentivada por Alcione, fui ler a entrevista de ADRIANO NUNES. Amei. terei outro olhar para Adriano que, confesso, sempre achei extremado demais.Pois é justamente isso, (agora vejo) que é legal nele. Ele se entrega. Ele reune maravilhosamente coração e cérebro.

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  12. Grato a você Cícero! Segue um outro de propria lavra sobre a tradução de um soneto:


    Para vertê-lo em outra língua, reza
    que se deve compô-lo em forma fixa;
    que nenhuma lhe exceda, por prolixa,
    das cento e tantas sílabas que preza;

    que o termo chão e o termo que ajaeza
    o estilo nobre e culto que o prefixa
    encontrem a sintaxe que lhe fixa
    a tensão do sentido que o embeleza;

    se é o desejo, de língua, transladá-lo
    e fazê-lo de novo irrepetível,
    para ser-lhe fiel, saiba roubá-lo,

    pois, para que se avulte o mesmo nível,
    mister, enfim, traí-lo ao imitá-lo,
    visto que traduzi-lo é impossível.


    Abraço,

    Marcelo Diniz

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  13. Marcelo, que poema lindo! Valeu!

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  14. Este comentário foi removido pelo autor.

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  15. O poema encheu de azul este meu projeto de dia e me remeteu imediatamente ao "Soneto do Desmantelo Azul" do mesmo autor:

    "Então, pintei de azul os meus sapatos
    por não poder de azul pintar as ruas,
    depois, vesti meus gestos insensatos
    e colori, as minhas mãos e as tuas.

    Para extinguir em nós o azul ausente
    e aprisionar no azul as coisas gratas,
    enfim, nós derramamos simplesmente
    azul sobre os vestidos e as gravatas.

    E afogados em nós, nem nos lembramos
    que no excesso que havia em nosso espaço
    pudesse haver de azul também cansaço.

    E perdidos de azul nos contemplamos
    e vimos que entre nós nascia um sul
    vertiginosamente azul. Azul."

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  16. Talentoso! Gostei demais!

    Abraço!

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  17. faça um soneto, maquie um morto
    com gentileza, desvelo, esquadro.
    dê-lhe um murro pra fique torto
    se doente de tamanho enfado.
    finde a parábola deste esforço
    com a mão, menos palavra que corpo,
    e fale como quem ergue um lázaro.

    ***

    CHÃO DE FÁBRICA MÃO DE FABBRO


    desista.

    um soneto nunca
    soará como beethoven.

    mas você pode arriscar
    outra música: o osso no osso

    – até um soneto, se infestado
    de insetos, talvez soe.

    não desista.
    vença a sensualidade monótona
    das consonâncias.

    faça com claves fortes:

    clave de ?
    clave de !

    com as mãos nuas.

    música reduzida
    à ineludível matéria

    de caco corpo tijolo

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  18. No blogue Estrolabio (estrolabio.blogspot.com)
    organizámos uma maratona poética, com o tema "Arte Poética".
    Não poderíamos estudar alguma forma de colaboração. Embora esta iniciativa que está prevista para o dia 8 de Setembro (entre as 0 e as 24 horas) já esteja completada, talvez pudéssemos estudar alguma futura iniciativa comum. Vamos incluir muitos poetas brasileiros. Vejam, por favor, o que vamos fazer e respondam depois. Saudações amigas.

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