8.5.10
Paulo Henriques Britto: "Acalanto"
Agradeço ao Robson Ribeiro por me ter lembrado de "Acalanto", um dos poemas de que mais gosto do livro "Macau", do Paulo Henriques Britto.
Acalanto
Noite após noite, exaustos, lado a lado,
digerindo o dia, além das palavras
e aquém do sono, nos simplificamos,
despidos de projetos e passados,
fartos de voz e verticalidade,
contentes de ser só corpos na cama;
e o mais das vezes, antes do mergulho
na morte corriqueira e provisória
de uma dormida, nos satisfazemos
em constatar, com uma ponta de orgulho,
a cotidiana e mínima vitória:
mais uma noite a dois, um dia a menos.
E cada mundo apaga seus contornos
ao aconchego de um outro corpo morno.
BRITTO, Paulo Henriques. Macau. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
Cícero,
ResponderExcluirO que eu mais gosto nesse poema é que ele fala de amor, e não de paixão.
Abraço,
JR.
Precisamente, João Renato. É isso que é admirável nesse poema.
ResponderExcluirAbraço
então, a infância de amar, sonetilhos da paixão (e ainda menos).
ResponderExcluirNU FECHANDO A PORTA
teu corpo nu
sob a torneira
de tanto orvalho
teu corpo nu
é todo feito
de abertos lábios
navegações
em manhã clara
traduz o sol
para o alfabeto
das coisas líquidas
o mar vai sempre
arrebentar
em tuas costas
***
SONETO DE CABECEIRA
aberta na cama,
você de você,
suja de semente.
cais, ais, minha carne.
você, anjo no
puteiro de meu
peito-luminoso:
peitos de néon.
rostoventredorso.
na vala onde jaz
vertida, de borco,
sábado do corpo,
aprendo que a morte
também nos esquece.
***
TRÊS INSCRIÇÕES PARA UMA NOITE
1.
aramos nossos corpos
hasteamos a carne
naufragamos os ossos
afiamos a pele
jardinamos os pelos
vozeamos as unhas
rasuramos os lábios
semeamos os dentes
desfazemos em tempo
os nós de cada dedo
elastecemos os
tornozelos acróbatas
abrimos as gavetas
dos olhos e cabelos.
2.
quando eu a vejo,
esparramada
na cama, rama
de musgo e líquen,
de perfil – por
trás de seu ombro –,
também por dentro
de suas coxas,
desejo entrar
na eternidade,
mesmo sabendo
que a faz tão bela
exatamente
o fim das coisas.
3.
você paloma
se esbate cega
em minha pele,
luta e lençol.
lhe oferto um cravo
e nada mais.
nós morreremos?
meu endereço
é a minha carne.
mordemos drágeas
dos amanhãs
ou cianureto.
acordo, no(u)
mau hálito de amanhecer
(e foda-se o soneto), com
um soco de perfume.
r.m.
Nossa, que poema lindo!!!!!
ResponderExcluirO lado lindo da rotina, da rotina amorosa, madura...
ResponderExcluir"inútil como fruta
ResponderExcluirque não foi descascada
e apodreceu no pé,
jaz a semente aguda
profundamente acordada." (trecho de Insônia-Paulo Henriques Britto)
Maravilha de poeta!!! Lindo, lindo!!!
Sutil, delicado. Uma beleza!
ResponderExcluirAconchego, acalanto, amor, corpoemas em Poesia!!!
ResponderExcluirBeijos
Carmen Silvia Presotto
www.vidraguas.com.br
Cicero,
ResponderExcluirBelo demais!
Abração,
A. Nunes.
Excelente: simples, assim.
ResponderExcluirPaulo
Cicero,
ResponderExcluirUm poema novo:
"Silêncio. Meu coração vibra" - Para a minha amada mãe.
É manhã. Nunca saberia
Dizer-te plenamente tudo
Com palavras. Assim me iludo,
Tentando-te dar alegria
Através desses versos. Sonho
O momento raro da vida,
Nós dois ali: n'água fervida,
O café, sem açúcar, ponho.
Sirvo-te, conversamos em
Silêncio. Meu coração vibra
Ao ver-te, Senhora de fibra,
De garra, de rugas também.
É manhã. Teu dia de festa,
Dia de ser filha, avó, pai,
De largar pratos, prantos... Ai!
É mainha, tudo amar nos resta!
Abração,
Adriano Nunes
este poema me causa dor - nem me pergunte porque.
ResponderExcluirBelíssimo poema, Cicero!
ResponderExcluirMas, na verdade, estou aqui para oferecer ao blog "Acontecimentos" o Selo Prêmio Dardos. É uma singela amostra de minha admiração por todos os textos aqui publicados, especialmente, os de tua autoria.
Os detalhes sobre o prêmio estão na última postagem do meu blog:
http://lacunasdotempo.blogspot.com/2010/05/selo-premio-dardos.html
Espia lá!
Beijinhos,
Ane
Cícero,
ResponderExcluirAdmiro muito P.H.Britto. Na maré ondulada que é a construção poética contemporânea, ele consegue unir forma/ritmo/reflexão e, principalmente, poesia.
E Macau, nesse sentido, é o livro mais "assombroso" desses últimos anos.
Cícero,
ResponderExcluirum poema meu.
Ser por estar
com.
ainda que estejam sendo horas
que ora apresento.
Presenteio-me por ora
com cada momento que,
inverso ao efêmero,
vasculha nosso baú do Futuro.
Querida Ane,
ResponderExcluirMuito obrigado pelo prêmio. No momento, por absoluta falta de tempo, não posso tomar as providências que você recomenda (exibir a imagem do selo etc.); mas logo o farei.
Beijo
lindo lindo lindo
ResponderExcluirBelo, belo poema de P.H. Britto!
ResponderExcluirUm poema que escrevi:
logo que chegou ao bar
seu corpo pediu todos os olhares
mas num instante o vi falecer
embaçar.
o corpo que não transpira
derrete
para se molhar em poses.
e assim foi.
sentou-se à cadeira
de pernas cruzadas
e de tão embaraçadas
as pernas se fizeram
grandes bengalas
que assim carregam
a beleza que pesa
e que arrasta no rosto.
ah... mas se este corpo
chegasse
sem dar ares ao cheiro...
se este corpo
escorresse
a água da pele
pelo salão
e borrifasse às minhas narinas...
Um abraço, Cicero!
Jefferson.
Poema magnífico, poeta!
ResponderExcluirAvante!
interessante
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