14.4.09

Manuel Bandeira: "Poema tirado de uma notícia de jornal"

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Poema tirado de uma notícia de jornal

João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.


BANDEIRA, Manuel. "Libertinagem". Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.

28 comentários:

  1. Amado Cicero,


    Você sabe que eu sou louco... por Bandeira!! Sim, um dos maiores poetas de todos os tempos! Ótimo! Ótimo!

    "DESSE CURTO-CIRCUITO VITALÍCIO"

    Assim não se desfez o faz-de-conta:
    A dissimulação se dissipou,
    O verso dessa vez se emancipou,
    Enfim, finda essa vida nunca pronta.


    Por que não se vingou do devaneio,
    Por que se envenenou com a verdade,
    Por que se embriagou contra a vontade?
    Se somente voltar ao barro, creio


    Na criatividade do Poeta
    Dos óvulos do Verbo, do Princípio
    Das mulheres, dos homens, na proveta


    Das luzes e das trevas, do Início
    Da relatividade circunspeta
    Desse curto-circuito vitalício!


    Abraço fraterno!
    Adriano Nunes.

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  2. Cicero,
    Um poema antigo que eu fiz para o Mariano:

    "MÁQUINA POÉTICA"



    Não acorda.
    À porta da madrugada,
    Está desperta
    Para o agora,
    Desde a Criação.


    Sempre pronta
    Para o vácuo
    Dinâmico da palavra,
    A palavra-pólvora,
    A palavra-prótese,
    Sem trauma,
    Sem treva,
    Sem trégua.


    As suas roldanas,
    Os seus ruídos,
    Sua roda-viva,
    Não seguem leis,
    Pouco ponderam.


    Os seus parafusos
    Soltos, vis vassalos
    Do devir,
    Sorvem só
    O seu ofício: sacrifício
    De formas
    Disformes
    Que devem nascer
    Sob o fórceps
    Do nada.


    Sua engrenagem
    Grita,
    A vida varre,
    Morde a morte
    E cansaço ( de que
    É feito o seu aço,
    Não se sabe)
    Não se vê.


    A sua alma
    Não soa alarme,
    Pisca vaga-lume,
    Coaxa sapo,
    Badala sino,
    Mas sangra,
    Toda manhã,


    Poesia viva
    Que não coagula.
    Nunca dorme.



    Abraço fraterno!
    Adriano Nunes.

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  3. Olha só, não sei se está completo, se terei que desenvolver mais uma estrofe, ou se elimino a segunda e a terceira, me bastando só na primeira. De qualquer maneira, estou aberto a opiniões. O fato é que está quente como o pão que se compra às cinco da matina...


    o pugilista e o camaleão

    seco dos socos flechados
    no saco
    molhado pelo que mina dos poros
    em sal
    o pugilista lagarteia a sombra
    de seta
    da cabeça convulsa do camaleão

    da temperatura de réptil, o sangue frio
    a ritmar todo o corpo em instinto,
    seu dilema entre predador e presa,
    a condição do movimento medido,
    desmedida à demanda de improviso,
    lagarteia no camaleão o pugilista.

    cada golpe na ponta da língua,
    dois punhos no lugar de um rabo,
    sua investida em dissimulação,
    mais a fervura do sangue de bicho
    já desmamado de seio e de sol,
    lagarteia no pugilista o camaleão.

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  4. Cicero,

    que poema bruto! em mim, pelo menos, evoca muitas das emoções do Construção de Chico Buarque - muito pouco fáceis, apesar de ambos os poemas serem lindos.

    abraço,
    Filipa.

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  5. fiquei a pensar. o poema martela, mas talvez bruto, não seja a palavra mais certa. ou ele é bruto porque a queda é repentina. é abrupto. (aliás como o Construção) - isto faz sentido?

    +1 abraço,
    F.

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  6. Caro Antonio Cícero,

    Belo poema este de Manuel Bandeira, na linha da sua POÉTICA, «Estou farto do lirismo comedido/do lirismo comportado (...)».

    Excelente.

    Domingos da Mota

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  7. Querido Cicero,

    lembro que li esse poema pela primeira vez ainda criança e foi um choque. Imagine você o quanto fiquei impressionado com o Bandeira.Uma grata surpresa encontrá-lo aqui.

    Um beijo, meu poeta.

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  8. Bandeira foi um poeta que entendia muito de prosa...
    Não lhe parece, Cícero,
    que aqui, em vez de alimentar sua poesia com o prosaico (coisa que fez melhor do que ninguém), ele construiu, com sua ironia peculiar, uma prosa cuja poesia é totalmente extrínseca ao texto?
    Eu diria, usando um jargão, que a poesia fica exclusivamente por conta do leitor.

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  9. Cícero,

    Bandeira é mesmo o poeta de todos os tempos. Da infância, da juventude libertina, dos cinquent'anos - na saúde e, principalmente, na doença. Salve o Pneumotórax.

    Aproveito para convidá-lo ao meu espaço:

    www.felipevelho.blogspot.com

    Um abraço.

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  10. Como gosto desta poesia..reta, lisa, essencial.

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  11. Caro Fred,

    Acho que esse poema, sendo “tirado de uma notícia de jornal”, é quase um ready-made. Infelizmente, não li a notícia da qual ele foi retirado, para saber. Mas já o nome João Gostoso, já o fato de João Gostoso ser carregador de feira-livre, já o fato de João Gostoso, sendo carregador de feira-livre, morar no morro da Babilônia, já o fato de João Gostoso, carregador de feira livre e morando no morro da Babilônia, lá morar num barracão sem número: e, de novo, o fato de alguém que more no morro da Babilônia, num barracão sem número, chamar-se João Gostoso: tudo isso é poético; e esse personagem chegou no bar Vinte de Novembro / bebeu / cantou / dançou / depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado: tudo isso é de uma poesia cômica e trágica. Mas milhares e milhares de pessoas devem ter lido essa notícia sem lhe dar a menor importância. Bandeira sacou e fez o poema.
    A divisão dos versos me parece extremamente poética. Considere o final: Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro / bebeu / cantou / dançou / depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado. Aos versos de uma só palavra que contam o que ele fez, resumindo, em três palavras (bebeu / cantou / dançou) a sua vida inteira, segue-se um verso longo e prosaico e, no entanto, vertiginosamente poético, pois, com suas onze palavras e quinze sílabas equivale, no espaço-tempo do verso, a cada um dos três versos de uma palavra e duas sílabas que o antecedem. E esse verso corrido corresponde à morte vertiginosa e absurda de João Gostoso (atirou-se por que? Por embriaguez? Por loucura? Para se exibir? Imaginou que soubesse nadar, quando não sabia? Queria matar-se e já bebeu, cantou, dançou planejando esse suicídio?). Mistério.

    Abraço

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  12. Adoro esse poema.
    Também adoro os teus.
    Dá uma olhadinha no primeiro do meu blog.
    Vê o que você acha.

    Beijo

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  13. Oi, Cícero.
    Assisti ao Pan Cinema Permanente. Não assisti aos outros dois aos quais você se refere.
    O filme começou e me envolvi a princípio exatamente como a relação entre o ritmo das imagens e a narrativa do início da vida poética de Wally Salomão.
    Achei muita graça naquela fala de Caetano sobre o talento de Wally para provocar performances teatrais dos seus interlocutores. Acho isso um talento raro...
    Mas quando filme foi passando da metada, aquelas imagens da Amazônia e aquelas falas me pareceram muito herméticas e feias. Achei feias as imagens. E no final a voz da filha de Vinícius falando do agonia de Wally me pareceu de mau gosto, sentimental. Confesso que talvez seja porque é crua. Talvez mostrar a morte como algo cru tenha sido o desejo de Carlos Nader. Não sei, ainda estou pensando naquela narrativa da morte...
    Adorei a cene em que você lê um poema à la Wally e se emociona no final. Lindo aquilo, coisa de amigo, de irmão. Muito bonita a cena.
    Um abraço.
    Társis (Salvador-Bahia)

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  14. Amado Cicero,


    "UM SENTIMENTO SOU"


    Um sentimento sou, sem coração.
    Esse quase silêncio, quase vácuo
    Esquecido no tempo: talvez árduo
    Pensamento poético, mas não


    Programada razão. Tudo seria
    Protegido de mim: o meu poema
    Gira em volta da vida dele apenas,
    Sem a finalidade da grafia.


    Então, livre de regras, tudo teço:
    Sonetos, esqueletos de palavras,
    Estruturas inertes sem começo,


    Vastos desassossegos. Em minh'alma,
    Guardo um esconderijo, um endereço
    Onde toda alegria sempre acaba!


    Abraço forte!
    Adriano Nunes.

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  15. caríssimo Cícero,
    eu diria, complementando o que disse a Karina, que suas palavras enchem de poesia o poema disfarçado de prosa.
    O poeta, afinal, não é apenas aquele que escreve poemas, mas também aquele que detecta a poesia em qualquer lugar.

    forte abraço!

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  16. Antonio,

    Excelentes postagem e análise poética! Parabéns!


    "GRITO"


    Rompe a laringe
    E sai: constritor
    Apelo poético,
    Muscular motor.
    Que grutas atinge?


    Que dores esconde?
    Tudo agride dentro
    Com seu fugaz eco.
    Depois, foge a tempo,
    Para bem mais longe


    Do alcance dos dentes,
    Da boca, da língua,
    Silêncio simétrico,
    Dessa vez à míngua,
    Rouco, recorrente.


    Um grito profundo,
    Rugido de bicho
    Ferido no ego,
    Sem vida, sem nicho,
    Procurando o mundo!




    Beijos,
    Cecile.

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  17. eu de novo,

    estranhamente,meu último comentário aparece como tendo sido postado por bernardo_rox. repito-o, portanto.

    caríssimo Cícero,
    eu diria, complementando o que disse a Karina, que suas palavras enchem de poesia o poema disfarçado de prosa.
    O poeta, afinal, não é apenas aquele que escreve poemas, mas também aquele que detecta a poesia em qualquer lugar.

    forte abraço!

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  18. Obrigado, Fred.
    Que estranho isso de ter vindo trocado o nome!
    Abraço

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  19. É isso! quase um ready-made que Bandeira pinçou do jornal,trabalhou a forma(q vc analisou com beleza).Esta constatação dá novo prazer pois é perfeita.

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  20. pois é! mas como a postagem não foi feita no meu computador, talvez esse outro nome já estivesse pré-gravado. É a única explicação plausível...

    abraço.

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  21. Antonio Cicero,

    A aula que você deu no comentário em 15 de Abril de 2009 20:41 é maravilhosa.

    Lugar de aprender.

    Abraços

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  22. Cicero, muito bacana o poema do Bandeira. Lindo. Genial. Melhor ainda o seu texto sobre o poema postado em 15 de abril. Te amo, Cícero!

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  23. Waldir,

    Que bom te ter por aqui! Também te amo!

    Beijo

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  24. GOSTARIA DE SABER POR QUE"JOÃO GOSTOSO"?

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  25. Hummm..... bela pergunta. Será porque era um namorador incorrigível? Era aquele cara que quando chegava no bar encantava a todos; homens e mulheres? Era um cara fisicamente bem delineado? Já havia "experimentado" ele? Bem, são algumas das possibilidades. Mas com seu suicídio.....

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  26. A revista Piauí do mês passado, se não me engano, traz um texto imperdível mostrando a descoberta da notícia no jornal carioca "Beira-mar", no Natal de 1925. Quem se interessar pode procurar na Hemeroteca Digital Brasileira, um site da Fundação Biblioteca Nacional. Pra quem gosta de poesia, é o equivalente a tropeçar numa nota perdida de cem reais.

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