.
Poema tirado de uma notícia de jornal
João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
BANDEIRA, Manuel. "Libertinagem". Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.
Amado Cicero,
ResponderExcluirVocê sabe que eu sou louco... por Bandeira!! Sim, um dos maiores poetas de todos os tempos! Ótimo! Ótimo!
"DESSE CURTO-CIRCUITO VITALÍCIO"
Assim não se desfez o faz-de-conta:
A dissimulação se dissipou,
O verso dessa vez se emancipou,
Enfim, finda essa vida nunca pronta.
Por que não se vingou do devaneio,
Por que se envenenou com a verdade,
Por que se embriagou contra a vontade?
Se somente voltar ao barro, creio
Na criatividade do Poeta
Dos óvulos do Verbo, do Princípio
Das mulheres, dos homens, na proveta
Das luzes e das trevas, do Início
Da relatividade circunspeta
Desse curto-circuito vitalício!
Abraço fraterno!
Adriano Nunes.
Nossa
ExcluirNossa
ExcluirCicero,
ResponderExcluirUm poema antigo que eu fiz para o Mariano:
"MÁQUINA POÉTICA"
Não acorda.
À porta da madrugada,
Está desperta
Para o agora,
Desde a Criação.
Sempre pronta
Para o vácuo
Dinâmico da palavra,
A palavra-pólvora,
A palavra-prótese,
Sem trauma,
Sem treva,
Sem trégua.
As suas roldanas,
Os seus ruídos,
Sua roda-viva,
Não seguem leis,
Pouco ponderam.
Os seus parafusos
Soltos, vis vassalos
Do devir,
Sorvem só
O seu ofício: sacrifício
De formas
Disformes
Que devem nascer
Sob o fórceps
Do nada.
Sua engrenagem
Grita,
A vida varre,
Morde a morte
E cansaço ( de que
É feito o seu aço,
Não se sabe)
Não se vê.
A sua alma
Não soa alarme,
Pisca vaga-lume,
Coaxa sapo,
Badala sino,
Mas sangra,
Toda manhã,
Poesia viva
Que não coagula.
Nunca dorme.
Abraço fraterno!
Adriano Nunes.
Olha só, não sei se está completo, se terei que desenvolver mais uma estrofe, ou se elimino a segunda e a terceira, me bastando só na primeira. De qualquer maneira, estou aberto a opiniões. O fato é que está quente como o pão que se compra às cinco da matina...
ResponderExcluiro pugilista e o camaleão
seco dos socos flechados
no saco
molhado pelo que mina dos poros
em sal
o pugilista lagarteia a sombra
de seta
da cabeça convulsa do camaleão
da temperatura de réptil, o sangue frio
a ritmar todo o corpo em instinto,
seu dilema entre predador e presa,
a condição do movimento medido,
desmedida à demanda de improviso,
lagarteia no camaleão o pugilista.
cada golpe na ponta da língua,
dois punhos no lugar de um rabo,
sua investida em dissimulação,
mais a fervura do sangue de bicho
já desmamado de seio e de sol,
lagarteia no pugilista o camaleão.
Cicero,
ResponderExcluirque poema bruto! em mim, pelo menos, evoca muitas das emoções do Construção de Chico Buarque - muito pouco fáceis, apesar de ambos os poemas serem lindos.
abraço,
Filipa.
fiquei a pensar. o poema martela, mas talvez bruto, não seja a palavra mais certa. ou ele é bruto porque a queda é repentina. é abrupto. (aliás como o Construção) - isto faz sentido?
ResponderExcluir+1 abraço,
F.
Caro Antonio Cícero,
ResponderExcluirBelo poema este de Manuel Bandeira, na linha da sua POÉTICA, «Estou farto do lirismo comedido/do lirismo comportado (...)».
Excelente.
Domingos da Mota
Querido Cicero,
ResponderExcluirlembro que li esse poema pela primeira vez ainda criança e foi um choque. Imagine você o quanto fiquei impressionado com o Bandeira.Uma grata surpresa encontrá-lo aqui.
Um beijo, meu poeta.
Bandeira foi um poeta que entendia muito de prosa...
ResponderExcluirNão lhe parece, Cícero,
que aqui, em vez de alimentar sua poesia com o prosaico (coisa que fez melhor do que ninguém), ele construiu, com sua ironia peculiar, uma prosa cuja poesia é totalmente extrínseca ao texto?
Eu diria, usando um jargão, que a poesia fica exclusivamente por conta do leitor.
Cícero,
ResponderExcluirBandeira é mesmo o poeta de todos os tempos. Da infância, da juventude libertina, dos cinquent'anos - na saúde e, principalmente, na doença. Salve o Pneumotórax.
Aproveito para convidá-lo ao meu espaço:
www.felipevelho.blogspot.com
Um abraço.
Como gosto desta poesia..reta, lisa, essencial.
ResponderExcluirCaro Fred,
ResponderExcluirAcho que esse poema, sendo “tirado de uma notícia de jornal”, é quase um ready-made. Infelizmente, não li a notícia da qual ele foi retirado, para saber. Mas já o nome João Gostoso, já o fato de João Gostoso ser carregador de feira-livre, já o fato de João Gostoso, sendo carregador de feira-livre, morar no morro da Babilônia, já o fato de João Gostoso, carregador de feira livre e morando no morro da Babilônia, lá morar num barracão sem número: e, de novo, o fato de alguém que more no morro da Babilônia, num barracão sem número, chamar-se João Gostoso: tudo isso é poético; e esse personagem chegou no bar Vinte de Novembro / bebeu / cantou / dançou / depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado: tudo isso é de uma poesia cômica e trágica. Mas milhares e milhares de pessoas devem ter lido essa notícia sem lhe dar a menor importância. Bandeira sacou e fez o poema.
A divisão dos versos me parece extremamente poética. Considere o final: Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro / bebeu / cantou / dançou / depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado. Aos versos de uma só palavra que contam o que ele fez, resumindo, em três palavras (bebeu / cantou / dançou) a sua vida inteira, segue-se um verso longo e prosaico e, no entanto, vertiginosamente poético, pois, com suas onze palavras e quinze sílabas equivale, no espaço-tempo do verso, a cada um dos três versos de uma palavra e duas sílabas que o antecedem. E esse verso corrido corresponde à morte vertiginosa e absurda de João Gostoso (atirou-se por que? Por embriaguez? Por loucura? Para se exibir? Imaginou que soubesse nadar, quando não sabia? Queria matar-se e já bebeu, cantou, dançou planejando esse suicídio?). Mistério.
Abraço
Adoro esse poema.
ResponderExcluirTambém adoro os teus.
Dá uma olhadinha no primeiro do meu blog.
Vê o que você acha.
Beijo
Oi, Cícero.
ResponderExcluirAssisti ao Pan Cinema Permanente. Não assisti aos outros dois aos quais você se refere.
O filme começou e me envolvi a princípio exatamente como a relação entre o ritmo das imagens e a narrativa do início da vida poética de Wally Salomão.
Achei muita graça naquela fala de Caetano sobre o talento de Wally para provocar performances teatrais dos seus interlocutores. Acho isso um talento raro...
Mas quando filme foi passando da metada, aquelas imagens da Amazônia e aquelas falas me pareceram muito herméticas e feias. Achei feias as imagens. E no final a voz da filha de Vinícius falando do agonia de Wally me pareceu de mau gosto, sentimental. Confesso que talvez seja porque é crua. Talvez mostrar a morte como algo cru tenha sido o desejo de Carlos Nader. Não sei, ainda estou pensando naquela narrativa da morte...
Adorei a cene em que você lê um poema à la Wally e se emociona no final. Lindo aquilo, coisa de amigo, de irmão. Muito bonita a cena.
Um abraço.
Társis (Salvador-Bahia)
Amado Cicero,
ResponderExcluir"UM SENTIMENTO SOU"
Um sentimento sou, sem coração.
Esse quase silêncio, quase vácuo
Esquecido no tempo: talvez árduo
Pensamento poético, mas não
Programada razão. Tudo seria
Protegido de mim: o meu poema
Gira em volta da vida dele apenas,
Sem a finalidade da grafia.
Então, livre de regras, tudo teço:
Sonetos, esqueletos de palavras,
Estruturas inertes sem começo,
Vastos desassossegos. Em minh'alma,
Guardo um esconderijo, um endereço
Onde toda alegria sempre acaba!
Abraço forte!
Adriano Nunes.
caríssimo Cícero,
ResponderExcluireu diria, complementando o que disse a Karina, que suas palavras enchem de poesia o poema disfarçado de prosa.
O poeta, afinal, não é apenas aquele que escreve poemas, mas também aquele que detecta a poesia em qualquer lugar.
forte abraço!
Antonio,
ResponderExcluirExcelentes postagem e análise poética! Parabéns!
"GRITO"
Rompe a laringe
E sai: constritor
Apelo poético,
Muscular motor.
Que grutas atinge?
Que dores esconde?
Tudo agride dentro
Com seu fugaz eco.
Depois, foge a tempo,
Para bem mais longe
Do alcance dos dentes,
Da boca, da língua,
Silêncio simétrico,
Dessa vez à míngua,
Rouco, recorrente.
Um grito profundo,
Rugido de bicho
Ferido no ego,
Sem vida, sem nicho,
Procurando o mundo!
Beijos,
Cecile.
eu de novo,
ResponderExcluirestranhamente,meu último comentário aparece como tendo sido postado por bernardo_rox. repito-o, portanto.
caríssimo Cícero,
eu diria, complementando o que disse a Karina, que suas palavras enchem de poesia o poema disfarçado de prosa.
O poeta, afinal, não é apenas aquele que escreve poemas, mas também aquele que detecta a poesia em qualquer lugar.
forte abraço!
Obrigado, Fred.
ResponderExcluirQue estranho isso de ter vindo trocado o nome!
Abraço
É isso! quase um ready-made que Bandeira pinçou do jornal,trabalhou a forma(q vc analisou com beleza).Esta constatação dá novo prazer pois é perfeita.
ResponderExcluirpois é! mas como a postagem não foi feita no meu computador, talvez esse outro nome já estivesse pré-gravado. É a única explicação plausível...
ResponderExcluirabraço.
Antonio Cicero,
ResponderExcluirA aula que você deu no comentário em 15 de Abril de 2009 20:41 é maravilhosa.
Lugar de aprender.
Abraços
Cicero, muito bacana o poema do Bandeira. Lindo. Genial. Melhor ainda o seu texto sobre o poema postado em 15 de abril. Te amo, Cícero!
ResponderExcluirWaldir,
ResponderExcluirQue bom te ter por aqui! Também te amo!
Beijo
GOSTARIA DE SABER POR QUE"JOÃO GOSTOSO"?
ResponderExcluirHummm..... bela pergunta. Será porque era um namorador incorrigível? Era aquele cara que quando chegava no bar encantava a todos; homens e mulheres? Era um cara fisicamente bem delineado? Já havia "experimentado" ele? Bem, são algumas das possibilidades. Mas com seu suicídio.....
ResponderExcluirA revista Piauí do mês passado, se não me engano, traz um texto imperdível mostrando a descoberta da notícia no jornal carioca "Beira-mar", no Natal de 1925. Quem se interessar pode procurar na Hemeroteca Digital Brasileira, um site da Fundação Biblioteca Nacional. Pra quem gosta de poesia, é o equivalente a tropeçar numa nota perdida de cem reais.
ResponderExcluir