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Quando fores bem velha
Quando fores bem velha, à noite, á luz da vela
Junto ao fogo do lar, dobando o fio e fiando,
Dirás, ao recitar meus versos e pasmando:
Ronsard me celebrou no tempo em que fui bela.
E entre as servas então não há de haver aquela
Que, já sob o labor do dia dormitando,
Se o meu nome escutar não vá logo acordando
E abençoando o esplendor que o teu nome revela.
Sob a terra eu irei, fantasma silencioso,
Entre as sombras sem fim procurando repouso:
E em tua casa irás, velhinha combalida,
Chorando o meu amor e o teu cruel desdém.
Vive sem esperar pelo dia que vem;
Colhe hoje, desde já, colhe as rosas da vida.
Quando vous serez bien vieille
Quand vous serez bien vieille, au soir à la chandelle,
Assise auprès du feu, dévidant et filant,
Direz chantant mes vers, en vous émerveillant :
« Ronsard me célébrait du temps que j'étais belle. »
Lors vous n'aurez servante oyant telle nouvelle,
Déjà sous le labeur à demi sommeillant,
Qui au bruit de mon nom ne s'aille réveillant,
Bénissant votre nom, de louange immortelle.
Je serai sous la terre et, fantôme sans os,
Par les ombres myrteux je prendrai mon repos ;
Vous serez au foyer une vieille accroupie,
Regrettant mon amour et votre fier dédain.
Vivez, si m'en croyez, n'attendez à demain :
Cueillez dès aujourd'hui les roses de la vie.
RONSARD, Pierre de. "Poèmes pour Hélène". In: ALLEM, Maurice. Anthologie poétique française: XVI siècle. Paris: Garnier-Flammarion, 1965.
RONSARD, Pierre. "Soneto a Helena". In: MAGALHÃES JÚNIOR, R. Antologia de poetas franceses (do século XV ao século XX).Rio de Janeiro: Gráfica Tupy, 1950.
O que restou do tempo
ResponderExcluirE de teu olhar vadio?
Folhas levadas ao vento
Caem e flutuam no rio.
«carpe diem», Horácio (Odes,I,11,8)
ResponderExcluirDomingos da Mota
Não conheço Ronsard, mas sobretudo pelo título e início do poema, me lembrou muito outro de Yeats, que envio abaixo, na tradução do Paulo Vizioli:
ResponderExcluirQuando velha e grisalha
Quando velha e grisalha e exausta ao fim do dia
Tu cabeceares junto ao fogo, vem folhear
Lentamente este livro, e lembra o doce olhar
E as sombras densas que nos olhos teus havia;
Quantos, com falsidade ou devoção sincera,
Amaram-te a beleza e a graça da menina!
Um só, porém, amou tua alma peregrina,
E amou as dores desse rosto que se altera.
E junto às brasas, inclinando-se sobre elas,
Murmura, um pouco triste, como o amor distante
Passou por cima das montanhas adiante
E escondeu sua face entre um milhão de estrelas.
Abraços!
Aluysio
Eu simplesmente adoro Ronsard e lê-lo aqui, com a arrojada versão de Guilherme de Almeida, é um prazer imenso. Envio uma versão minha para um outro soneto do francês.
ResponderExcluirJe vous donne des œufs. L'œuf en sa forme ronde
semble o Ciel, qui peut tout en ses bras enfermer,
le feu, l'air et la terre, et l'humeur de la mer,
et sans estre comprins, comprend tout en ce monde.
La taye semble à l'air, et la glere feconde
semble à la mer qui fait toutes choses germer;
L'aubin ressemble au feu qui peut tout animer,
La coque en pesanteur comme la terra abonde.
Et le Ciel et les œufs de blancheur sont couvers.
Je vous donne, en donnant un œuf, tout l'Univers:
divin est le present, s'il vous est agreable.
Mais bien qu'il soit parfait, il ne peut egaler
vostre perfection qui n'a point de semblable,
dont les Deux seulement sont dignes de parler
São ovos que te dou, pois um ovo rotundo,
semelhante ao Céu, tudo em si pode abraçar,
o fogo, o ar e a terra, e todo o humor do mar,
e, incontido, contém tudo que há neste mundo,
A tez da cor mais clara engloba este profundo
oceano que, num ovo, pode germinar;
e, igual ao fogo, tudo parece animar,
ávido como a terra, seu núcleo fecundo.
E na brancura, Céu e ovos estão imersos.
Ao dar-te, pois, um ovo, dou-te o Universo:
divino é este presente, se tanto te agrada.
Porém, por mais perfeito, um ovo não se iguala
à perfeição que em ti jamais seja igualada
e de que apenas Deuses são dignos de fala.
Espero que ao gosto.
Forte abraço,
Marcelo Diniz
Desculpe-me se me excedo. Mais um de Ronsard:
ResponderExcluirJ'ai désiré cent fois me transformer, et d'être
un esprit invisible, afin de me cacher
au fond de votre cœur, pour l'humeur rechercher
qui vous fait contre moi si cruelle apparaître.
Si j'étais dedans vous, au moins je serais maître
de l'humeur qui vous fait contre l'Amour pêcher,
et si n'auriez ni pouls, ni nerfs dessous la chair,
que je ne recherchasse à fin de vous connaître.
Je saurais malgré vous et vos complexions,
toutes vos volontés, et vos conditions,
et chasserais si bien la froideur de vos veines,
que les flammes d'Amour vous allumeriez:
puis quand je les verrais de son feu toutes pleines,
je me referais homme, et lors vous m'aimeriez.
Cem vezes desejei ver-me transformado
em um ser invisível para me ocultar
no fundo de teu peito e, então, desbaratar
o humor que em ti me faz ser sempre desdenhado.
Estivesse eu em ti, talvez fosse-me dado
saber o que te faz contra o Amor pecar,
e veia alguma, nervo algum iria deixar
sem percorrer atrás de um bem tão desejado.
Embora tua frieza cruel insistisse,
daria a tua vontade tudo o que exigisse
a fim de te abrasar por tuas próprias veias
com as chamas do Amor que de mim escondias:
e quando eu descobrisse como te incendeias,
a minha forma humana, enfim, tu amarias.
Grande abraço,
Marcelo Diniz
Amado Cicero,
ResponderExcluirBelo soneto!
Eis o meu soneto mais recente:
"CHANTAGEM"
Estou sem tempo para meus poemas.
Venho vivendo de grande improviso.
De vez em quando de nós dois preciso.
Depois, pesquiso minha vida apenas
Nos versos frágeis feitos pra você.
Escondo tudo do meu coração.
Eu deveria perceber quais são
Os vãos motivos vindos do meu ser,
Para supor sincero o nosso amor.
Encontro sonhos prontos nas palavras,
Em seus sentidos, onde as posso pôr.
Nunca nos resta, por que, quase nada?
Quando, de súbito, termina a dor,
O seu vestígio, meu soneto traga.
Beijo imenso!
Adriano Nunes.
Antonio,
ResponderExcluirIntenso, belo.
***POR POUCO***
Solto os bichos todos.
O poema não
Quer pouco: a razão,
Quem precisará
Dela? Que nos resta
Do verso, do nicho
Poético, lar
Dos sonhos, dos loucos?
Por qual grande fresta
Fugiremos disso,
De todo capricho
Desse mal? São tão
Diversos os vãos
Desse coração,
Desse ser sem corpo.
Beijos,
Cecile.
Caro Aloysio,
ResponderExcluirVocê lembrou bem. O poema de Yeats (século XX) se inspirou no de Ronsard (século XVI). O crítico Humbert Wolfe, escrevedo em 1934, disse: Essa única linha (Quand vous serez vien vieille, au soir, à la chandelle") ressoou nos ouvidos dos poetas atraveés dos séculos. Suprema em si, ela pariu rebentos da raça divina. E quando W.B. Yeats escreveu sua versão: "When you are old and grey and full of sleep", estava, em nome da poesia inglesa, pagando o supremo tributo ao grande francês, que ele foi capaz de imitar, mas não de igualar".
Abraço
Maravilha, Marcelo! Obrigado!
ResponderExcluirAbraço
Cecile,
ResponderExcluirmuito bom. Parabéns!
Abraço
Querido Cicero,
ResponderExcluirbelíssimo poema! E que interessante essa declaração de Wolfe sobre Ronsard e Yeats, adorei.
Um beijo grande, meu poeta.
Caro Antônio Cícero,
ResponderExcluirMinha ignorância sobre o Ronsard (como, de resto, sobre muita coisa) pode ser agora atenuada tanto pelo poema que gerou estes comentários, quanto pelos outros dois, aqui traduzidos pelo Marcelo. Agradeço, pois, a ambos, pela apresentação ao francês.
Todavia, na minha mente de poeta de vagas vezes das vagas do mar, o que ressoou nestas quase duas décadas entre a adolescência de quando os conheci, foram os versos do grande irlandês, que, modestamente, não julgo inferiores àqueles com os quais dialogam.
Incapaz de igualar e sem pretensão de imitar, envio versos sobre tema semelhante:
finados
(p/ rosana)
se a chuva que cai sobre mim
cair também sobre ela
que minha lembrança a aqueça
a conta-gotas
dos pingos às folhas
das folhas à terra
que minha lembrança se enrosque
à raiz de uma erva daninha
daquelas que brotam de novo
depois da erva arrancada
se a chuva que cai sobre mim
cair também sobre ela
que minha lembrança adormeça
em sonhos de carnes fartas
revista de língua na alma
deitado no colo dela
atafona, 02/11/03
Abraço!
Aluysio
P.S. Agradeço também a Cecile, pela beleza, sobretudo, dos seus últimos versos.
Caro Aloysio,
ResponderExcluirJamais me passaria pela cabeça diminuir o valor do Yeats. Aqui mesmo, neste blog, há dois anos, postei um poema dele que eu mesmo traduzi (http://antoniocicero.blogspot.com/search/label/Yeats). Aliás, recentemente, fiz uma outra tradução do mesmo poema. Estará na minha próxima postagem.
Publiquei o comentário do poeta e crítico inglês Wolfe apenas para mostrar que o verso de Yeats foi diretamente inspirado no de
Ronsard.
Abraço
Caro Cícero,
ResponderExcluirJamais me passou pela cabeça que tivesse passado pela sua diminuir o valor de Yeats. Sem o cabedal do Wolfe, notei a semelhança entre os versos que vc publicou, de Ronsard, e os do irlandês, que postei. Minha discordância do crítico inglês (não de vc) se atém ao valor dos versos de um e de outro poeta, que, modestamente e por motivos talvez pessoais, julgo igual.
De qualquer maneira, peço desculpas por não me ter feito entender corretamente.
Abraço!
Aluysio
é isso aí! (sem trocadilhos com a canção do seu jorge - rs!)
ResponderExcluircelebrar o que se tem em mãos: "o melhor lugar do mundo é aqui e agora", versejou gilberto gil. e eu concordo inteiramente com o poeta.
sigamos colhendo as rosas do caminho, da vida! é assim que eu vou!
beijo, riqueza minha!