18.11.07

Democracia: formal ou profunda?

O Seguinte artigo foi publicado sábado, 17 de novembro, na minha coluna da Ilustrada, da Folha de São Paulo:

Democracia: formal ou profunda?

No dia 7 do corrente, em Caracas, no campus da Universidade Central da Venezuela, um grupo armado abriu fogo contra estudantes que regressavam de uma manifestação pelo adiamento do referendo sobre a reforma constitucional que, entre outras coisas, institucionalizaria a reeleição ilimitada do presidente Chávez, além de lhe ampliar os poderes. No dia 9, esses mesmos estudantes foram chamados por Chávez de fascistas.

No dia seguinte, em reunião da Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo, em Santiago, Chávez acusou de fascista o ex-premier espanhol Aznar, obrigando o atual premier, o socialista Zapatero, a lhe pedir que respeitasse outros chefes de Estado, apesar de suas diferenças políticas. Atropelando grosseiramente a fala de Zapatero, Chávez, como se sabe, acabou por provocar o rei Juan Carlos, da Espanha, a lhe sugerir que se calasse.

Não pode ter escapado a ninguém que a acusação de Chávez saíu pela culatra. O que realmente evoca o fascismo são, em primeiro lugar, o conteúdo da reforma constitucional por ele proposta; em segundo, o método plebiscitário com que pretende legitimá-la (lembremo-nos de que referendos e plebiscitos eram o método favorito de Hitler para “legitimar” os seus atos ilegais); em terceiro, o fato de que não somente o seu governo já cassou a concessão para transmissão em sinal aberto de uma emissora de televisão da oposição (a RCTV), mas pretende cassar a concessão de outra (a Globovisión); em quarto, a violência dos grupos armados dos partidários do líder bolivarianista ao atacar os estudantes; em quinto, o cinismo com que ele acusou de fascistas justamente as vítimas dessa violência; e, em sexto, a histrionice e a truculência verbal com que viola as regras da discussão racional.

Para mim, porém, o que mais causa preocupação é que, depois disso tudo, o presidente Lula tenha declarado que não falta democracia na Venezuela, pois ela já passou por “três referendos, três eleições não sei para quê, quatro plebiscitos”. Essa é a “democracia direta” (leia-se a “ditadura plebiscitária”) de Chávez: o povo aprova o que o governo propõe. E é essa a “democracia direta” que pretendem os petistas que defendem a modificação da Constituição para permitir a terceira reeleição do Presidente, a ampliação dos seus poderes, a diminuição dos poderes do Congresso etc.

A verdade é que as únicas democracias que se conhecem são as que se baseiam no equilíbrio dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O fortalecimento de qualquer um desses poderes em detrimento dos outros (ou o enfraquecimento de qualquer um deles em proveito dos outros) é extremamente perigoso. A experiência latino-americana tem sido a da hipertrofia do executivo. O resultado é, inevitavelmente, a ditadura. Exatamente isso é o que está a ocorrer na Venezuela e ocorrerá também no Brasil, caso se enfraqueça o legislativo, usando o artifício, caro aos regimes populistas e totalitários, de transferir suas atribuições a referendos e plebiscitos.

Grande parte da esquerda, nada tendo aprendido com as terríveis experiências das ditaduras de Stalin, Mao ou Pol-Pot, continua a desvalorizar o que qualifica de “democracia formal” em nome de – como se dizia, semana passada, no seminário da Academia da Latinidade, que teve lugar em Lima – uma “democracia profunda”.

A verdadeira democracia não pode deixar de ser formal porque não se pode prender a nenhum objetivo, programa, partido político ou líder particular, uma vez que, não podendo pressupor que este ou aquele seja dono da verdade absoluta, deve estar aberta a todos, exceto aos que atentem contra ela. Que seja eleito este ou aquele candidato ou partido é inteiramente contingente à verdadeira democracia. Necessária é a garantia de que candidatos ou partidos diferentes tenham a possibilidade real de alcançar o poder.

Nunca é demais repetir que absolutamente nada pode justificar qualquer atentado contra o Estado de direito, a livre expressão do pensamento, a maximização da liberdade individual, a coexistência de uma multiplicidade de culturas e formas de vida, a autonomia da ciência, a autonomia da arte etc.: em suma, nada pode justificar qualquer atentado contra a preservação dos direitos humanos e da sociedade aberta.

O regime político que ameace a verdadeira democracia, que é a democracia formal, deve ser chamado, não de democracia – profunda ou rasa –, mas de ditadura.

40 comentários:

  1. Do texto "o que é ditadura", uma das coisas que se pode extrair é a seguinte: quando a democracia formal camufla uma ditadura plutocrático-midiática, não há histeria e tudo é normalidade.

    Quando, por outro lado, a democracia formal deixa se expressar uma alternativa política que, não obstante graus diversos de agressividade, busca reverter os imensos desequilíbrios ou a imensa desigualdade socioeconômica em uma sociedade, aí soam os alarmes: estão ameaçando a democracia! Plebiscitos e referendos são pragas hitleristas, etc, etc!

    Francamente...

    Demian

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  2. Demian,

    É muito simples: com o aperfeiçoamento da democracia formal é possível lutar para reverter os imensos desequilíbrios ou a imensa desigualdade socioeconômica em uma sociedade. Isso já ocorreu em várias partes do mundo.

    Quando, por outro lado, se desprezam, em nome da luta contra aos desequilíbrios ou a desigualdade ou seja lá do que for, as características da democracia formal (e, como eu já disse, nunca é demais repeti-las: O Estado do direito, a livre expressão do pensamento, a maximização da liberdade individual, a coexistência de uma multiplicidade de culturas e formas de vida, a autonomia da ciência, a autonomia da arte etc.: em suma, os direitos humanos e a sociedade aberta), quando se desprezam, eu dizia, as características da democracia formal, o resultado é sempre desastroso. Isso já ocorreu em todas as partes do mundo em que foi tentado.

    Portanto, contra o pensamento mágico das religiões seculares da esquerda que, convencidas de que detêm a verdade absoluta, conduzem ao desastre das perseguições, prisões, execuções, torturas e massacres políticos, o pensamento racional recomenda a luta pelo aperfeiçoamento – jamais pelo enfraquecimento – da democracia formal.

    Antonio Cicero

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  3. cicero,
    concordo e acho os pontos debatidos no artigo clarissimos.

    a propósito destes últimos posts, no entanto, tive uma conversa com o meu pai este fim de semana e a questão que lhe levantei e que te levanto é a seguinte:

    Chavez, como Fidel, por exemplo, mantém posições críticas clarissimas relativas ao sistema macro-económico global que, como sabemos, é responsável não só pelas enormes desigualdades sociais existentes entre regiões do mundo, como pela impossibilidade de as resolver (-já para não falar dos custos ambientais que acarreta).

    o que me impressiona é que líder nenhum de um país com uma democracia formal pode dizer o que Fidel e Chavez dizem da forma directa como o fazem.

    lula é um exemplo - basta comparar a forma como falava antes de ser eleito e como passou a falar depois.

    a pergunta então é: porque é que só líderes de países sem democracias formais, como lhes chamas, ou seja, porque é que só os líderes de regimes totalitários estabelecidos ou incipientes (como Chavez) podem falar com o à-vontade - com a liberdade!! - com que falam?

    e o que é que isto nos diz então sobre o mundo das "democracias formais", em que as vozes verdadeiramente críticas que se levantam, rapidamente mudam de tom, ou são abafadas?

    (note-se, eu não defendo regimes totalitários. o que eu sugiro, é que talvez o sistema macro-económico em que vivemos e dentro do qual estabelecemos democraciais formais funcione, na prática, como um sistema totalitário...?)

    abraço,
    filipa

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  4. Antonio Cícero,

    Na verdade, não tenho uma opinião formada sobre Chavez, todavia, na leitura do texto, acerca de um aspecto já pensei sobre e formulei uma opinião, qual seja, o episódio de "fechamento" da RCTV.
    É estranho esse discurso de que a liberdade de imprensa deve ser colocada em primeiro lugar sendo que, na Venezuela, bem como no Brasil, a maior parte da imprensa e, pior, aquela por meio do qual a maior parte da população se forma, é responsável pelo processo de formação educacional no País.
    É estranho, também, o fato de que tais grupos de comunicação tomam para legitimarem sua atividade a Constituição Federal ao passo que são as maiores responsáveis pela propagação do racismo, do aumento da desigualdade social.
    É claro que a imprensa deve ter liberdade plena, desde que, para tal, esteja inserida num contexto no qual os indivíduos possam dignar-se a um mínimo de leitura crítica das notícias veiculas o que, sinceramente, não é o que ocorre no Brasil.
    Grupos como a Rede Globo, a própria Folha de S. Paulo, o Estado de S. Paulo não estão nem um pouco preocupados em formar leitores reflexivos mas, sim, de tentar vender uma imagem a seu bel-prazer.

    Um abraço.


    Eder.

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  5. w. b. yeats


    I think it better in times like these

    A poet's mouth be silent, for in truth

    We have no gift to set a statesman right;

    He has had enough of meddlin who can please

    A young girl in the indolence of her youth,

    Or man old man upon a winter's night.



    Tadução ( traição) livre de wilson luques costa



    Eu penso que num tempo como este

    Melhor ser silente

    Uma boca de poeta

    Na verdade nós não temos nada a oferecer

    Como homens de estado

    Tem tido suficiente razão quem pode

    Favorecer uma jovem menina

    Na indolência de seus anos

    Ou um velho homem

    Acima de sua noite invernal

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  6. Filipa,

    Francamente, não acredito em soluções espetaculosas para os problemas do mundo. Elas acabam se revelando farsescas, fanfarronescas, burlescas. É, segundo penso, o caso das posições – ou antes, das declarações – de Fidel e de Chávez, calcadas num velho discurso anti-imperialista nunca levou a muito e hoje já não leva a nada.

    Prefiro Lula, embora me dê o direito de criticá-lo, como no artigo em discussão. No plano internacional, sua atuação tem sido menos espalhafatosa do que a de Chávez, mas correta. Muito oportunamente, por exemplo, ele cobrou dos países sul-americanos que "parem de viajar o mundo chorando a miséria", dizendo, com toda razão, que "muitas vezes a responsabilidade é nossa".

    Por outro lado, tem repetidamente denunciado as barreiras comerciais dos países ricos. Claro que isso não resolve o problema, mas o coloca de modo sério e exeqüível, de tal modo que não pode deixar de ser levado a sério, isto é, converte-o numa discussão que não deixa de ter ser levada em conta pela imprensa e pela opinião pública dos próprios países ricos. Não se pode dizer o mesmo das balandronadas de Chávez.

    Ademais, não tenho certeza de que o panorama internacional seja tão imóvel quanto você diz: menos ainda, totalitário. Ao contrário: tudo parece estar em movimento. Nos últimos cinqüenta anos, vários países asiáticos conseguiram romper a barreira do subdesenvolvimento. No Brasil, parece que a economia volta a crescer. De maneira geral, na América Latina, dados recentes têm mostrado que diminuiu substancialmente a pobreza e, relativamente, a concentração de renda.

    A meu ver, não há nada mais importante agora do que fazer um grande esforço para efetivamente universalizar e melhorar a qualidade da educação. Parece pouco, mas é muito.

    Abraço,
    Antonio Cicero

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  7. Eder,

    1) Não penso que a imprensa deve ser responsável pelo processo de formação educacional do país. Acho que isso compete às escolas públicas e privadas; logo, em grande parte, ao Estado.
    2) Não creio que os grupos de comunicação sejam responsáveis pela propagação do racismo ou pelo aumento da desigualdade social. Ao contrário, o mais importante grupo de comunicação do país, a rede Globo, tem sistematicamente combatido os preconceitos, tanto nos noticiários quanto nas novelas etc. E que dizer da TVE, da TV Cultura etc.?
    3) Não concordo com a frase “a imprensa deve ter liberdade plena, desde que...” “Desde que” introduz sempre uma proposta de censura. A única coisa que a imprensa não pode fazer é lutar contra a própria democracia que a torna possível a sua liberdade.
    4) Não é à imprensa que compete ensinar a leitura crítica das notícias, mas às escolas públicas e privadas; logo, em grande parte, ao Estado.
    5) A julgar pelas cartas de leitores da Folha de São Paulo, por exemplo, ou pelas deste blog, há, sim, muitos leitores reflexivos e críticos.
    Abraço,
    Antonio Cicero

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  8. Wilson,

    Sei que você quer uma resposta, mas quem sou eu para dar uma resposta a Yeats, um dos meus ídolos? Você e ele ganharam esta parada.

    Abraço,
    Antonio Cicero

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  9. Vamos lá ponto por ponto:

    1) Eu não disse que a imprensa deva ser responsável pelo processo educacional do país. Entretando, disse sim que, não se pode falar em liberdade de imprensa num país como no Brasil no qual realmente as instituições educacionais são válidas e estão passando uma visão unilateral das coisas à população.
    2) Com a TvCUltura, TVE eu concordo plenamente. Agora, TvGlobo? O que dizer da imagem que passa do MST, da defesa do movimetno Cansei, por exemplo, do noticiário tendencioso sobre a América Latina, quando, por exemplo, do caso da não renovação da concessão da RCTV. As novelas da Rede Globo são extremamente grosseiras, compostas por padrões estéticos, étnicos, que vinculam felicidade com poder econômico, vendem uma imagem de mundo ridícula. Bem, para tal, não precisa ir muito longe: só pegar revistas sérias como a Caros Amigos, a Carta Capital, o Observatório da imprensa, Roda Viva e por aí vai.
    3) No ponto três me soou um quê de Habermas, aquele pensamento que deve se manter a estrutura formal da democracia mesmo não havendo democracia no país. Imprensa tendecionsa, de visão unilateral não é imprensa, é empresa, com finalidade em lucros. Veja as propagandas que são veiculadas na Rede Globo, os padrões dos programas: meninas de biquines, vinculação de cerveja à mulher, visão unilaterial dos acontecimentos do país.
    4) Concordo plenamente mas, na atual conjuntura, quem (de)forma é sim a imprensa, por isso, falar em liberdade de imprensa é preciso antes falar da conjuntura específica do país.
    5)Concordo pelnamento que há leitores reflexivos, vide Caros Amigos, Carta Capital, Brasil de Fato, e por aí afora. Posso elencar aqui inúmeros casos em que a Folha é tendenciosa: do movimento cansei, a queda do avião da tam, e por aí vai.

    Um abraço.


    Eder Fonseca.

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  10. Caro Eder,

    Não vejo as coisas assim. O jornalismo da TV Globo me parece ser muito bom: provavelmente a melhor coisa da Globo e – se levarmos em conta a Globo News – melhor do que todos os outros do país: de nível internacional, mesmo. E a TV Globo é apenas uma, entre muitas. Por que é que, ainda que ela tenha um ponto de vista unilateral, esse ponto de vista não deve ser expresso, ainda que muitos não gostem dele? Outras que expressem outros pontos de vista.

    Quanto ao MST, não há como defendê-lo. Um dos princípios básicos do direito é que o Estado detém o monopólio da violência legítima. A violência do MST é portanto ilegítima, além de ilegal. Mesmo assim, parte da imprensa (como a Caros Amigos, que você defende) o apóia: o que mostra que há liberdade de imprensa.

    Já quanto à RCTV, tudo indica que não foi um caso isolado, já que agora os chavistas pretendem cassar a concessão de outra emissora, a Globovisión. Não me parece razoável esperar que uma emissora privada de televisão, como a Globo, apóie cassações de concessões de outras emissoras privadas. Se o fizer, amanhã poderá ser ela a cassada. É normal que as condene.

    Quanto às novelas, se têm os maiores índices de audiência é porque fazem o que a audiência quer. Assim funcionam as emissoras privadas de toda parte do mundo. A existência de emissoras privadas faz parte da liberdade da imprensa. Se todas as suas concessões privadas fossem cassadas, e tivéssemos apenas emissoras estatais, aí sim, deixaríamos de ter liberdade de imprensa.

    Você fala de “imprensa tendenciosa”. Ora, todo o mundo é tendencioso. Não creio que você pense que a sua opinião é isenta e as dos outros, tendenciosas, mas, infelizmente, quase toda a esquerda costuma pensar assim. O remédio para imprensa tendenciosa é mais imprensa tendenciosa, e não menos. E há uma quantidade imensa de tendências que se manifestam na imprensa brasileira.

    “Imprensa” jamais foi antônimo de “empresa”, e as empresas não costumam ser filantrópicas. Funcionam, aqui e em toda parte do mundo, para fazer lucro. A melhor imprensa do mundo (“El país”, “Le Monde”. “The New York Times”, “Der Spiegel”) é privada.

    Quando a imprensa estatal, que não busca lucros (como o antigo “Pravda”, da URSS, ou o “Granma”, de Cuba), é monopolista, ela é infinitamente pior do que a imprensa privada, pois funciona para propaganda política pura, de modo que fabrica as notícias que lhe interessam. E eu diria que os periódicos que você elogia (Caros Amigos, Carta Capital, Brasil de Fato) são muito mais tendenciosos do que a Globo.

    Um abraço,
    Antonio Cicero

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  11. Caro ACicero,
    Você diz que a atuação internacional do Lula é correta. Concordo com você no diz respeito aos temas mencionados [o "pobrismo" e o protecionismo]. Mas considero o apoio explícito de Lula ao Chávez e a outros ditadores --como o fez na última viagem à África, p.ex.-- um desastre. A obsessão do Lula pela ONU também me parece equivocada, sobretudo quando implica iniciativas descabidas como a da presença do Brasil no Haiti.
    Qaunto à mídia brasileira, concordo com o seu diagnóstico: o remédio é mais e não menos veículos livres. Mas isso não é tudo. É necessário melhorar muito a qualidade do conteúdo veiculado. A programação televisa brasileira é em geral medíocre. E nem estou falando de valores... Os roteiristas de séries americanos, p.ex., são muito melhores do que os nossos [mini-séries, novelas etc.]. Textos ágeis, inteligentes, espirituosos, críticos, coisa rara por aqui. Nem no cinema temos isso! Queria entender por quê.
    Abraço,
    edg

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  12. Caro Edson Gil,

    No que diz respeito ao apoio de Lula a Chávez, não preciso lhe lembrar que o artigo que estamos comentando consiste exatamente numa crítica a ele. Quanto à ONU, discordo. Acho que, com a globalização, as organizações internacionais tendem a se tornar cada dia mais importantes e que o Brasil deve ter um papel forte nelas. Prefiro não discutir a qualidade dos programas, cujas causas, a meu ver, nada têm de políticas, pois tal discussão desviaria do assunto principal, que é a tese de que não há liberdade de imprensa no Brasil. Em última análise, o que se quer dizer com essa tese é que não só atos como o de Chávez contra a RCTV se justificam como que atos semelhantes seriam justificados, no Brasil, contra a Globo, por exemplo. Tenho horror a essa idéia.

    Abraço,
    Antonio Cicero

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  13. Senhor António Cícero:
    Estou de acordo com o seu texto no que diz respeito à democracia que seria desejável ver implantada em todos os países. Acho apenas que o título pode dar lugar a dúvidas, já que ao apelidar-se de "democracia formal" pode inculcar a ideia de que se prefere a forma ao conteúdo, embora da leitura do texto se conclua pela negativa.
    Independentemente de se poder entender, com Georges Burdeau in "A Democracia", que a democracia não deve ser concebida como um estado, mas como um movimento, atentas a amplitude e a rapidez das modificações que, nos nossos dias, afectam o meio social, para mim existe apenas uma forma de democracia, que se aproxima da descrita no texto: tem de haver um equilíbrio e um respeito absoluto entre os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judicial). Por sua vez, estes existem por e para os cidadãos, actuando com respeito pelos direitos deles (cidadãos). No entanto, os direitos de cada cidadão não são absolutos nem infinitos, pois têm por limite os direitos de cada um dos outros cidadãos.
    Contudo, entendo que a democracia, tal como a descrevemos, não existe na grande maioria dos países do nosso planeta, havendo apenas aproximações. Com efeito, verificamos, a cada passo, que, mesmo os governos eleitos de forma legal, logo que se apanham no Poder, quer de motu proprio, quer por pressão dos seus acólitos, começam a servir-se em vez de servir o país e que tudo fazem para obter nova vitória em futuras eleições (começando logo a trabalhar e a gerir com vista a alcançar essa finalidade), utilizando em seu favor e proveito certos (nomeadamente os media) que estão (ou deveriam estar) ao serviço da comunidade.
    Gostaria de acrescentar mais, apenas, que q experiência me diz que a demagogia determina, pelo menos aqui na Europa, que se um país tem um governo, ditatorial, de direita é apelidado de ditadura (p. ex., Espanha no tempo de Franco, Portugal no tempo de Salazar e Chile no tempo de Pinochet), mas se tem um governo comunista ou socialista já é apelidado de democracia popular (p. ex., Rússia até à Perestroika, China actualmente e depois da implantação do comunismo, Cuba de há 50 anos para cá e, agora, pelos vistos, a Venezuela). Para mim uma ditadura é sempre uma ditadura, seja de direita ou de esquerda.
    Um abraço. Fernando Casimiro.

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  14. Caro Antonio Cicero,

    Em primeiro lugar, ainda que com opiniões divergentes, agradeço o interessante diálogo. Retomemos os pontos.

    Bem, dizer que o jornalismo da TvGlobo é o melhor programa que a casa tem não é dizer muito coisa, não é mesmo? Um tanto retórico tal posicionamento. Acerca da GloboNews não posso opiniar, tanto por não ter tv a cabo tanto por não ser o que a maioria da população consome. A TvGlobo é uma entre outras mas, com certeza, a que hoje possui maior alcançe e sobreposição diante de canais como a TvCultura. A questão não reside de poder ou não se expressar. É óbvio que é legítimo o direito de expressão, mas não o direito de unilateridade, ou seja, veicular notícias que a maioria não fará contraposição por não ter acesso a outros meios.

    Quanto ao MST, a questão é mais complexa do que simplesmente reduzir o direito ao Estado, por vários motivos: o Estado brasileiro, ainda que fundado na democracia, não é democrático; a questão do MST é pouco explorada e a maioria realmente critica o MST sem base. Sendo o Estado democrático, tendo de ser distributivo, como explicar a maior parte das terras para poucos e a menor para muitos?

    Bem, não tenho acompanhado o caso da Globovisión e nem podemos também, correndo o risco de perder de foco a discussão, usá-la para analisar a questão da RCTV. A RCTV deve ser analisada como fato isolado, entendendo assim os motivos que levaram a (grife-se) não renovação e não fechamento, como foi veiculado. Se o Estado prende marginais que matam, qual a diferença de uma mídia que causa mortes mas de maneira velada? A Globo não defende justamente por não ser parcial, por saber que é fundada na divulgação distorcida da realidade tal qual a RCTV. Dessa maneira, tem medo mesmo de, começando a divulgar o que aconteceu na Venezuela os brasileiros possam vir a indagar sobre a concessão dela.

    Essa questão de tendencioso ou não acho simplista. Para mim, uma mídiaé tendenciosa, é repugnante, quando ela está a serviço dos interesses da minoria, forjando uma realidade, forjando uma consciência para tal. A menos que você não concorde que o Estado deva ser democrático, a mídia que trabalha para manutenção de uma pequena parcela da população no poder, com força ideológica, deve ser analisada com cautela.

    Bem, você citou vários veículos de comunicação que, infelizmente, não estão ao meu alcance atual. Não possuo domínio em línguas estrangeiras, muito menos em política internacional para saber como esses veículos abordam as questõs de seus respectivos países. O que sei, por exemplo, do The New York Times não é muito bem. Todavia, não vou utilizar esse senso comum para um diálogo tão produtivo como esse. Vou preferir pular esse ponto e, quem sabe, um dia voltemos a ele, quando eu tiver capacidade para discutí-lo.

    Engraçado, você disse da ex-URSS. A Globo não "é monopolista, [...] infinitamente pior do que a imprensa privada, pois funciona para propaganda política pura, de modo que fabrica as notícias que lhe interessam"? Parece até que você falou da Globo, e de outros veículos (que por discrição não vou citar aqui, mas você sabe aos quais me refiro).

    Felizmente a Caros Amigos, Carta capital, Brasil de fato são tendenciosos: tendem para os interesses dos espoliados, aqueles mesmos que estão incluídos na constituição mas que, entretanto, parecem não existir.

    Forte abraço.

    Eder Fonseca.

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  15. Caro Sr. Fernando Casimiro,

    Creio que basicamente estamos de acordo.

    Eu só acrescentaria que se, de facto, a democracia não é perfeita em lugar nenhum do mundo, só nos resta tentar aperfeiçoá-la. Não há outra solução.

    Um abraço,
    Antonio Cicero

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  16. Prezado Antonio Cicero,

    Suas palavras me devomeram de meu silêncio...
    muito obrigado
    um abraço do
    wilson luques

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  17. Prezado Antonio Cicero,

    Embora uma tradução tosca, fora dos parâmetros de métrica e outras exigências poéticas, o que poderia colocar o efeito de minha tradução em xeque, coloco esse poema dedicado a você, se assim aceitar e me permitir...
    Pronto: ´Dedico essa tradução ao poeta, ensaísta e filósofo Antonio Cicero...´

    Com o respeito, admiração e o abraço carinhoso do wilson luques costa

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  18. Wilson,
    Muito obrigado.
    Fico muito feliz com essa dedicatória.
    Um forte abraço,
    Antonio Cicero

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  19. Cícero, quer dizer que a Rede Globo tem sistematicamente combatido os preconceitos? Mas é claro. senão seria acusada de racismo. Como ela tem feito isso? Com as novelas de Manoel Carlos? Cara, conheci gente super racista q afirma q preto é bicho e ao mesmo tempo só assiste às novelas das 20h e adora.

    Cocordo q não exista democracia na Venezuela e que o Chavez é um escroto, mas dizer q a Rede Globo combate preconceitos...Não sei, não. só se for de maneira muito ingênua. olha, quem tem cabelo duro, o negão lá, só entra de marginalzinho. O Lázaro é uma outra história. Mas ele permanece como merginalzinho romântico, pelo menos.

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  20. Não quero dizer que a Rede Globo seja a maior vilã. Mas não dá para dizer q ela combate preconceitos. Simplesmente, não dá. O senso comum se alimenta das novelas e as pessoas continuam com as opiniões mais tortas do que nunca e a classe artística é extremamete tolerante com o sistema.
    esse mesmo sistema é bastante útil para divulgar informações interessantes e não apenas lixo, mas as novelas formam opinião no Brasil, sim. assim como os filmes formam opinião nos EUA. Sendo assim, dá p jogar o q quiser na tela q isso será consumido e digerido sem dificuldade pela sociedade. O q é combater preconceitos?
    Não vou nem continuar a falar.

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  21. Elisa,

    Você diz que conhece “gente super racista q afirma que preto é bicho e ao mesmo tempo assiste às novelas das 20h e adora”.

    Considere os índices de Audiência da Globo.

    Você acha que foi a Globo que fez esse homem racista que você conhece virar racista?

    Você acha que todo o mundo que assiste à globo é assim?

    Você acha que não há pretos que combatem o preconceito e, no entanto, assistem às novelas?

    Você acha que não há gente de esquerda e que “odeia” a Globo mas que assiste às novelas?

    Não posso crer que você ache essas coisas: por isso, não acho necessário discuti-las. Seria muito ingênuo. Apenas as menciono porque no fundo elas são, quase inconscientemente, pressupostas por quem acusa a Globo de racista.

    Você acha que há, nas novelas, personagens como esse cara que você conhece que não sejam retratados como vilões? Então me cite um.

    Não sou advogado da Globo, não recebo um tostão para defendê-la e não gosto de aparecer na televisão. Não trabalho para a Globo, jamais o fiz e não pretendo fazê-lo. Não se trata de preconceito, pois sei que muita gente boa já trabalhou ou trabalha para ela, como Dias Gomes e Ferreira Gullar. Apenas, a televisão em geral – não especificamente a Globo – não combina comigo.

    Por isso, a minha defesa dela não tem segundas intenções. O que ocorre é que me parece claro que grande parte da esquerda, por inércia mental, faz da Globo a maior vilã, sim. Acho que é mais um exemplo da auto-flagelação dos brasileiros: a Globo simplesmente deu certo e é melhor do que as outras. Não pode ser comparada com as concorrentes laicas ou religiosas, privadas ou públicas. E o masoquismo brasileiro não perdoa isso.

    Mas o maior clichê é que a Globo é “formadora de opinião”, coisa que não se sabe bem o que quer dizer. Ela formou a sua opinião? Pelo jeito, você assiste à Globo, ou não poderia falar sobre personagens que de que jamais ouvi falar.

    As mesmas pessoas que dizem que a Globo é formadora de opinião acusam-na de perseguir o Lula. As duas coisas não podem ser verdadeiras. Ou ela é formadora de opinião e não persegue o Lula ou ela persegue o Lula, mas essa história de “formadora de opinião” tem que ser muito relativizada, uma vez que ele foi eleito e tem altos índices de aprovação.

    Televisão, como cinema, é, em primeiro lugar, entretenimento, não é formação. A formação ou a educação das pessoas tem que ser dada principalmente através das escolas, principalmente das escolas públicas. Não podemos culpar a Globo se essa função não é devidamente cumprida pelo Estado brasileiro.

    Em suma, não dá para acusar a Globo de todos os defeitos de todos os brasileiros.

    Quanto a combater os preconceitos, através do Google, descobri várias comprovações recentes do que digo; e só não acho mais porque me falta tempo. Dou os links abaixo (infelizmente, quem quiser usá-los terá que copiá-los e colá-los no seu navegador, pois não sei como inserir links que funcionem em comentários):

    http://maisvoce.globo.com/variedades.jsp?id=11690

    http://ibahia.globo.com/batv/materias_texto.asp?modulo=2912&codigo=161857

    http://ibahia.globo.com/plantao/noticia/default.asp?id_noticia=162090&id_secao=151

    http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20071029192923AASZzuG
    http://marconegro.blogspot.com/2007/10/o-novo-folhetim-da-tv-globo-duas-caras.html

    http://notapajos.globo.com/lernoticias.asp?id=12612
    23 de Novembro de 2007 16:03

    Abraços,
    Antonio Cicero

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  22. Caro ACicero,
    Concordo que seria bom para o Brasil participar de organizações internacionais como a ONU, mas não necessariamente do Conselho de Segurança e a qualquer preço. O que que nossos soldados estão fazendo afinal no Haiti?
    Quanto ao Lula, não me referi apenas ao apoio dele ao Chávez, mas também a outros ditadores. E isso vem de longe... lembra do longo café com o Kadafi? Que raio de democracia é a brasileira que reconhece ditaduras, economias planejadas etc.?
    Voltando ao Chávez, tenho uma pergunta: você considera a alteração da constituição venezuelana um ato ditatorial, mas, ao mesmo tempo, não tolera que se diga ao povo o que ele tem de fazer -- isso não é uma contradição?
    Abraço,
    edg

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  23. Caro Edson Gil,

    Penso que seria importante participar do Conselho de Segurança; embora, é claro que não a qualquer preço.

    Talvez fosse bom que todas as ditaduras fossem boicotadas pelas democracias, mas isso nunca ocorreu. Não há nenhuma democracia existente que faça isso. O princípio que em geral seguem é o da não-interferência nos assuntos de outros países. E, quando invocam a democracia para intervir noutros países, isso não passa de pura hipocrisia, como a de Bush ao racionalizar a invasão americana do Iraque. Não acredito que, pelo menos num prazo médio, o Brasil seja capaz de ser inovador nesse sentido: ou que, se fosse o único país a boicotar as ditaduras, tal coisa seria produtiva para nós ou para o povo dos países boicotados. Sejamos realistas: até hoje, nas relações internacionais, tendem a predominar as considerações geopolíticas.

    Quanto a eu não tolerar que se diga ao povo o que ele tem que fazer, não sei o que lhe deu essa idéia. Eu jamais disse isso. Recomendo-lhe reler o meu artigo. O que defendo é que cada um (seja sujeito individual, seja coletivo) seja livre para fazer o que quiser, desde que respeite os princípios formais da democracia. Pode-se, portanto, dizer a quem quer que seja – seja sujeito individual seja coletivo – que não pode tomar a justiça em suas próprias mãos; que não pode torturar; que não pode atentar contra o Estado de direito; que não pode impedir a livre expressão do pensamento alheio; que não pode impedir a maximização (compatível com a lei, é claro) da liberdade alheia; que é obrigado a respeitar a autonomia da ciência ou da arte; que é obrigado a respeitar os direitos humanos; que é obrigado a respeitar a abertura da sociedade etc.

    Abraço,
    Antonio Cicero

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  24. Caro ACicero,
    Talvez me tenha expressado mal. Você critica, com razão, a pretensão dos esquerdistas e sectários em geral de saber o que é melhor para o povo, p.ex. no que diz respeito à programação da mídia. Pareceu-me que a idéia que está por trás da sua crítica não é compatível com suas reservas à possibilidade de reeleição indefinida dos governantes. Afinal por que o povo não pode decidir ter o mesmo presidente por 12, 16, 40 anos? Ele não sabe o que é melhor para ele?
    Abraço,
    edg

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  25. Caro Cícero,

    Não sou de esquerda, não acuso a Globo de denegrir o Lula. O nosso presidente pode ser um grande tirano. Sou totalmente contra os movimentos negros essencialistas.

    OK, tem gente bacana por lá. Se ela é melhor do q as outra, não importa. No geral, a TV aberta é um lixo. Claro que eu assisto parte da programação e isso não quer dizer q eu concorde com tudo, por isso estou criticando.

    Há coisas boas, mas não dá p passar a mão por cima e dizer q toda a programação é o máximo. É uma grande emissora, mas eu insisto: Ela é extremamente mais influente do que as outras e muita gente reproduz o q vê nas novelas. Talvez seja um desejo natural de cópia. Cara, se os professores da rede de ensino pública paracem um puquinho de ver as novela, o ensino melhoraria. Não é o meu caso, mas já assisti várias aulas como prática de ensino e as novelas são passadas p sala de aula. É muito complicado.

    Há programas que mostram a favela e a periferia como coisas super suaves, que ser pobre é super bacana, e seus habitantes como seres super ingênuos. E as diferenças e conflitos reais são totalmente diluidos em perfeita harmonia.

    Não dá.

    Mas agradeço sua atenção para minha questão.

    Um abraço,
    Elisa.

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  26. Éder,

    Você realmente acha que as revistas que cita são imparciais? qualidade esperada da imprensa. Será? não há nestas revistas uma clara tendência...
    Atualmente não há como a informação não ser fragmentada. E, Por mais imparcial que for,naturalmente SEMPRE haverá na informação um olhar muito particular de quem à repassa. creio que cabe ao interessado saber outras opiniões.
    parece ingênuo achar que só leitores da caros amigos, carta capital, folha de são paulo...podem ter opinião crítica e reflexiva. Seria ignorar tudo o que a sociedade nos ensina a cada dia. E que lições e quantas.

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  27. Caro Edson Gil,

    Não há absolutamente nenhuma contradição entre as posições que você menciona.
    A palavra “povo” é um termo genérico que designa, de modo muito impreciso, algo muito indeterminado: por exemplo, um conjunto particular e instável de pessoas que – de determinado ponto de vista e provisoriamente – constituem a maior parte da população de determinado território em determinada época. Ora, cada particular tem ou é capaz de ter a sua própria concepção de felicidade. É possível que muitas dessas concepções sejam incompatíveis umas com as outras. Seja como for, cada um é capaz de ter ou de pretender ter certeza absoluta da justeza da sua concepção de felicidade. Como não há uma instância externa, superior a todos, e por todos reconhecida como tal que possa decidir quem está certo, é forçoso reconhecer que tanto cada pessoa particular quanto cada conjunto particular de pessoas deve ter toda a liberdade para buscar a felicidade segundo a sua concepção particular, desde que, ao fazê-lo, não prejudique liberdade equivalente de todos os demais membros particulares ou demais conjuntos particulares de membros da sociedade. Seria autoritário que uma pessoa particular – ou um conjunto particular de pessoas – decidindo, por exemplo, que a concepção de felicidade de outra pessoa, ou de outro conjunto particular de pessoas, estivesse errada, se outorgasse o direito de lhes impor pela força outra concepção qualquer. É por isso que ninguém pode decidir pelo “povo” que programas de televisão ele deve assistir.
    Exatamente pela mesma razão, porém – levando em conta que o poder executivo é, inevitavelmente, exercido por uma pessoa particular ou por um conjunto particular de pessoas – é desejável, para diminuir o risco da opressão ou da ditadura permanente de alguns particulares por outros, tanto que haja um equilíbrio de diferentes poderes (executivo, legislativo e judiciário), quanto que haja rotatividade periódica dos membros do governo e, em particular, do executivo.
    Abraço,
    Antonio Cicero

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  28. Caro ACicero,
    Você diz que "é desejável, para diminuir o risco da opressão ou da ditadura permanente de alguns particulares por outros, tanto que haja um equilíbrio de diferentes poderes (executivo, legislativo e judiciário), quanto que haja rotatividade periódica dos membros do governo e, em particular, do executivo". Muito bem, mas de "indesejável" para "proibido" [inconstitucional] vai uma grande distância, não acha? Concordo com você que seja desejável a alternância no poder etc. Por isso mesmo acho que se deva proteger o povo tanto dos ditadores quanto --como diriam Rousseau e Goethe entre outros-- de si mesmo. Daí a proibição da reeleição etc. Caso contrário, não faz sentido tirar do próprio povo a decisão sobre o que seja [in]desejável.
    Abraço,
    edg

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  29. Caro Edson Gil,

    Não concordo. A desejabilidade de que falo se refere à implementação da exigência estrutural, inamovível, de garantir que nenhum particular (individual ou coletivo) seja oprimido por outro. É o caráter universal da democracia que está, assim, sendo preservado, e não o “povo” contra si mesmo , pois, como eu disse, o “povo” nunca é mais do que um particular coletivo.

    Pois quem protegeria o “povo” de si mesmo? Os “iluminados”? Mas estes também são particulares, logo, tiranos em potencial. Essa própria idéia de que o “povo” deve ser protegido de si mesmo pode levar, por exemplo, à censura. É, portanto profundamente anti-democrática.

    A exigência da alternância do poder, assim como a da separação dos poderes está, sim, inscrita nas constituições das verdadeiras democracias.

    Abraço,
    Antonio Cicero

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  30. Caro ACicero,
    Existem então verdadeiras democracias? Isto é, algum particular coletivo vive, de fato, segundo "estruturas universais inamovíveis"?
    E quem estabeleceu essas regras? Não foi algum iluminado, capaz de aceder ao universal, à Idéia da democracia, ou, por outra, de encarnar a Razão?
    Como disse, sou a favor da divisão e equilíbrio dos poderes, e a favor de um mandato longo [6 anos], mas único, do governante [na verdade, prefiro o parlamentarismo], mas não vejo como defender essas minhas preferências por meio de argumentos formais como os que você avança.
    Acho que, no fundo, devo ser um antidemocrata a la Rousseau, cujo conceito de vontade geral, aliás, não passa de uma utopia...
    Abraço,
    edg

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  31. Caro Edson Gil

    Sim, existem verdadeiras democracias, ainda que todas tenham grandes resíduos não democráticos, isto é, que nenhuma delas seja perfeita.

    Inamovível é a necessidade de garantir a maximização da liberdade de cada particular, na medida em seja compatível com a liberdade de todos os demais.

    Não sei se a perfeição é possível, mas devemos lutar para que as democracias se aperfeiçoem incessantemente.

    Longe de se basear em prescrições de illuminati, a democracia formal, tal como a descrevo, se baseia no fato de que, em matéria de política, não há, em princípio, illuminati. Acho que você não leu com atenção o seguinte enunciado do meu artigo:

    A verdadeira democracia não pode deixar de ser formal porque não se pode prender a nenhum objetivo, programa, partido político ou líder particular, uma vez que, não podendo pressupor que este ou aquele seja dono da verdade absoluta, deve estar aberta a todos, exceto aos que atentem contra ela.

    Fundamental é justamente que a verdadeira democracia não pode pressupor que este ou aquele seja dono da verdade absoluta. É por isso que a verdadeira democracia não se assenta sobre as descobertas de iluminados, mas exatamente sobre a certeza de que, no que diz respeito à política, não há iluminados. Já creio tê-lo dito bem noutro comentário, mas o convido a relê-lo:

    Cada particular tem ou é capaz de ter a sua própria concepção de felicidade. É possível que muitas dessas concepções sejam incompatíveis umas com as outras. Seja como for, cada um é capaz de ter ou de pretender ter certeza absoluta da justeza da sua concepção de felicidade.

    Como não há uma instância externa, superior a todos, e por todos reconhecida como tal que possa decidir quem está certo, é forçoso reconhecer que tanto cada pessoa particular quanto cada conjunto particular de pessoas deve ter toda a liberdade para buscar a felicidade segundo a sua concepção particular, desde que, ao fazê-lo, não prejudique liberdade equivalente de todos os demais membros particulares ou demais conjuntos particulares de membros da sociedade. Seria autoritário que uma pessoa particular – ou um conjunto particular de pessoas – decidindo, por exemplo, que a concepção de felicidade de outra pessoa, ou de outro conjunto particular de pessoas, estivesse errada, se outorgasse o direito de lhes impor pela força outra concepção qualquer. É por isso que ninguém pode decidir pelo “povo” que programas de televisão ele deve assistir.

    Nada disso é descoberta de illuminati: tudo isso se segue do fato de que a racionalidade moderna tornou não só possível mas inevitável o reconhecimento, por todo ser humano socializado, isto é, por toda pessoa, da sua própria finitude.

    Abraço,
    Antonio Cicero

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  32. Caro ACicero,
    Acho que estamos progredindo... Você fala da racionalidade moderna, que teria tornado possível e inevitável o reconhecimento da nossa finitude etc. Então como se explica a diversidade de opiniões a respeito desse assunto? Como se explicam as posições do Demian e do Eder, p.ex.? Ou, para não mudar de assunto, digamos que Chávez ganhe o plebiscito, e que, assim, a constituição seja alterada a fim de permitir a reeleição indefinida do presidente venezuelano: A democracia terá sido desrespeitada? O povo venezuelano terá desejado o indesejável do ponto de vista racional?
    Considero-me um racionalista moderno em busca de uma compreensão fundada da democracia e do Estado de direito republicano modernos.
    Abraço,
    edg

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  33. Caro Edson Gil,

    As posições que se recusam a reconhecer a finitude (por exemplo, a de quem se recusa a reconhecer que pode estar errado mesmo – e sobretudo – no que diz respeito às suas convicções mais fundamentais), tais posições simplesmente não estão à altura da razão moderna (isto é, daquilo que, como você sabe, chamo de “apócrise”). Se Chávez ganhar o plebiscito, a democracia terá sido desrespeitada sim, não só porque a reforma constitucional assim introduzida lhe permitirá a sua reeleição indefinidamente, mas porque abrirá várias brechas para ilegitimamente legalizar o desrespeito aos direitos humanos e à sociedade aberta. Não se esqueça de que aquilo que você está chamando de “povo” venezuelano não constitui um universal nem representa “a” “vontade geral”, como pretendem os demagogos, mas ao contrário, como eu disse, constitui um conjunto particular e instável de pessoas que – de determinado ponto de vista e provisoriamente – compõe a maior parte da população da Venezuela neste momento. Tais coletividades particulares e precárias são sempre suscetíveis de serem manipuladas e corrompidas por demagogos, a ponto de endossarem a destruição da democracia formal. Há muitos exemplos históricos disso, dos quais o mais notório é a Alemanha nacional-socialista.

    Abraço,
    Antonio Cicero

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  34. a bem da verdade, eu:

    minto, mas minha voz, esta não mente.

    de toda a (pouca) discussão acompanhada, concordo com a idéia da democracia profunda, do alrgamento das liberdades individuais, do avanço da ciência, das tecnologias, da maior e melhor circulação do conhecimento, da arte. afinal, seria muito louco dizer aos senhores que não desejo essas coisas se são exatamente essas coisas que me alimentam a alma, e que, portanto, dizem fundo neste que aqui escreve. mas não acredito na distribuição desses itens - tecnologia, ciência, arte etc. - para o mundo ficar mais bonito, mais azul, mais colorido, através dum sistema econômico como o atual - capitalista -, calcado numa política econômica cinicamente chamada liberal. porque, venhamos e convenhamos: CINICAMENTE chamada liberal. disso, de liberal, de liberdade, de poder de escolha, tem absolutamente NADA. a mim, paradoxo inaceitável: política liberal fincada em protecionismos? por favor, então não me metam o caô de que é política liberal. não é ao fundo que queremos chegar?, não é a tal da democracia pró-funda? pois bem.

    assim posto, não vejo solução para a tal democracia profunda com a prática duma política liberal de cunho capitalista. acredito que democracia só possa existir numa percepção universalista. ou seja, democracia profunda, a meu ver, é cooperação sem fronteiras.

    (um mundo sem fome mais, sem opressão, sem tráfico, sem terror e com união/educação.)

    não vou, aqui, enumerar as mazelas e desgraças às quais está submetida grande parte da população mundial.

    as políticas econômicas devem ser mudadas, reformuladas, casadas com o comprometimento real dum desenvolvimento SUSTENTÁVEL (por favor, pessoas, a palavra é para ser lida em sua acepção funda, e não como o clichê de empresas), para todos, e não somente para meia dúzia de países.

    hoje, esse tal comprometimento, ao qual me referi acima, ainda não vi firmar. e está muito longe de.

    o sistema capitalista necessita de sérias mudanças na sua maneira de gerar e distribuir o capital, as riquezas.

    sim, sinto muito pelos sensíveis e incautos, mas estamos muito longe de algo reconfigurado. concordo com o saramago quando ele afirma não ser pessimista, e sim realista. ele está claríssimo.

    pelo menos claríssimo para quem, como eu, diferente dos muitos que vão fundo, mas não no próprio fundo, mantem os olhos abertos. abertos ao máximo.

    é isso, querido.
    beijo grande!
    carinho bonito!

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  35. esqueci apenas de uma coisa:

    do acento grave em: "não é ao fundo que queremos chegar?, não é (à) tal da democracia pró-funda? pois bem."

    com a língua portuguesa, quando encontro alguma incorreção, fico louco para corrigi-la. por menor que seja (rs).

    é isso.

    beijão gostoso!

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  36. olá cícero. concordo em parte com o que diz de chavez e lula sobre democracia (incomoda o operário no poder, eu imagino), mas tony blair e tatcher, juntos governaram por mais de vinte anos e não leio coisa alguma sobre falta de democracia em londres (só para contrapor quem chamde Chavez ou Fidel de "ditadores"). e aí ?
    carlos carneiro

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  37. carlos,
    o regime inglês é parlamentarista. O presidente pode ficar mais tempo, mas pode cair no dia seguinte à sua eleição, se houver um voto de desconfiança. O da Venezuela e do Brasil é presidencialista. Não dá para comparar alhos com bugalhos.
    ACicero

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  38. Cícero, o que você achou do documentário
    "A Revoluçã não será televisionada"?

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  39. Henrique,

    não o vi. ele está em cartaz? É bom? É sobre o quê?

    ACicero

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  40. É um documentário que eu diria lúcido de estudantes irlandeses de mídia, TV, alguma coisa relacionada a isso que foi feito na Venezuela quando do golpe mal-fadado de 2002. É muito interessante pois ele retrata fatos daquele processo que não vimos na grande mídia. Retrata a manipulação que ocorre na comunicação na América Latina e, em especial, na Venezuela. Acho que ele pode ser visto no YOUTUBE em cinco partes.
    Um abraço.

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