26.12.11

Maldita partícula




Recentemente, pesquisadores que trabalham no LHC, que é o maior acelerador de partículas do mundo, disseram ter visto indícios da existência do “bóson de Higgs”, uma partícula que explicaria por que todas as partículas têm massa. O fato de que essa partícula tenha sido apelidada de “partícula de Deus” animou muitos religiosos a pensarem que, caso seja provada sua existência, ela, de algum modo, reforçará a combalida hipótese da existência de Deus.

Ledo engano. Em interessante artigo intitulado "Maldita partícula", publicado no dia 18 do corrente na Folha de São Paulo, Hélio Schwartsman mostra que o apelido “partícula de Deus” é um caso de “inadequação entre referência e significado”. Segundo ele, “o apelido surgiu em 1993, como título do livro do físico Leon Lederman: "The God Particle" (a partícula de Deus). O problema é que esse título foi, segundo o autor, dado contra a sua vontade. Lederman queria chamar o livro de "maldita partícula" ("goddamn particle"), "porque ninguém conseguia achá-la". Esperto, o editor ficou só com a primeira sílaba, ‘God’, e a obra e o apelido foram um sucesso. Agora, parece, até encontraram a maldita partícula.” Que os religiosos tirem o cavalinho da chuva...

10 comentários:

  1. Interessante. O conceito de "Deus" é algo reconfortante para o ser humano. Serve de substituto para todas as dúvidas, põe um fim a todo tipo de indagação. Tudo o que não podemos explicar ou resolver, jogamos "para cima", e assim nos sentimos aliviados. Pensar dói!

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  2. Metas para 2012:

    1) Não esquecer da gaivota de Heine:

    Vê-se uma gaivota branca,
    Sobre as ondas do oceano
    Tão escuro, esvoaçando;
    Lá no alto a lua plana.

    Tubarões e uma jamanta
    Saltam para abocanhá-la,
    A gaivota em zigue-zague;
    Lá no alto a lua plana.

    Ó furtiva, amada alma,
    Quantas penas, quanto engano.
    A água está se aproximando!
    Lá no alto a lua plana.

    (HEINE, Heinrich; VALLIAS, André. Heine, hein? : Poeta dos contrários. São Paulo: Perspectiva; Goethe Institut, 2011)

    Aetano

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  3. Metas para 2012:

    2) Quando a coisa tornar-se insuportável, gritar:

    "I've got blisters on my fingers!"

    (Berro de Ringo Star, emitido durante a gravação de "Helter Skelter". Simboliza um "basta", um "não da mais", "chega", "acabou" daquele que, segundo Lennon, não era nem mesmo o melhor baterista dos Beatles. Mas, e daí?).

    Aetano

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  4. Metas para 2012:

    3) Não se esforçar tanto para ser compreendido, pois é bastante possível morrer sem sê-lo. Vide Hegel, que, no leito da morte, lamentou:

    "Ninguém me compreendeu a não ser um homem; e, assim mesmo, me compreendeu mal"

    (Frase extraída do livro "Origens do Totalitarismo", ARENDT, Hannah. Tradução de Roberto Raposo - São Paulo: Compamhia das Letras, 1989)

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  5. Metas para 2012:

    4) Ler Heine e imitar sua ironia. Ler Heine e imitar sua irreverência. Ler Heine e imitar seu deboche, seu humor e sua leveza:

    "Devido à secura de suas abstrações, a filosofia kantiana foi muito prejudicial às belas artes e letras. Por sorte, ela não se intrometeu na gastronomia"

    "O Deus dileto, que me tortura tão cruel, hei de denunciar à Sociedade Protetora dos Animais"

    (HEINE, Heinrich; op. cit.)

    Aetano

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  6. POR UMA RELIGIOSIDADE RESOLVIDA


    O texto de Cicero sobre a "God[damn] particle" levou-me a refletir novamente sobre algo que já expus aqui: por que tantos religiosos precisam das provas - inexistentes - da existência de Deus? Já não lhes é suficiente a convicção íntima de que Deus existe?

    Desconfio que a necessidade de provar que Deus existe decorra do desejo de ressuscitar o Seu "status" de verdade pública. Fosse tal existência uma verdade demonstrável e racionalmente acessível a todos, estaria de certo modo legitimada a atitude fundamentalista que busca, a qualquer custo, converter o outro. Por outro lado, sendo a existência de Deus uma crença, isto é, produto da irracionalidade, como impô-la a outrem?

    Ocorre ainda que depois do Iluminismo se tornou vergonhoso declarar, em certos ambientes, o cultivo de alguma irracionalidade. Quer dizer, a existência de Deus perdeu o "status" de verdade pública que tinha na Idade Média e passou a ser tratada - no máximo - como uma verdade privada. E não só porque o recesso do lar era o seu lugar devido, mas também porque passou a conferir ao crente - para o desespero e a insegurança deste - a imagem de medieval, atrasado, obscurantista. Numa palavra: ignorante.

    De fato, em certo sentido o crente é um ignorante. Não o fosse, não seria "crente", ou seja, aquele que possui uma crença. Com efeito, só é possível crer naquilo que se ignora. Em outros termos: "credo quia absurdum". Ora, posto que é impossível crer sem ignorar, a vergonha que se tem da ignorância é, em última instância, uma vergonha da própria crença. 

    Mas qual a origem dessa vergonha de ser ou parecer ignorante? Penso que foi o Iluminismo - que defendia a ilustração de todos - quem elegeu o conhecedor enciclopédico como o cidadão ideal, orgulho da cidade, enquanto que para o ignorante - seu antípoda - restou a vergonha, a humilhação. Daí que hoje é preferível fingir conhecimento a admitir qualquer ignorância, por menor que seja. Daí também que é sempre mais bem avaliada a truculência, a arrogância e a hospitalidade de delegacia dos (supostos) eruditos que a humildade de um (suposto) apedeuta (não é, Reinaldo Azevedo?). 

    Contudo, avaliando bem, o que é mais nocivo: saber que se ignora aquilo em que se crê ou crer naquilo que se supõe saber? Qual das duas "crenças" está imune ao ímpeto catequizador, à pretensão de converter quem quer que seja, aos arroubos fundamentalistas?

    O crente - seja qual for a sua crença -, quando sabe que crê naquilo que ignora, é inofensivo, tolerante e até jocoso. Ele, ciente de que a razão não é o seu Deus, não se envergonha da sua crença porque sabe que esta é tão satisfatória, particular e intransferível quanto qualquer outra irracionalidade.

    Portanto, às favas com a tal partícula (divina, maldita, que seja)! Deus nunca mais será uma verdade cartorial, nunca mais terá certidão de nascimento. O Deus cartorial já morreu: Kant - o pastor - deu-Lhe a extrema unção e lavrou-Lhe a certidão de óbito. O panfletário Nietzsche apenas a tornou pública. Mas se as viúvas desse Deus ainda choram, é de se perguntar: será desconsolo? Será vergonha?

    Seja o que for, eu entendo: haverá sempre quem precise do aval da "communis opinio doctorum"...

    Aetano

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  7. Caro Aetano,

    parabéns pelo seu texto, que é muito lúcido.

    Abraço

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  8. Caro Cicero,

    Vc é generoso! Mas eu gosto (rsrs)

    Obrigado!

    Abcs

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