Contra os absurdos ataques sofridos pelo
excelente texto publicado no jornal Le Monde de 9 do corrente e escrito por
Peggy Sastre, Catherine Millet, Sarah Chiche, Catherine Robbe-Grillet e Abnouse
Shalmani -- texto assinado por personalidades admiráveis como Catherine Deneuve
-- resolvi republicá-lo neste blog.
Mulheres liberam outro discurso
A violação é um crime. Mas a galanteria não é uma agressão machista, nem a paquera insistente ou desajeitada um delito
Em consequência do
caso Weinstein, houve uma legítima tomada de consciência das violências sexuais exercidas
contra as mulheres, particularmente no campo profissional, onde alguns homens
abusam do seu poder. Ela era necessária. Mas essa libertação do discurso transforma-se
hoje no seu oposto: somos intimadas a falar “corretamente”, a silenciar sobre o
que incomoda, e aquelas que se recusam a se dobrar a tais injunções são
consideradas traidoras, cúmplices!
Ora, faz parte do
puritanismo apropriar-se, em nome de um pretenso bem geral, dos argumentos da
proteção das mulheres e de sua emancipação para melhor acorrentá-las
ao estatuto de eternas vítimas, de pobrezinhas sob o domínio de
falocratas demoníacos, como nos velhos e bons tempos da feitiçaria.
De fato, #metoo conduziu,
na imprensa e nas redes sociais, uma campanha de delação e de acusação pública
de indivíduos que, sem que lhes fosse dada a mínima possibilidade de responder
ou de se defender, foram postos exatamente no nível de agressores sexuais. Essa
justiça expeditiva já fez suas vítimas: homens sancionados no exercício de sua
profissão, obrigados a demitir-se etc., quando seu único erro foi ter tocado um
joelho, tentado roubar um beijo, falado de coisas “íntimas” durante um jantar
profissional ou enviado mensagens com conotação sexual a uma mulher que não
correspondia ao desejo deles.
Essa ânsia de enviar
“porcos” ao matadouro, longe de ajudar as mulheres a se autonomizarem, serve
realmente aos interesses dos inimigos da liberdade sexual, aos extremistas
religiosos, aos piores reacionários e àqueles que acreditam, em nome de uma
concepção substancial do bem e da correspondente moral vitoriana, que as
mulheres são seres “à parte”, crianças com caras de adultos, necessitando de
proteção.
Por outro lado, os
homens são convocados a aceitar sua culpa e de reconhecer, no fundo de sua
consciência retrospectiva, um “comportamento inadequado” que possam ter tido
dez, vinte ou trinta anos atrás, e do qual deveriam agora se arrepender. A confissão
pública, a incursão de promotores autoproclamados na esfera privada: eis que se
instala uma espécie de clima de sociedade totalitária.
A onda puritana parece
não ter limites. Aqui, censuramos um nu de Egon Schiele em um cartaz; ali
pedimos a remoção de uma pintura de Balthus de um museu, com base em que seria
uma apologia da pedofilia; na confusão absurda do ser humano com sua obra,
exige-se a proibição da retrospectiva de Roman Polanski na Cinémathèque e obtém-se
o adiamento da de Jean-Claude Brisseau. Uma universitária julga o filme Blow Up, de Michelangelo Antonioni
“misógino” e “inaceitável”. À luz desse revisionismo, John Ford (The prisoner of the desert) e até mesmo
Nicolas Poussin (L’enlèvement des sabines)
estão ameaçados.
Já há editores nos
pedindo a algumas de nós que façamos nossos personagens masculinos menos
“sexistas”, que falemos de sexualidade e de amor com menos desenvoltura ou
ainda que tornemos mais evidentes os “traumatismos sofridos pelos personagens
femininos”!
Ruwen Ogien defendia a
liberdade de ofender como indispensável à criação artística. Do mesmo modo,
defendemos a liberdade de importunar como indispensável à liberdade sexual. Estamos
hoje suficientemente informados para reconhecer que o impulso sexual é, por
natureza, ofensivo e selvagem, mas também somos suficientemente clarividentes
para não confundirmos uma abordagem desajeitada com uma agressão sexual. Acima de
tudo, estamos conscientes de que a pessoa humana não é monolítica: uma mulher
pode, no mesmo dia, liderar uma equipe profissional e ter prazer em se tornar o
objeto sexual de um homem, sem ser nem uma vagabunda nem uma vil cúmplice do patriarcado.
Ela pode cuidar para que o seu salário seja igual ao de um homem e considerar
que sofrer uma esfregadela no metrô não é o resultado de uma agressividade
incontida, mas a expressão de grande miséria sexual, ou mesmo de coisa alguma.
À beira do ridículo, um projeto de lei na Suécia quer impor um consentimento
explicitamente notificado a qualquer candidato a uma relação sexual! Mais um pouco
e cada adulto que queira dormir com outro deverá previamente consultar, através de determinados
aplicativos de seus celulares, a lista de atos sexuais aceitos pelo seu
parceiro (ou parceira) e a de atos rejeitados por ele (ou por ela).
Enquanto mulheres, não
nos reconhecemos nesse feminismo que, além de denunciar de abusos de
poder, assume a feição de um ódio aos homens e à sexualidade. Acreditamos que
a liberdade de dizer “não” a uma proposta sexual não existe sem a liberdade de incomodar.
E consideramos que, para reagir a essa liberdade de incomodar, não é necessário
fazer o papel de vítima.
Sabe o que eu acho? Que se se fizer um cavalo de batalha de qualquer dos dois lados, a coisa dá para o torto. Porque cada um deles, na sua origem, tem razão e está certo. Mas a multidão opinativa desvirtua e empobrece. E por mim, encerro o assunto.
ResponderExcluirO texto apresenta argumentos. Para fins de debate, seria bom argumentar também. Não basta dizer que estão todos certos e que não se discuta mais isso, pois isso sim empobrece.
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