15.2.15

Armando Freitas Filho: "De um sonho"



De um sonho

A areia retida nas mãos em concha
vaza, e inicia a ampulheta
preenchendo as fôrmas das letras
e de algumas figuras:
a do A surge consistente
seguida do molde do rosto de uma criança
dentro da bacia oval e úmida que as mãos
escavaram, à beira da baía de igual formato
no intervalo de uma onda mais forte e outra.
O avanço do mar acaba apagando
a construção na praia, mas a memória
a reescreve com o mesmo espírito, método
e redundância, nas linhas da maré.



FREITAS FILHO, Armando. Dever. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

3 comentários:


  1. O Armando é soube manter-se no prumo, Cicero. Belo poema. Numa bate-bola, mando-lhe abaixo esta preciosidade do Hélio Pellegrino, poeta bissexto, um dos quatro cavaleiros do apocalipse (um quarteto mineiro cuja amizade encanta até hoje a todos; um quarteto digno de respeito: Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende, Fernando Sabino e Hélio Pellegrino)
    Abraços
    Arsenio Júnior

    MOMENTO

    Oh! A resignação das coisas paradas,
    grávidas de silêncio, reverentes,
    em sua geometria sem jactância.

    A placidez das ruas acolchoadas
    contra a dura cintilação do dia;
    o recato das árvores, a prece
    das esquadrias de alumínio ionizado
    na fachada do edifício em frente!

    Todas as coisas — em clausura — cumprem votos,
    enquanto a vã filosofia do século
    pensa que move o mundo.

    HÉLIO PELLEGRINO
    In Minério Domados - Poesia Reunida. Seleção e Edição: Humberto Werneck - 1ª Edição, Rocco, Rio de Janeiro, 1993)

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  2. Um abração, Cicero!
    Arsenio Junior

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