29.1.12

Cioran: trecho de "Borges. Carta a Fernando Savater"




[...]
Nunca fui atraído por espíritos confinados numa única forma de cultura. Não se enraizar, não pertencer a nenhuma comunidade - esta foi e é minha divisa. Voltado para outros horizontes, sempre procurei saber o que se passava alhures. Aos vinte anos, os Bálcãs não podiam me oferecer mais nada. É o drama, e a vantagem também, de ter nascido num espaço "cultural" menor, qualquer que seja ele. O estrangeiro se tornara meu deus. Daí esta sede de peregrinar através das literaturas e das filosofias, de devorá-las com ardor doentio. O que acontece no Leste da Europa deve necessariamente acontecer nos países da América Latina e observei que seus representantes são infinitamente mais informados, mais "cultos" que os Ocidentais, incuravelmente provincianos. Nem na França ou na Inglaterra vi alguém que tivesse uma curiosidade comparável à de Borges, uma curiosidade exacerbada até a mania, até o vício, digo realmente vício porque, em matéria de arte e de reflexão, tudo o que não se transforma em entusiasmo um pouco perverso é superficial, logo irreal.
[...]




CIORAN. "Borges. Carta a Fernando Savater". In:_____. Exercícios de admiração. Tradução de José Thomaz Brum. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.

7 comentários:

  1. 1-Seu blog é realmente imperdível! Onde encontrar essas coisas, senão aqui?

    2-Segue um verbete do "Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos", de Antonio Carlos do Amaral Azevedo, que talvez lhe divirta:

    "MOZAMBO - termo empregado no tempo colonial, e mesmo depois, para designar o filho de português nascido no Brasil. O mozambo, gradualmente transformou-se numa categoria social à qual, embora fosse reconhecida por todos, ninguém queria pertencer. Inúmeras vezes, para livrar-se dessa identificação considerada injuriosa, o mozambo, filho do reinol - o que nascia em Portugal - viajava para a terra de seu pai para, na volta renegar o título de mozambo e reivindicar o de reinol. Apesar de desaparecido o título, o mozambo continuou existindo. Um notável historiador brasileiro fez desse tipo social admirável retrato, resumindo numa expressão: "Um europeu extraviado em terras brasileiras". O mozambo esforçava-se por ignorar tudo ou quase tudo que fosse pertinente ao país em que nascera, vivendo "zangado com o Brasil". Indolente, olhos sempre na Europa, aventureiro e mulherengo, o mozambo foi um dos tipos sociais mais originais do Brasil colonial, perdurando até os primeiros tempos do império".

    3-Infelizmente, Amaral de Azevedo não nomeia o tal historiador, mas provavelmente é o Gilberto Freire, ou talvez seja o Evaldo Cabral Mello.

    4-Tenha um bom domingo.

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  2. Excelente escolha. Gostei imenso de reler.
    Ah, sei que é difícil olhar e ver que o horizonte vai para além do que nossa visão, nossos conhecimentos e pensamentos chegam.
    A caminhada não pode cessar.
    Abraços

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  3. depois de uma leitura densa, hermética de Whitehead...já esgotado me surgiu a idéia: dar um pulo para ler Antônio Cícero. E eis que encontro essa citação maravilhosa.

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  4. "Sapo de poço não sabe o que é oceano"

    (Provérbio Japonês, salvo engano).

    Aeta

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  5. Entre os andaimes
    Em construção
    Posso ainda ver a
    Abóboda da Igreja
    Cujos sinos enfeitam as tardes
    Cinzentas de ruas cinzentas
    E onde o amarelo do bem-te-vi
    Predomina no calor
    Do dia que principia
    Porém, as chuvas de janeiro,
    Já passadas
    Transpiração que ilumina
    Quais flores no jardim
    Magnólias, cravos, a rosa
    E o jasmim
    Cantam enfim ao
    Meu coração cativo
    E porque vivo
    De madrugada, na calada,
    A passarinhada toda acesa
    E ao longe aquelas luzes
    Todas acesas, estrelas,
    Quanta beleza
    Fotolito, fragmento,
    Não sei se sou
    Ou se sou invento.

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