30.7.11

Severo Sarduy: "Morandi" / "Morandi": tradução de Haroldo de Campos

Morandi

Una lámpara. Un vaso. Una botella.
Sin más utilidad ni pertinencia
que estar ahí, que dar a la consciencia
un soporte casual. Mas no la huella

del hombre que la enciende o que los usa
para beber: todo ha sido blanqueado
o cubierto de cal y nada acusa
abandono, descuido ni cuidado.

Sólo la luz es familiar y escueta
el relieve eficaz; la sombra neta
se alarga en el mantel. El día quedo

sigue el paso del tiempo con su vaga
irrealidad. La tarde ya se apaga.
Los objetos se abrazan: tienen miedo.



Morandi

Uma lâmpada. Um copo. Uma garrafa.
Sem outra utilidade nem premência
que estar aí, que dar à consciência
um suporte casual. Que traço grafa

o gesto que uma acende e os outros usa
para beber? Tudo foi clareado
ou coberto de cal e nada acusa
abandono, descuido nem cuidado.

A luz somente é familiar e reta,
o relevo eficaz; sombra direta
se alonga na toalha. O dia cedo

segue o passo do tempo, lento, a vaga
irrealidade. A tarde já se apaga.
Objetos se abraçam: sentem medo.



SARDUY, Severo. In: CAMPOS, Haroldo. "Três (re)inscrições para Severo Sarduy". In:_____O segundo arco-íris branco. São Paulo: Iluminuras, 2010.

6 comentários:

  1. "Objetos se abraçam: sentem medo". Lindo isso. Um poema elevado...digno de tradução.

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  2. Cícero,

    A frase "Que traço grafa o gesto que uma acende os outros usa para beber ?" está estranha.

    Não será "ou outro usa".

    JR.

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  3. Olá, Cícero
    Quero te convidar a dar um passeio por meu blog que tráz poemas inspirados na música de Amy winehouse.

    www.palavreandome.blogspot.com

    Abraço

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  4. João Renato,

    o que ocorreu foi que, ao transcrever o poema, omiti, sem querer, a conjunção "e". Obrigado por observar a estranheza.

    Abraço

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  5. ..."O dia cedo segue o passo do tempo, lento, a vaga irrealidade"...
    Caro Cicero, nada vaga é a vertigem de um tempo desmascarado na gratuidade de uma presença discreta, avulsa, paradoxalmente substancial e abstrata.
    Belíssima publicação!

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  6. Cicero,

    Lindo o poema e bela a tradução!

    Um poema meu:


    "da criação concreta" - Para Augusto de Campos e Ferreira Gullar


    então, não satis-
    feito, sir satã
    solta um sorriso...
    (uma gargalhada,

    pra ser mais preciso)
    e cria seu monstro-
    sol, guloso, cego.
    e não houve nada

    de mais... na manhã
    seguinte, o requinte
    na ponta do lápis:

    o mundo era outro,
    o século... vinte?
    nascia o deus ego!


    Abração,
    Adriano Nunes

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