Morandi
Una lámpara. Un vaso. Una botella.
Sin más utilidad ni pertinencia
que estar ahí, que dar a la consciencia
un soporte casual. Mas no la huella
del hombre que la enciende o que los usa
para beber: todo ha sido blanqueado
o cubierto de cal y nada acusa
abandono, descuido ni cuidado.
Sólo la luz es familiar y escueta
el relieve eficaz; la sombra neta
se alarga en el mantel. El día quedo
sigue el paso del tiempo con su vaga
irrealidad. La tarde ya se apaga.
Los objetos se abrazan: tienen miedo.
Morandi
Uma lâmpada. Um copo. Uma garrafa.
Sem outra utilidade nem premência
que estar aí, que dar à consciência
um suporte casual. Que traço grafa
o gesto que uma acende e os outros usa
para beber? Tudo foi clareado
ou coberto de cal e nada acusa
abandono, descuido nem cuidado.
A luz somente é familiar e reta,
o relevo eficaz; sombra direta
se alonga na toalha. O dia cedo
segue o passo do tempo, lento, a vaga
irrealidade. A tarde já se apaga.
Objetos se abraçam: sentem medo.
SARDUY, Severo. In: CAMPOS, Haroldo. "Três (re)inscrições para Severo Sarduy". In:_____O segundo arco-íris branco. São Paulo: Iluminuras, 2010.
"Objetos se abraçam: sentem medo". Lindo isso. Um poema elevado...digno de tradução.
ResponderExcluirCícero,
ResponderExcluirA frase "Que traço grafa o gesto que uma acende os outros usa para beber ?" está estranha.
Não será "ou outro usa".
JR.
Olá, Cícero
ResponderExcluirQuero te convidar a dar um passeio por meu blog que tráz poemas inspirados na música de Amy winehouse.
www.palavreandome.blogspot.com
Abraço
João Renato,
ResponderExcluiro que ocorreu foi que, ao transcrever o poema, omiti, sem querer, a conjunção "e". Obrigado por observar a estranheza.
Abraço
..."O dia cedo segue o passo do tempo, lento, a vaga irrealidade"...
ResponderExcluirCaro Cicero, nada vaga é a vertigem de um tempo desmascarado na gratuidade de uma presença discreta, avulsa, paradoxalmente substancial e abstrata.
Belíssima publicação!
Cicero,
ResponderExcluirLindo o poema e bela a tradução!
Um poema meu:
"da criação concreta" - Para Augusto de Campos e Ferreira Gullar
então, não satis-
feito, sir satã
solta um sorriso...
(uma gargalhada,
pra ser mais preciso)
e cria seu monstro-
sol, guloso, cego.
e não houve nada
de mais... na manhã
seguinte, o requinte
na ponta do lápis:
o mundo era outro,
o século... vinte?
nascia o deus ego!
Abração,
Adriano Nunes