16.7.11

Fala de Carlos Drummond de Andrade sobre Deus e a morte




Você não pode imaginar como Deus me chateia. Eu não creio nele. Creio realmente numa organização natural que pode tomar o nome de Deus. Esse argumento de que não é possível existir nada sem um poder gerador que seria Deus não resolve, porque então quem criou Deus? Deus gerou o mundo? E quem gerou Deus?

[...]

Não é Deus que é misterioso; é a vida que é misteriosa. Por que nós nascemos? Por que alguém nasceu e gerou outros tantos? Esse mistério não está explicado, e eu me curvo diante dele. Agora, não aceito uma explicação metafísica.

A única coisa de que estou convencido é de que nós morremos de verdade, nós morremos mortos. Nós não revivemos, porque não há nenhum exemplo na natureza disso. Essa história de transformação está bem, mas a essência humana desaparece. Se ela se converte em cinza, em adubo, em qualquer coisa, não é mais a essência humana. Vamos convir que o homem não é assim tão importante.

E aí vem o problema da morte. A aceitação da morte é o máximo que o ser pode conseguir para efeito de se ajustar com a vida, de se entender com a natureza. Se todas as coisas são mortais, o homem não pode pretender à imortalidade. Ela me parece uma grande pretensão de sua parte. Com a ideia da imortalidade, ele se consola da sua mortalidade, mas ele não tem nenhuma prova de que exista essa imortalidade.



Transcrição de trechos de:

ANDRADE, Carlos Drummond de. Maria Julieta entrevista Carlos. Entrevista a Maria Julieta Drummond de andrade. CD. Rio de Janeiro: Luz da Cidade, 2002.

30 comentários:

  1. Bela fala. Acho bonito quando grandes poetas se manisfestam acerca desses temas. Os judeus chassídicos acreditam na importância do homem a ponto de considerarem o próprio homem como colaborador de Deus.

    ResponderExcluir
  2. Penso quase exactamente como o poeta.Ele di-lo melhor que eu o diria.O único deus que venero é aquele deus-criança de que fala Alberto Caeiro no poema VIII de O guardador de rebanhos...

    ResponderExcluir
  3. Drummond está longe de uma visão mais ampla, histórica, arqueológica e exotérica como a de Norman Mailer em Ancient Nights, ou da pura e simples dialética de Nikos Kazantzakis em A Última Tentação de Cristo... Ou ainda da da perspicácia religiosa e cosmologia de Clarice Lispector. Isso aí q ele fala é pura embromação, não quer dizer nada.

    ResponderExcluir
  4. É inacreditável que "Os anos que vivemos cantando rock" nunca tenham se dado conta de que Drummond é mais profundo do que Clarice Lispector, muito mais profundo do que Nikos Kazantzakis e incomparavelmente mais profundo do que Norman Mailer (Norman Mailer!).

    ResponderExcluir
  5. Lindo texto. Não precisa desmerecer a Clarice por causa dele, embora eu concorde que a qualidade de "A paixão segundo GH" está em outro lugar, não na compreensão do mistério.

    - - -

    A propósito, acho que falta um verbo na segunda frase do terceiro parágrafo.

    ResponderExcluir
  6. É a reflexão que todos temos em algum momento da vida... mas axo que a maior prova de que a imortalidade existe é o sentimento de nao aceitação da morte...

    ResponderExcluir
  7. O mais estranho de deus é que não existe nenhuma prova, nem sequer mínimo vestígio ou mísero rastro de vestígio da existência deste personagem tão confortável e solucionador.
    Tudo, absolutamente tudo que ouvimos de deus é fruto de uma construção humana.
    E, por maior que sejam o nosso medo e ignorância, eu não encontro para ele nenhuma outra paternidade que não seja a Esperança.
    JR.

    ResponderExcluir
  8. "Ou ainda da da perspicácia religiosa..." - Os religiosos são tão perspicazes que fundam inúmeras religiões conflitantes entre si e que não chegam a provar nada.A concepção de Drummond é muito mais profunda e perspicaz: não deixando de se encantar com o mistério da vida, não simplifica a realidade pra que ela, realidade, caiba na sua visão - como fazem convenientemente os religiosos.

    ResponderExcluir
  9. Sabina,

    não é desmerecer a Clarice dizer que Drummond é mais profundo do que ela, pois acho Drummond o mais profundo escritor brasileiro.

    Obrigado pela lembrança da falta do verbo "haver".

    ResponderExcluir
  10. É natural que uma pessoa brilhante como Drummond reflita e se manifeste acerca desse tema.

    É interessante ter contato com o pensamento do poeta. No entanto, acredito que não se pode colocar num mesmo patamar a grande obra de Drummond com textos dessa natureza.

    ResponderExcluir
  11. Robson,

    você tem razão. É claro que essas reflexões não valem nada, do ponto de vista artístico ou poético.

    Por outro lado, um grande poeta não pode ser um pensador superficial.

    ResponderExcluir
  12. Robson,

    você tem razão. É claro que essas reflexões não valem nada, do ponto de vista artístico ou poético.

    Por outro lado, um grande poeta não pode ser um pensador superficial. O que Drummond diz aqui não é nada superficial.

    ResponderExcluir
  13. Drummond é um cabra chato e sem graça q não chega aos pés de Ana Cristina César...

    ResponderExcluir
  14. Caro "Os anos...",

    será que você não percebe que o que acaba de dizer revela demais sobre você mesmo, mas nada sobre Drummond?

    ResponderExcluir
  15. Guilherme

    É curiosa e instigante essa discussão sobre a profundidade de um escritor (e mais ainda no caso de se falar especificamente de um poeta), quando hoje quase todo mundo se esquiva da crítica judicativa, Cicero.
    Podemos concordar, por exemplo, que Valéry, Rilke ou Yeats, por exemplo, são poetas profundos (e de fato são), mas você acha que é possível, por este critério, compará-los a poetas também imensos mas com poéticas diferentes, como Ponge, Benn ou Eliot? O que você pensa sobre isso? Um abraço,

    Guilherme

    ResponderExcluir
  16. Guilherme,

    Só um pensador profundo pode, como Ponge, falar com profundidade sobre a superfície. Sobre a profundidade do pensamento de Benn ou Eliot, nem é preciso falar, pois é evidente.

    ResponderExcluir
  17. Tem razão, Cícero, confesso q não li e não gostei... Essa polêmica religiosa é bem complicada: o q pra vc (e Drummond) não passa de fantasia ou invencionice ou fragilidade humana pode ser entendido como exoterismo ou ocultimo -- a religião, para os antigos, não era uma espécie de ciência sagrada? Ok, o mundo caminha para frente, mas e o q foi deixado pra trás ou ocultado de todos nós? O ceticismo ou ateismo não seria um outro tipo de 'religião'? Com todo respeito q tenho a vc e a sua poesia infernal (genial)... um forte abraço!

    ResponderExcluir
  18. Caro "Os anos..."

    Entendo o que você diz, mas lhe recomendo que leia com muita atenção a poesia do Drummond. Ela é grandiosa e está longe de se limitar à questão do teísmo ou ateísmo.

    Forte abraço

    ResponderExcluir
  19. Achei interessante como texto, por ser bem feito. Com a idéia da imortalidade nos consolamos do fim, sim. Mas existem fenomenos, (acontecimentos, rs),ao contrário do que diz o poeta, que de certa forma podem ser considerados como prova de tal imortalidade ou ressureição. O poeta me parece querer se convencer da nao existência de Deus .

    ResponderExcluir
  20. Drummond é toda uma Literatura. Ele tem o poder encantado de nos fazer ver além dos outdoors. De tecer poesia e filosofia em quaisquer reflexões que faça.

    A certeza aristotélica da morte é a única certeza que temos. Ou deveríamos ter (haja vista o esforço das religiões de nos tirarem essa única certeza possível).

    ResponderExcluir
  21. "viver é super difícil
    o mais fundo
    está sempre na superfície"

    Paulo Leminski

    ResponderExcluir
  22. "Você não pode imaginar com Deus me chateia".

    Drummond não perde a ambiguidade essencial à escrita poética.
    Deus chateia ocupando o lugar do mistério, próprio para quem não quer explicar as origens, a vida.
    Mais um vez nosso poeta maior recusa a "máquina do nundo", mesmo na forma prosaica e aparentemente simples.
    Obrigada, Antonio Cícero.

    ResponderExcluir
  23. Quem não conhece Drummond não conhece nossa língua. Ele passeia pela crônica tão bem quanto pela poesia. Hoje mesmo estava numa livraria pensando: devo comprar um livro de poesias dele...

    O livro do R. Fonseca novo, "José", ele coloca o poeta Drummond num patamar elevadíssimo; ao lado do Pessoa.

    Eu gostei do "Dossiê Drummond", do Geneton Moraes. Ali pode-se compreender o homem Carlos.

    É Drummond...

    ResponderExcluir
  24. Nossa, adorei a citação *-*
    Alguém sabe me dizer em que ponto do CD está?

    ResponderExcluir
  25. - "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce" - já dizia Fernando Pessoa. - E, Drummond é - esta Obra em homem, que Deus sonhou e criou! - E, pô-lo a falar “português” e fi-lo meu poeta em língua galega-brasileira. - Drummond e, os 200 milhões de brasileiros falam e escrevem em Galego, com sotaque brasileiro, quiçá, com o nome de geolíngua - no futuro. Pois, a língua “portuguesa", foi criada por decreto de D. Dinis, em 1296, ao eliminar sumariamente o Galego, aliás, a língua que o próprio Rei escrevia as suas poesias, tal qual o seu avó, D. Afonso X fez, a partir de 1252, ao dar o nome de castelhano, ao Galego, que, por sinal, também era a língua deste Rei, sábio e poeta, de Leão, Castela e Galiza. - Mais detalhes, aqui - http://www.youtube.com/watch?v=aisI7SEry4c

    ResponderExcluir
  26. Drummond deve ter sido um homem mto infeliz, pois não acreditar em Deus é a mais pura de prova de não perceber a sua própria essência e não valorizar as coisas ao seu redor!!!

    ResponderExcluir
  27. Caro Unknown,

    É evidente que você está inteiramente errado, pois, para quem quer que saiba ler a poesia de Drummond, é evidente que pouquíssimas pessoas jamais foram tão capazes quanto ele de perceber sua própria essência e de valorizar as coisas ao seu redor.

    ResponderExcluir
  28. Quando Drumond escreveu JOSÉ, ela estava falando dele mesmo.Ele deve ter sido o homem mais infeliz do mundo. Tenho pena da alma dele.

    ResponderExcluir