4.4.11

Fernando Assis Pacheco: "Louvor do Bairro dos Olivais"




Louvor do Bairro dos Olivais

Não tive nunca nada a ver com as
guitarras estudantes; eu vivia
num lento bairro da periferia
onde a chuva apagava os passos das

pessoas de regresso a suas casas
fazia compras na mercearia
e algum livro mais forte que então lia
já era para mim como um par d'asas

amigos vinham ver-me que eu servia
de ponche ou Madeira malvasia
para soltar as línguas livremente

um que bramava um outro que dormia
eu abria a janela e só dizia
ao menos estas ruas têm gente



PACHECO, Fernando Assis. A Musa irregular. Lisboa: ASA, 1996.

3 comentários:

  1. Cícero,
    poema extraordinário! me impressionam essas oscilações, "indefinições" rítmicas notáveis nos cortes "equívocos" dos versos nas átonas (segundo alguns mais tradicionais, sem aspas e "grave defeito"). vou procurar conhecer esse poeta - acho que é a primeira vez que o leio, já o conhecia de nome.
    belíssima postagem, abraço

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  2. Malvasia

    Certo dia
    Colhia
    Uvas brancas
    Uvas doces
    De malvasia
    Na parreira do quintal
    Que meu avô plantava
    No quintal da sua casa
    E tanto tempo se foi desde então
    Mas tão perto ainda é do coração.

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  3. SONETO AOS FILHOS

    Toda a epopeia da família cabe aqui
    um avô galego chegado a Portugal rapazinho
    outro de ao pé de Aveiro que se meteu
    num barco para S. Tomé a fazer cacau

    de filhos seus nasci
    com este pouco de inútil fantasia
    nutrida em solidões nas que me vejo
    nu como um bacorinho na pocilga

    e como ele indefeso e porém quis
    mesmo assim ser mais que o animal
    no tutano dos ossos pressentido

    não peço nada usai o meu nome
    se vos praz lembrai-me
    o que for costume

    mas livrai-vos do luxo e da soberba


    Fernando Assis Pacheco

    A musa irregular, Assírio & Alvim, Lisboa, 2006


    RESPIRAÇÃO ASSISTIDA

    Eu vi a morte
    de noite - névoa branca -
    entre os frascos do soro
    rondar a minha cama

    era um trasgo
    e como tal metera-se
    pelas frinchas; noutra versão
    coando-se através
    dos nós da madeira
    ou noutra ainda
    imitando à perfeição
    o gorgolejar da água
    nos ralos: eu tremia
    covardemente enquanto
    ela raspava a parede
    com unhas muito lentas

    eu vi? ouvi a morte?
    com toda a probabilidade
    e por instantes era ela - luz negra -
    tentando cegar-me


    Pardilhó, 7/9-VII1-94
    Lisboa, 27-XI-95


    Respiração assistida, Assírio & Alvim, Lisboa, 2003



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