5.3.11

Heinrich Heine: "An Edom!" / "A Edom!": tradução de André Vallias





A Edom!*

Há dois milênios já perdura
A convivência tão fraterna –
Quando eu respiro, tu me aturas,
Se te enraiveces, eu tolero.

Algumas vezes, convenhamos,
Cruzaste as raias do mau gosto,
As santas unhas mergulhando
Na tinta rubra do meu corpo!

Nossa amizade agora cresce
A cada dia e nunca para;
Virei alguém que se enraivece,
Estou ficando a tua cara.



An Edom!*

Ein Jahrtausend schon und länger,
Dulden wir uns brüderlich,
Du, du duldest, daß ich atme,
Dass du rasest, dulde Ich.

Manchmal nur, in dunkeln Zeiten,
Ward dir wunderlich zu Mut,
Und die liebefrommen Tätzchen
Färbtest du mit meinem Blut!

Jetzt wird unsre Freundschaft fester,
Und noch täglich nimmt sie zu;
Denn ich selbst begann zu rasen,
Und ich werde fast wie Du.

[1824]


*Edom: do hebraico = 'vermelho'; nome dado a Esaú e ao povo que dele descende; por extensão, aplicado às nações inimigas de Israel [nota de André Vallias].






VALLIAS, André. Heine heim? Poeta dos contrários. São Paulo: Perspectiva, 2011 (no prelo).

A tradução, por André Vallias, desse e de outros poemas de Heinrich Heine, acaba de ser publicada na revista Piauí, nº 54 (março).

7 comentários:

  1. O poema é uma beleza, e a tradução, extraodinária. Dê meus parabéns ao André Vallias. Pergunto-me, porém, se o leitor médio sabe que "Edom" é outro nome para o "Esaú" da Bíblia, cujo irmão, o suposto autor da carta, é Jacó. Mas, de todo modo, o poema e a tradução são maravilhosos.

    ResponderExcluir
  2. Marcelo, muito obrigado! Na edição que sairá em maio incluí a seguinte nota: "Edom: do hebraico = 'vermelho'; nome dado a Esaú e ao povo que dele descende; por extensão, aplicado às nações inimigas de Israel.

    ResponderExcluir
  3. Caros Marcelo e André,

    A partir dos comentários de vocês, resolvi incluir no post a nota de André sobre Edom.

    Abraços

    ResponderExcluir
  4. Ao meu amor
    Infinito
    Dedico essa toada
    Feita em revoada
    Ao som de um oboé
    Tocado ao relento
    Oh como é bela
    Essa primavera
    Oh como é feliz
    Quem canta e diz
    Ao longe a lua cheia nos espreita
    A natureza em seu esplendor
    Malgrado as circunstâncias
    No espaço gelado e sem pudor.

    ResponderExcluir
  5. Obrigada pela nota!
    O esclarecimento foi proveitoso para esta leitora média aqui.
    Beijos.

    ResponderExcluir
  6. Muito boa, a tradução. Eis duas alternativas a ela:

    A Edom!

    Faz mil anos já que nos
    toleramos, irmão meu:
    tu toleras que eu respire,
    eu tolero o ódio teu.

    Só nos tempos mais escuros
    de coragem tu te enchias
    e as rapinas sacrossantas
    com meu sangue tu tingias!

    Hoje, o vínculo entre nós
    se reforça mais e mais,
    pois eu próprio agora odeio:
    somos quase dois iguais.

    A Edom!

    Faz mil anos já que a gente
    se tolera, tu e eu:
    tu toleras que eu exista,
    eu tolero o ódio teu.

    Só às vezes, corajoso,
    nas idades mais sombrias,
    tu pintaste com meu sangue
    tuas unhas sempre pias!

    Hoje em dia, eu fico sendo
    cada vez mais teu amigo:
    quanto mais aprendo o ódio,
    mais pareço-me contigo.

    ResponderExcluir