25.12.10
Jorge Luis Borges: "Poema de los dones" / "Poema dos dons": trad. de Josely Vianna Baptista
Poema dos dons
Ninguém rebaixe a lágrima ou rejeite
esta declaração da maestria.
de Deus, que com magnífica ironia
deu-me a um só tempo os livros e a noite.
Da cidade de livros tornou donos
estes olhos sem luz, que só concedem
em ler entre as bibliotecas dos sonhos
insensatos parágrafos que cedem
as alvas a seu afã. Em vão o dia
prodiga-lhes seus livros infinitos,
árduos como os árduos manuscritos
que pereceram em Alexandria.
De fome e de sede (narra uma história grega)
morre um rei entre fontes e jardins;
eu fatigo sem rumo os confins
dessa alta e funda biblioteca cega.
Enciclopédias, atlas, o Oriente
e o Ocidente, centúrias, dinastias,
símbolos, cosmos e cosmogonias
brindam as paredes, mas inutilmente.
Em minha sombra, o oco breu com desvelo
investigo, o báculo indeciso,
eu, que me figurava o paraíso
tendo uma biblioteca por modelo.
Algo, que por certo não se vislumbra
no termo acaso, rege estas coisas;
outro já recebeu em outras nebulosas
tardes os muitos livros e a penumbra.
Ao errar pelas lentas galerias
sinto às vezes com vago horror sagrado
que sou o outro, o morto, habituado
aos mesmos passos e aos mesmos dias.
Qual de nós dois escreve este poema
de uma só sombra e de um plural?
O nome que assina é essencial,
se é indiviso e uno este anátema?
Groussac ou Borges, olho este querido
mundo que se deforma e que se apaga
numa empalidecida cinza vaga
que se parece ao sonho e ao olvido
Poema de los dones
Nadie rebaje a lágrima o reproche
esta declaración de la maestría
de Dios, que con magnífica ironía
me dio a la vez los libros y la noche.
De esta ciudad de libros hizo dueños
a unos ojos sin luz, que sólo pueden
leer en las bibliotecas de los sueños
los insensatos párrafos que ceden
las albas a su afán. En vano el día
les prodiga sus libros infinitos,
arduos como los arduos manuscritos
que perecieron en Alejandría.
De hambre y de sed (narra una historia griega)
muere un rey entre fuentes y jardines;
yo fatigo sin rumbo los confines
de esta alta y honda biblioteca ciega.
Enciclopedias, atlas, el Oriente
y el Occidente, siglos, dinastías,
símbolos, cosmos y cosmogonías
brindan los muros, pero inútilmente.
Lento en mi sombra, la penumbra hueca
exploro con el báculo indeciso,
yo, que me figuraba el Paraíso
bajo la especie de una biblioteca.
Algo, que ciertamente no se nombra
con la palabra azar, rige estas cosas;
otro ya recibió en otras borrosas
tardes los muchos libros y la sombra.
Al errar por las lentas galerías
suelo sentir con vago horror sagrado
que soy el otro, el muerto, que habrá dado
los mismos pasos en los mismos días.
¿Cuál de los dos escribe este poema
de un yo plural y de una sola sombra?
¿Qué importa la palabra que me nombra
si es indiviso y uno el anatema?
Groussac o Borges, miro este querido
mundo que se deforma y que se apaga
en una pálida ceniza vaga
que se parece al sueño y al olvido.
BORGES, Jorge Luis. Poesía. Trad. de Josely Vianna Baptista. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
Bonito!
ResponderExcluirEm retribuição a este mimo, eis um texto do filósofo Jorge Larrosa, que tomei a liberdade de – por obra de uns ajeitos na diagramação – transformar em prece:
PRECE
...
Parar para pensar,
Parar para olhar,
Parar para escutar,
Pensar mais devagar,
Olhar mais devagar,
Escutar mais devagar,
Parar para sentir,
Sentir mais devagar,
Demorar-se nos detalhes,
Suspender a opinião,
Suspender o juízo,
Suspender a vontade,
Suspender o automatismo da ação,
Cultivar a atenção e a delicadeza,
Abrir os olhos e os ouvidos,
Falar sobre o que nos acontece,
Aprender a lentidão,
Escutar aos outros,
Cultivar a arte do encontro,
Calar muito,
Ter paciência
E dar-se tempo e espaço.
Ele é lírico ou dramático??
Excluirpoetinha, na maior cara de pau (a minha), será que você poderia opinar sobre essa tradução?
ResponderExcluir“Se me amas e és merecedor da minha confiança, não me queiras apenas em tuas palavras, mantendo o pensamento e o coração em outra direção”
“Mê m’epesin men sterge, noon d’ekhe kai phrenas allêi,
ei me phileis kai soi pistos enesti noos” (Teognis de Mégara, Elegias, 87).
obrigado!
Sempre bom encontrar espaços de conteúdo diversificado e agregador como o teu, Antonio Cícero.
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho!
Climacus,
ResponderExcluira tradução me parece fiel sim.
Abraço
Cicero,
ResponderExcluiracho que você esse poema para mim porque sabia que eu o amo rsrsrsrsr. Belíssimo poema! Grato!
Abração,
Adriano Nunes.
Quando a cegueira é uma afirmação num belo poema. Lindo!!
ResponderExcluirGrande abraço.
Jefferson.
Lírico.
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