19.11.10
Carlos Drummond de Andrade: "A suposta existência"
Agradeço a Eleonora pela gentileza de nos ter enviado o seguinte poema -- filosófico -- de Carlos Drummond de Andrade, cujo tema é uma questão em que tocamos ontem (18/11), na aula do POP sobre letras de canções:
A suposta existência
Como é o lugar
quando ninguém passa por ele?
Existem as coisas
sem ser vistas?
O interior do apartamento desabitado,
a pinça esquecida na gaveta,
os eucaliptos à noite no caminho
três vezes deserto,
a formiga sob a terra no domingo,
os mortos, um minuto
depois de sepultados,
nós, sozinhos
no quarto sem espelho?
Que fazem, que são
as coisas não testadas como coisas,
minerais não descobertos - e algum dia
o serão?
Estrela não pensada,
palavra rascunhada no papel
que nunca ninguém leu?
Existe, existe o mundo
apenas pelo olhar
que o cria e lhe confere
espacialidade?
Concretitude das coisas: falácia
de olho enganador, ouvido falso,
mão que brinca de pegar o não
e pegando-o concede-lhe
a ilusão de forma
e, ilusão maior, a de sentido?
Ou tudo vige
planturosamente, à revelia
de nossa judicial inquirição
e esta apenas existe consentida
pelos elementos inquiridos?
Será tudo talvez hipermercado
de possíveis e impossíveis possibilíssimos
que geram minha fantasia de consciência
enquanto
exercito a mentira de passear
mas passeado sou pelo passeio,
que é o sumo real, a divertir-se
com esta bruma-sonho de sentir-me
e fruir peripécias de passagem?
Eis se delineia
espantosa batalha
entre o ser inventado
e o mundo inventor.
Sou ficção rebelada
contra a mente universa
e tento construir-me
de novo a cada instante, a cada cólica,
na faina de traçar
meu início só meu
e distender um arco de vontade
para cobrir todo o depósito
de circunstantes coisas soberanas.
A guerra sem mercê, indefinida
prossegue,
feita de negação, armas de dúvida,
táticas a se voltarem contra mim,
teima interrogante de saber
se existe o inimigo, se existimos
ou somos todos uma hipótese
de luta
ao sol do dia curto em que lutamos.
ANDRADE, Carlos Drummond de. "A paixão medida". Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002.
Cicero,
ResponderExcluirAmo esse poema. Considero-o belíssimo, com uma tensão contagiante, inesperada. Há uma influência de Pessoa nos veros de Drummond, plenamente perceptível.
Abração,
Adriano Nunes.
Cicero,
ResponderExcluirChega de hipocrisia e preconceito! HOMOFOBIA É VIZINHA DA MALDADE, IRMÃ LEGÍTIMA DA INQUISIÇÃO, TEM PARENTESCO ÍNTIMO COM OS NAZISTAS E OS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO!!!! SEJAMOS HUMANOS SUPERIORES!!! DIGAMOS NÂO!!!!!http://www.portaldacidadania.com.br/?p=3704
NOTA OFICIAL CONTRA A VIOLÊNCIA HOMOFÓBICA : Portal da Cidadania
www.portaldacidadania.com.br
Abração,
Adriano Nunes.
a cor do cheiro dessa palavra
ResponderExcluirinebria-nos constantemente
sinto o odor da larva
que pulsa nascendo urgente
ela diz a verdade
que cabe em um poema
outros poemastem outras verdades
ela diz que somos estrelas
no céu;grãos
de areia
peças pequenas
no multiverso
veja só você
o inverso d´eu
é tu que somos todos
os gafanhotos golfando
as maçanetas de madeira morta
vasta floresta ombrando deus
deus obra sua deusdade sendo eu
dobrem-se impunes
não estão imunes
ao ódio meu
Frágil
ResponderExcluirFrágil é a louça
Frágil é a moça
Frágil é o ser
Frágil
Está escrito na embalagem
Na bolsa de viagem
Está descrito no vento
Sobre a folhagem
Na escultura que perdura
Nobre e pura
Na voragem do tempo
gesto lançado sem rumor
Frágil é o sentimento
Sem nenhum intento
Só não é frágil esse momento
Onde o amor é pleno invento.
Cicero,
ResponderExcluirum poema novo:
"a coisa toda é paranóia"
a coisa toda é paranóia.
ninguém queira agora sair
de fininho, com o poema
entre as gretas. nem mesmo a página
virada resolve a questão,
disseram. não disseram tudo?
dizer o que eu sinto já foi
dito? então sentiram também
o que eu sinto? talvez, um pouco
seja reflexo, refluxo, séquito
de átomos, de sinapses, transa
involuntária da memória
alheia... cheira mais à macumba!
será que o poeta em sua tumba
de silêncios, ossos e súplicas
encarnou-se nesse malandro,
por pirraça? meu deus do céu!
e se for logo um meio bicha?
um suicida? um tuberculoso
sem cura? um louco sonhador?
suma espectro! suma na bruma
desse sonho-comédia! o tédio
é um problema. mas são poetas?!
vejo-me tossindo, pensando
na morte, nos braços do broto
de programa, muito feliz!
Abração,
Adriano Nunes.
Sem querer possuir um método especulativo, muitos poemas do drummond nos apresentam(expressam) uma teoria do conhecimento, não com ideias mas com palavras. E essas trazem sensações e sentimentos.
ResponderExcluirÉ muito difícil um poeta tratar(expressar) de um assunto, vamos dizer, mais filosófico e não deixar que o texto se transforme em coisa nenhuma: nem filosofia, nem poesia.
Assim como você Antônio também estudo filosofia e me aventuro num trabalho poético, é claro, com muito menos experiência. Desse modo, gostaria de saber sua opinião sobre uma passagem que li, logo no início do "O que é comunicação poética" do Pignatari, livro que me indicaram a pouco tempo.
Esta:
"A poesia parece estar mais do lado da música e das artes plásticas e visuais do que da literatura. Ezra Pound acha que ela não pertence à literatura e Paulo Prado vai mais longe: declara que a literatura e a filosofia são as duas maiores inimigas da poesia"
Você que também tem proximidade com ambas, o que diria?
se
ResponderExcluirpenso
logo
mais
ainda
existo?
André,
ResponderExcluirFrequentemente sou solicitado a falar sobre a relação entre a poesia e a filosofia. Aqui mesmo, neste blog, você pode encontrar uma entrevista em que essa relação é um dos principais temas. O endereço é:
http://antoniocicero.blogspot.com/2008/10/entrevista-revista-filosofia-da-srie.html
A poesia está mais próxima das artes plásticas e da música simplesmente porque também ela é uma das artes; ou melhor, como dizia Goethe, as diferentes artes são espécies de poesia. Já a literatura, ela é ora mais poética, ora mais filosófica.
Ótima entrevista. Fez sentido com o que eu pensava.
ResponderExcluirObrigado
Obrigado, André.
ResponderExcluirEsse poema é pura metafísica.
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