O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da "Ilustrada, da Folha de São Paulo, no sábado, 7 de agosto:
COMO SE sabe, um dos maiores poemas de Carlos Drummond de Andrade é "A Máquina do Mundo". A ideia de que o mundo era uma máquina esteve em voga desde a Antiguidade até a Renascença. No poema de Drummond, a máquina do mundo abre-se para o poeta em determinado momento, oferecendo-lhe uma "total explicação da vida". Quando isso ocorre, ele, que por longo tempo havia buscado exatamente essa explicação, enigmaticamente a desdenha. Por quê? Penso que o poeta não só não acredita mais na possibilidade de tal explicação como não mais a deseja.
Se, na Idade Média, a máquina do mundo ainda parecia capaz de se abrir, é porque era tida como finita e fechada. Camões, na Renascença, ainda a descreve como um rotundo globo cercado por Deus. Ela era fechada por possuir um princípio oculto à percepção imediata.
Esse princípio pertencia a uma ordem superior à ordem dos fenômenos que explicava. Era concebível que ele se revelasse se, por exemplo, assim quisesse Deus. Era concebível que se revelassem as causas, a origem e a finalidade do mundo. Era concebível que se retirassem os véus que encobriam seu mecanismo. Era concebível que a máquina se abrisse.
O mundo moderno, por outro lado, não é fechado em nenhum sentido. A rigor, não se pode nem sequer falar de um único mundo moderno. O universo que habitamos é, do ponto de vista epistemológico, isto é, do ponto de vista do conhecimento, infinito. Não é possível que haja um princípio positivo último e inquestionável que constitua a chave do nosso universo, porque o princípio metódico de toda a filosofia e ciência é exatamente a dúvida radical, que, em última análise, mostra que tudo o que é concebível poderia não ser, ou poderia ser de outro modo: que tudo é contingente.
Ao mesmo tempo, nosso universo é também aberto no sentido de não ter portas fechadas nem fechaduras, nem véus. Tudo está à vista e não há nada por trás: ou melhor, aquilo que está por trás o está apenas circunstancialmente, pois pertence à mesma ordem ontológica -à mesma ordem do ser- à qual pertence aquilo que está na frente. Dada sua infinitude epistemológica, sempre haverá alguma coisa por conhecer, mas ela será, a cada passo, uma coisa diferente.
Podemos, em princípio, saber como qualquer coisa funciona, mas não há coisa alguma que permaneça por trás de tudo.
Por isso mesmo, não há chave que abra o nosso universo como um todo nem revelação que o explique. Trata-se de um universo cuja totalidade patente permanece para sempre -não apenas de fato, mas de direito- inexplicável. É a partir dessas constatações que se entende o paradoxo de que, ao ver se entreabrir a máquina do mundo, o poeta tenha desdenhado "colher a coisa oferta/que se abria gratuita" a seu engenho.
A ciência que oferecia tal explicação total era "sublime e formidável, mas hermética". O adjetivo "hermético" se refere, em primeiro lugar, é claro, a Hermes Trismegisto, patrono das ciências herméticas ou ocultas que tanta voga tiveram na Idade Média. A partir desse sentido, "hermético" quer dizer, nos nossos dias, "fechado de maneira a impedir a saída ou entrada de ar".
Tendo aberto o universo, o homem moderno, claustrofóbico, não consegue consentir em regressar a um mundo essencialmente fechado, nem mesmo quando o fechamento se apresenta como a condição de alguma "abertura", a fechadura, a condição de alguma "chave" ou o segredo, a condição de alguma "revelação".
Se o poeta desdenha "colher a coisa oferta/que se abria gratuita" a seu engenho, é que a razão já lhe mostrou que a aceitação de uma "total explicação do mundo" não pode ser senão o mergulho em mais uma ilusão, que inevitavelmente lhe custará mais uma desilusão.
É, pois, com ironia que chama de "gratuita" a "coisa oferta", no momento mesmo em que explica havê-la desdenhado, "incurioso e lasso". Segundo ele, um dom tão dúbio e tardio -não apenas em relação à idade individual do poeta, mas, principalmente, em relação à época moderna do mundo- já não lhe era "apetecível, antes despiciendo".
Sem abrir mão da sua liberdade e ironia, avaliando o que perdeu ao abandonar o mundo fechado, o poeta segue o seu caminho "de mãos pensas" ou, como se lê no poema "Legado", "a vagar taciturno entre o talvez e o se".
Cicero,
ResponderExcluirQue artigo tão belo! Estou plenamente emocionado! Lindo demais!
Abraço grande!
Adriano Nunes.
afe cruz credo misericordia, que coisa linda !!
ResponderExcluirMuito interessante.
ResponderExcluirDrummond está sempre vivo, não?
às vezes me parece que o poeta morto é mais vivo do que o poeta que anda entre nós.
será mesmo?
um abraço e boa semana.
Caro Cicero,
ResponderExcluirVocê afirma neste belo artigo que, "[t]endo aberto o universo, o homem moderno, claustrofóbico, não consegue consentir em regressar a um mundo essencialmente fechado, nem mesmo quando o fechamento se apresenta como a condição de alguma 'abertura', a fechadura, a condição de alguma "chave" ou o segredo, a condição de alguma 'revelação'".
Mas, no mesmo jornal em que seu artigo foi publicado, leem-se notícias como esta: "Cresce a adesão de alemães à jihad radical" (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/newyorktimes/ny0908201007.htm).
"O" homem moderno parece não passar de uma abstração. No máximo um conceito heurístico, um tipo ideal weberiano. Na realidade, as coisas são bem mais complexas que isso. Os movimentos religiosos mais ortodoxos e fundamentalistas crescem numa proporção muito maior do que a Aufklaerung, em geral, e o ateísmo, em particular. O cidadão ocidental "moderno" tem em média menos de dois filhos, enquanto um judeu ortodoxo ou um membro do opus dei, p.ex., tem pelo menos o dobro disso.
A ignorância não explica esse fenômeno, uma vez que entre os intelectuais se apresenta o mesmo quadro. As melhores universidades privadas são, de longe, as confessionais, aqui e lá fora. A corrente ou o estilo filosófico conhecido como analítico, na esteira de um Plantinga ou de um Lane Craig, tem sido prolífero em estudos e teorias sobre o sagrado, a religião, Deus e temas afins.
Como você explica isso tudo?
Abraço,
edg
Cicero,
ResponderExcluirVocê também diz que "nosso universo é também aberto no sentido de não ter portas fechadas nem fechaduras, nem véus. Tudo está à vista e não há nada por trás: ou melhor, aquilo que está por trás o está apenas circunstancialmente, pois pertence à mesma ordem ontológica -à mesma ordem do ser- à qual pertence aquilo que está na frente".
Talvez não tenha entendido direito, mas essa tese me parece tributária de certo realismo ingênuo. De fato, para a ciência tudo se resolve na imanência, embora algumas teorias postulem a existência de universos paralelos ou outras dimensões. Mas essa crença é desmentida pelos fatos.
A ciência sempre pressupõe realidades desconhecidas e incognoscíveis. O espaço absoluto, a velocidade da luz, a gravidade, a causalidade, o éter, a força, a energia, a matéria etc. Coisas que ninguém nunca soube explicar, mas que são necessárias para explicar outras coisas.
Na verdade, trata-se de categorias e teorias de outra ordem, transcendente, metafísica.
Ab.,
edg
Me lembrou o livro 'do mundo fechado ao universo infinito', do Koyre. pano pra manga,,,
ResponderExcluirmto legal essa correspondencia com o poema do drummond
cicero,
ResponderExcluirno trecho "Trata-se de um universo cuja totalidade patente permanece para sempre -não apenas de fato, mas de direito- inexplicável.", a expressão "de direito" é retórica, ou possui um sentido prórpio? confesso que não entendi...
no mais, o texto revirou minha cabeça. mto bom de mais!!!!
até pq, volta e meia, caminho vagarosamente a pensar, em uma estrada pedregosa de Minas...
abrç.
antes de mais nada, dizer que o artigo é excelente. creio que o drummond adoraria lê-lo...
ResponderExcluir"por isso mesmo, não há chave que abra o nosso universo como um todo nem revelação que o explique." (cicero). lembrei-me das até então frustradas tentativas de se criar um "teoria de tudo", que unifique todos os campos da física, harmonizando, por exemplo, a relatividade e a física quântica, o micro e o macro.
só queria, cicero, que vc comentasse algo que sempre me "embarulhou": onde termina nossa subjetividade (ainda que coletivamente aceita) e onde começa a realidade objetiva ou as leis da natureza que independem de nossos sentidos? sei que vc costuma bater nas interpretações sofísticas ou pós-modernas do mundo, segundo as quais o conhecimento é basicamente um exercício de poder e de linguagem...
recentemente li um artigo do marcelo gleiser em que ele fala da difícil questão envolvendo as tais "leis da natureza". gleiser contrapõe as visões de max planck e albert einstein.
este acreditava que "nossas teorias são 'ficções', no sentido de que podem existir duas ou mais explicações equivalentes sobre o mesmo fenômeno. 'o caráter fictício das [teorias científicas] fica óbvio quando vemos que duas diferentes, cada qual com as suas consequências, concordam em grande parte com a experiência', disse." (marcelo gleiser)
por seu turno, planck afirmava que "'existe um mundo real, e ele é independente dos nossos sentidos'. para ele, 'as leis da natureza não foram inventadas pelo homem, mas sim forçadas sobre ele pelo próprio mundo natural. São a expressão de uma ordem racional do mundo'. planck diz que não inventamos essas leis, mas que as descobrimos. se seres extraterrestres existissem, portanto, descobririam as mesmas leis. poderiam representá-las de forma diferente, mas sua essência seria idêntica." (gleiser)
marcelo gleiser conclui dizendo que não existe verdade absoluta, mas aproximações (sei que as manifestações artísticas e a ciência são coisas bem diferentes, mas talvez, a título de ilustração, aquilo que picasso afirmou a respeito da arte: uma mentira que nos aproxima da verdade); não existem, segundo gleiser, "asserções de caráter absoluto, nem mesmo no contexto das ciências físicas".
o que vc acha? existe o tal mundo real - que independe de nosso poder especulativo e valorativo? ou o mundo real é, embora baseado em maior ou menor medida no funcionamento da natureza, uma invenção de seres dotados de imaginação e verdade ("mundos reais", portanto)?
abraço,
rodrigo.
Prezado Antonio Cicero,
ResponderExcluirSob o estrito ponto de vista conceitual afirmar que há o infinito seria, a meu ver, um absurdo. Você abre a máquina de maneira similar ao renascetista que a contarpelo a fechava. Sei que você abomina o relativismo, todavia afirma a infinitude sem contudo prová-la racionalmente. Nesse sentido, penso que deveríamos ser menos herméticos e mais hermenêuticos, se desejamos de fato chegar em algum lugar ´filosófico`.
# Eu já havia lhe encaminhado um e-mail, cuja resposta não obtive quanto ao conceito de infinito... lembra-se?...
O MEU MAIS ENDOXO RESPEITO DAQUI...
certezas
ResponderExcluiracervo de acertos:
a cerca de mim mesmo
acerca de mim mesmo:
certezas de mil fragmentos
Amolecidos pelo tempo
A pedra vira pêra.
Certezas tesas
Envelhecem escassas
Sementes de mil palavras
Viram nada
(Como primeiro amor
Fortunas, existência e dor)
A única que vinga inteira,
Certeira,
É uma árvore frondosa
Que o tempo depura e faz crescer
embaixo da terra,
Pela raiz,, enterrado,
Ou para cima da copa,
enlevado
Em indubitável fé
O homem moderno, racionalista, não acredita em Deus, Buda ou quejandos, mas acredita, sem ter provas cabais pela racionalidade, no infinito. Oh, quão estranhos são os relativismos da nossa ´racional´ modernidade.
ResponderExcluiredson,
ResponderExcluirsei q vc não me perguntou nada, mas vou comentar seu comentário:
que a filosofia dificulta as coisas, isso é fato. assim, me classifico como um conhecedor bem diminuto do que se passa na cabeça dos pensadores.
não li grandes livros, não leio todos os jornais, nasci no brasil, sou classe média, meu inglês já foi melhor.
estou arranhando kant e descartes agora, mas meu conhecimento de filosofia se passou apenas pelo "mundo de sofia" e a "história da filosofia", do will durant.
tentei de cara ler "o mundo desde o fim". difícil. venho lendo, então, os textos do cicero aqui do blog.
numa boa, não precisa ser nenhum gênio para entender o que significa "razão" e modernidade, ainda que superficialmente.
a modernidade é um passo difícil de se dar por vários motivos, que enumero sem pretensões:
1) pressupõe romper com milênios de cultura que, em grande medida, ainda circundam nosso dia a dia;
2) coloca o encargo da decisão em nossas mãos, e não mais na mão de deus;
3) as pessoas à nossa volta, muitas inclusive que estimamos, estão apegadas ao mundo pré moderno de tal forma, que tal hiato, muitas das vezes, nos angustia;
4) viver na modernidade e usar a razão, significa, em certa medida, comprar uma briga com o mundo pré-moderno. e isso se dá no dia a dia, quando alguém justifica uma irracionalidade com base na "lei da natureza" ou nos "livros sagrados", por ex.: (machismo, homofobia, direitos humanos, tortura, intolerância, etc etc);
5) a modernidade acaba por impor que os dogmáticos necessariamente terão de abrir mão das regalias que seus dogmas lhe garantem, principalmente aqueles que se encontram no topo da hierarquia (marido sobre a mulher, o padre/pastor sobre o fiel, o político sobre o eleitor, etc);
6) o medo de pensar por si; de errar e de a responsabilidade ser apenas sua;
7) por fim, é mto mais fácil e cômodo comprar respostas do que fazer perguntas. daí o crescente número de adeptos ao radicalismo fundamentalista, ou mesmo a religiões menos radicais. a resposta acalma, ainda que precária, e o fiel (ao dogma) consegue vencer mais um dia na sua dor. nem sempre é por preguiça que o dogma é procurado, mas por uma circunstância irracional de dor, de sofrimento;
8) a razão não é um realismo ingênuo, mas os dogmas é que são um irrealismo: a) ingênuo, para quem acredita; b) perverso, para que explora os crédulos;
9) sim, o homem moderno existe, e não volta mais pra clausura, porque lá não cabe mais. a liberdade é um desejo, e como desejo, é indestrutível. é entrar no mundo adulto; você pode até querer voltar a ser um adolescente, mas vc sabe que não é...
abrçs.
Excelente!
ResponderExcluirAbcs
Aetano
Edson,
ResponderExcluirDesculpe a demora a lhe responder. Tenho andado muito sem tempo.
No seu primeiro comentário, você diz que na “Folha” há notícias como "Cresce a adesão de alemães à jihad radical" (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/newyorktimes/ny0908201007.htm)”. E você crê que “Os movimentos religiosos mais ortodoxos e fundamentalistas crescem numa proporção muito maior do que a Aufklaerung, em geral, e o ateísmo, em particular.”
Sinto muito, mas isso não é verdade. As pesquisas sobre religião no mundo e, em particular, nos Estados Unidos – que tradicionalmente são o mais religioso dos países desenvolvidos do Ocidente – mostram que, no que diz respeito a religião, o grupo que mais cresce é o de irreligiosos. É o que revela, por exemplo, a famosa “American Religious Identification Survey” (ARIS) de 2008 (http://b27.cc.trincoll.edu/weblogs/AmericanReligionSurvey-ARIS/reports/ARIS_Report_2008.pdf).
A revista USA Today de 17 de março de 2009 (http://www.usatoday.com/news/religion/2009-03-09-american-religion-ARIS_N.htm) diz:
So many Americans claim no religion at all (15%, up from 8% in 1990), that this category now outranks every other major U.S. religious group except Catholics and Baptists. In a nation that has long been mostly Christian, "the challenge to Christianity … does not come from other religions but from a rejection of all forms of organized religion".
Você diz também que “‘O’ homem moderno parece não passar de uma abstração”.
Como você leu “O mundo desde o fim” sabe que, para mim, a modernidade não é, em primeiro lugar, um termo cronológico. E que, sobretudo, não se identifica com a contemporaneidade. Seu princípio se encontra no que chamo de “apócrise”.
Em vários artigos publicados na minha coluna e aqui, no blog, tenho explicado isso.
Em “As ilusões pós-modernistas” (http://antoniocicero.blogspot.com/2010/07/as-ilusoes-pos-modernistas.html), por exemplo, explico que a modernidade é a época em que “a razão já reconheceu o caráter contingente das culturas”.
Em “O falibilismo versus o relativismo” (http://antoniocicero.blogspot.com/2008/01/o-falibilismo-versus-o-relativismo.html), explico que “a modernidade surge e se mantém como a época da crítica, isto é, da razão crítica”.
Em “Sobre o roubo da história” (http://antoniocicero.blogspot.com/2008/11/sobre-o-roubo-da-histria.html), observo que “a modernidade não pertence a cultura nenhuma, mas surge sempre CONTRA uma cultura particular, como uma fenda, uma fissura no tecido desta. Assim, na Europa, a modernidade não surge como um desenvolvimento da cultura cristã, mas como uma crítica a esta ou a determinados componentes desta, feita por indivíduos como Copérnico, Montaigne, Bruno, Descartes etc., indivíduos que, na medida em que a criticavam, já dela se separavam, já dela se desenraizavam”.
Abraço
Edson,
ResponderExcluirNo seu segundo comentário, citando minha afirmação de que "nosso universo é também aberto no sentido de não ter portas fechadas nem fechaduras, nem véus. Tudo está à vista e não há nada por trás: ou melhor, aquilo que está por trás o está apenas circunstancialmente, pois pertence à mesma ordem ontológica -à mesma ordem do ser- à qual pertence aquilo que está na frente", você diz:
"Essa tese me parece tributária de certo realismo ingênuo. De fato, para a ciência tudo se resolve na imanência, embora algumas teorias postulem a existência de universos paralelos ou outras dimensões. Mas essa crença é desmentida pelos fatos.
"A ciência sempre pressupõe realidades desconhecidas e incognoscíveis. O espaço absoluto, a velocidade da luz, a gravidade, a causalidade, o éter, a força, a energia, a matéria etc. Coisas que ninguém nunca soube explicar, mas que são necessárias para explicar outras coisas.
"Na verdade, trata-se de categorias e teorias de outra ordem, transcendente, metafísica."
Não há absolutamente nenhuma razão para se pensar que o espaço absoluto, a velocidade da luz, a gravidade, a causalidade, o éter, a força, a energia, a matéria etc. sejam categorias ou teorias transcendentes.
Aqui cito meu artigo “A ciência e Deus” (http://antoniocicero.blogspot.com/2007/11/cincia-e-deus.html): “Quando Laplace diz que não precisa da hipótese de Deus, está, na verdade, explicitando a principal regra do jogo constitutivo da própria ciência: de toda ciência. Deus não vale como hipótese porque tal hipótese explicaria tudo e qualquer coisa: logo, não explicaria nada. Assim, ainda que, pessoalmente, um cientista acredite na existência de Deus, ele não pode, sem trair a sua ciência, aduzir Deus para "explicar" coisa alguma. A ciência é exatamente a tentativa de explicar o mundo como se Deus não existisse”.
Abraço
Caro Nobile José,
ResponderExcluirEmprego aí a expressão “de direito” porque a afirmação que estou fazendo não é resultado de observação empírica, mas sim uma necessidade lógica.
Abraço
Caro Rodrigo,
ResponderExcluirMinha posição é de que o relativismo é insustentável pois, em última análise, contradiz a si próprio. É o que tenho defendido em vários artigos, como "O relativismo e a modernidade" (http://antoniocicero.blogspot.com/2007/12/o-relativismo-e-modernidade.html) e "O falibilismo versus o relativismo" (http://antoniocicero.blogspot.com/2008/01/o-falibilismo-versus-o-relativismo.html). Defendo, no lugar do relativismo, o falibilismo. É necessário postular a existência de um mundo real.
Abraço
O seu texto, por algum motivo, me fez lembrar deste poema de Fernando Pessoa:
ResponderExcluirTenho dó das Estrelas
Tenho dó das estrelas
Luzindo há tanto tempo,
Há tanto tempo…
Tenho dó delas.
Não haverá um cansaço
Das coisas,
De todas as coisas
Como das pernas ou de um braço?
Um cansaço de existir,
De ser,
Só de ser,
O ser triste brilhar ou sorrir…
Não haverá, enfim,
Para as coisas que são,
Não a morte, mas sim
Uma outra espécie de fim,
Ou uma grande razão –
Qualquer coisa assim
Como um perdão?
Caro Cicero,
ResponderExcluirSe não estivesse com pressa, você certamente teria notado que eu não afirmei que o conjunto dos religiosos seja maior ou cresça mais do que o dos irreligiosos. Eu disse que certos subconjuntos do conjunto dos religiosos --os dos ortodoxos e dos fundamentalistas-- crescem mais do que o conjunto dos ateus esclarecidos.
Talvez o crescimento espantoso desses movimentos (só o Opus Dei conta com cerca de cem mil membros) não seja suficiente para deter o avanço do esclarecimento ateu. Mas isso nem é uma certeza nem é o que mostra as projeções de longo prazo. Basta considerar a taxa de natalidade de cada (sub)conjunto.
E me parece que a sua concepção de modernidade, embora não historicista, apocrítica, não consegue dar conta deste fenômeno, ou seja, da existência de "ilhas" pré e mesmo antimodernas cada vez maiores em plena "época em que 'a razão já reconheceu o caráter contingente das culturas'."
Abraço,
edg
Caro Cicero,
ResponderExcluirNa sua segunda resposta você afirma não haver "absolutamente nenhuma razão para se pensar que o espaço absoluto, a velocidade da luz, a gravidade, a causalidade, o éter, a força, a energia, a matéria etc. sejam categorias ou teorias transcendentes".
E em seguida lembra Laplace e sua negação da hipótese de Deus.
Ora, eu não falei de Deus, mas de hipóteses metafísicas como causalidade e espaço absoluto. (Há cientistas que não aceitam a constância da velocidade da luz, e outros que não aceitam a própria gravidade.)
Empreguei os termos metafísica e transcendência no sentido fraca, de não empírico, não científico.
A ciência moderna rejeita a hipótese de Deus, mas a substitui por outras hipóteses não empíricas e não científicas como as citadas, entre outras. A ciência moderna não tem portanto fundamentos científicos. Parafraseando o Wittinho, o sentido do mundo empírico não é ele mesmo empírico.
Abraço,
edg
Edson,
ResponderExcluirinúmeras razões psicológicas e sociológicas podem ser aduzidas para explicar por que muitas pessoas preferem o mundo fechado (o regaço da família, da religião, da nacionalidade)ao universo aberto; a escravidão à liberdade; a minoridade à maioridade, a certeza ilusória à dúvida etc. Seria estranho que assim não fosse.
Edson,
ResponderExcluirAs hipóteses são precisamente hipóteses e nada têm de metafísicas. Deus tornaria todas as hipóteses supérfluas: e adeus ciência.
Wilson,
ResponderExcluirSupor o universo finito seria fechá-lo. Digo que ele é infinito porque ele é aberto. Isso quer dizer que nenhuma positividade ou conjunto de positividades poderia esgotá-lo.
'Quem nos deu asas para andar de rastos? Quem nos deu olhos para ver os astros. Sem nos dar braços para os alcançar?!..." Florbela Espanca
ResponderExcluirCicero,
ResponderExcluir1) As suas "(i)númeras razões psicológicas e sociológicas", assim como Deus, explicam tudo -- inclusive a apócrise -- e, portanto, não explicam nada.
2) As hipóteses em questão não são empíricas. Na verdade, a ciência moderna não é imanentista mas empirista. O autêntico imanentismo inclui o transcendental, que, segundo Kant, é o bathos, a profundidade, da experiência. Não vejo razão (psicológica, sociológica?) para não aceitar a não empiricidade das hipóteses básicas, basais, da ciência. (E não entendo também por que você trouxe Deus para esta discussão.)
Abraço,
edg
Prezado Nobile,
ResponderExcluir"O homem" é um conceito, uma abstração, e portanto não existe na realidade. Os homens, esses sim, existem. E os modernos, assim como os antigos, não são apenas razão, pensamento, mas também sentimento e vontade. Por assim dizer, são "razão encarnada".
Kant, logo no início da Crítica, declara ter limitado o saber (conhecimento teórico, científico) para abrir espaço para a fé. Uma fé racional (prática) naquilo que o entendimento e a sensibilidade não são capazes de conhecer.
Nesse sentido, a fé não implica dogmatismo nem ingenuidade. Tampouco implica servidão. Ao contrário. Essa fé é expressão da humildade de um ser pessoal que sabe que não pode saber tudo: docta ignorantia.
Abraço,
edg
Edson,
ResponderExcluir1) Não concordo. Sendo a apócrise analitica e absolutamente verdadeira, a sua pergunta, no fundo, era: “por que algumas pessoas preferem o erro à verdade, a prisão à liberdade etc.” Tais razões só podem ser patológicas, de modo que pedem explicações de ordem psicológica ou sociológica.
2) Não fui eu, mas você que falou de “teorias e categorias de outra ordem, transcendente, metafísica”. Ora, o “transcendente” por excelência é Deus. Mas a ciência moderna é por princípio imanente sim.
Caro Edson,
ResponderExcluirConcordo com os 10 pontos expostos pelo Nobile José.
Você sabe tão bem quanto todo o mundo que, quando se diz "o homem", está-se falando da espécie “homo sapiens”, logo, de todos os atributos essenciais a todos os homens particulares. E ninguém aqui disse que a espécie existe fora dos seus espécimens. Além disso, ninguém nega que os homens tenham outros atributos, além da razão.
Há aqui uma confusão em relação a Kant. O que Kant diz é:
“Ich mußte also das Wissen aufheben, um zum Glauben Platz zu bekommen, und der Dogmatism der Metaphysik, d.i. das Vorurteil, in ihr ohne Kritik der reinen Vernunft fortzukommen, ist die wahre Quelle alles der Moralität widerstreitenden Unglaubens, der jederzeit gar sehr dogmatisch ist”.
Tradução:
“Tive portanto que negar o conhecimento para abrir espaço para a crença. O dogmatismo da metafísica, isto é, o preconceito de que é possível avançar sem a crítica da razão pura, é a verdadeira fonte de toda a descrença – que é sempre muito dogmática – em relação à moralidade".
Vê-se que, ao contrário do que você diz, Kant não está aqui falando do conhecimento científico. Não é este que ele quer limitar, mas a metafísica: o que inclui a teologia.
Além disso, a palavra “Glaube” aqui não significa “fé”, e de maneira nenhuma “fé religiosa”, mas “crença”. E o que ele tem em mente é abrir espaço para a crença na razão prática, e não na religião.
Ademais, observo que ele não está negando a razão, mas o pretenso conhecimento metafísico.
E a fé essencialmente não é nada além de servidão ao dogma.
Cicero,
ResponderExcluirAC: "Sendo a apócrise analitica e absolutamente verdadeira, a sua pergunta, no fundo, era: “por que algumas pessoas preferem o erro à verdade, a prisão à liberdade etc.” Tais razões só podem ser patológicas, de modo que pedem explicações de ordem psicológica ou sociológica."
EDG: As verdades analíticas são tão absolutamente verdadeiras quanto vazias. "A = A" é uma verdade absoluta. O problema é que não existe identidade na natureza, só isso. Nada é idêntico a nada. Ser idêntico numericamente, a si mesmo, não significa absolutamente nada. A necessidade analítica é estéril, não serve para a ciência. -- Fico pensando se você não se dá conta de como o seu discurso é parecido com o dos dogmáticos religiosos, que você tanto combate, os quais, sendo donos da verdade absoluta, mandam os incrédulos para o inferno ou a fogueira -- ou para o hospício.
AC: Não fui eu, mas você que falou de “teorias e categorias de outra ordem, transcendente, metafísica”. Ora, o “transcendente” por excelência é Deus. Mas a ciência moderna é por princípio imanente sim.
EDG: Eu expliquei já que usei esses termos no sentido fraco: transcendente como não imanente, mais especificamente não empírico; e metafísico, como não científico. E expliquei também que, a rigor, trata-se do transcendental, que, embora não empírico, é imanente e não transcendente. Pois a experiência não se reduz à empiria (dados dos sentidos, sensibilia).
Você está enganado acerca da ciência. Você me acusa de idealizar a religião, mas você idealiza a ciência. Acredita no que os cientistas, ingenuamente, dizem que fazem. Ora, embora um Dawkins, p.ex., afirme fazer ciência imanente, ele recorre o tempo todo a conceitos e teorias que jamais foram e jamais serão verificadas ou falsificadas empiricamente. Como é que se falsifica a causalidade? -- Essa foi a lição de Kant: as condições de possibilidade da experiência não são elas mesmas empíricas: são metafísicas, ou seja, transcendentais. (Duvido muito que Dawkins tenha lido um Bitbol, p.ex.)
Abraço,
edg
Caro Cicero,
ResponderExcluirAC: Você sabe tão bem quanto todo o mundo que, quando se diz "o homem", está-se falando da espécie “homo sapiens”, logo, de todos os atributos essenciais a todos os homens particulares.
EDG: Não, quando se diz "o homem", pode-se estar falando do "animal racional", do "animal político", do "homo ludens", "economicus", "religiosus" etc., conforme o gosto do freguês. O "homo sapiens" é apenas uma definição da biologia, para a qual só existe a matéria. -- Quais mesmo seriam essas características essenciais de todos ( ! ) os homens particulares?
AC: E ninguém aqui disse que a espécie existe fora dos seus espécimens. Além disso, ninguém nega que os homens tenham outros atributos, além da razão.
EDG: Você devia falar apenas por si, Cicero. Você não sabe o que os outros pensam, logo não pode afirmar que ninguém nega ou afirma isso ou aquilo. Um platônico ou um freguiano certamente discordaria de você.
AC: O que Kant diz é: “Tive portanto que negar [suspender] o conhecimento [Wissen] para abrir espaço para a crença [Glaube]. O dogmatismo da metafísica, isto é, o preconceito de que é possível avançar sem a crítica da razão pura, é a verdadeira fonte de toda a descrença – que é sempre muito dogmática – em relação à moralidade".
EDG: Colchetes meus; ver adiante.
AC: Vê-se que, ao contrário do que você diz, Kant não está aqui falando do conhecimento científico. Não é este que ele quer limitar, mas a metafísica: o que inclui a teologia.
EDG: Cicero, Kant estabeleu os limites do entendimento [Verstand], portanto, do conhecimento teórico em geral [Wissen], abrindo espaço para a vontade (boa), a razão prática. (Para Kant, a moral não se baseia na metafísica, como era o caso para os dogmáticos, e sim o contrário.) Não há portanto ciência do que transcende a experiência possível. O acesso ao incondicionado não se dá pelo saber [Wissen], mas pela razão prática [imperativo categórico].
AC: Além disso, a palavra “Glaube” aqui não significa “fé”, e de maneira nenhuma “fé religiosa”, mas “crença”.
EDG: Eu mesmo falei em fé racional. E é claro que não se trata de uma simples crença, mas duma certeza de ordem prática, não cognitiva. Ninguém sabe ou conhece o imperativo categórico como tal. A gente só "sabe" que tem de fazer o que tem de fazer.
AC: E o que ele tem em mente é abrir espaço para a crença na razão prática, e não na religião.
EDG: E onde foi que eu falei de religião? Poderia ter falado, como Kant, mas não o fiz.
AC: Ademais, observo que ele não está negando a razão, mas o pretenso conhecimento metafísico.
EDG: Não, ele está denegando, suspendendo [aufheben], a razão teórica, que, quando extrapola os seus limites, produz má metafísica.
AC: E a fé essencialmente não é nada além de servidão ao dogma.
EDG: A fé racional, filosófica, de que falam Kant, Fichte, Jaspers, Weil (Eric), entre outros, é o justo contrário do dogma, uma vez que dá uma certeza prática, existencial, não meramente teórica, analítica, vazia.
Abraço,
edg
Fazendo coro: belíssimo texto.
ResponderExcluirNão, não queremos ter consciência de precariedades, finitudes com o perdão do chavão.
Trouxe à memória um poema de Pessoa, do qual sublinho:
".......
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.
Não me queiram converter a convicção: sou lúcido!
Já disse: sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.
Álvaro de Campos"
Obrigada pelo texto.
mt bons os 10 pontos de nobile josé.
ResponderExcluirme identifico: depois do segundo ou terceiro caldo, a filosofia também me afoga.
por isso, parabenizo a lucidez e o poder de síntese do comentário.
"nem sempre é por preguiça que o dogma é procurado, mas por uma circunstância irracional de dor, de sofrimento". puxa, josé, que coisa simples e verdadeira.
o tal homem pré-moderno lembra um animal abatido, estrebuchando no chão da modernidade.
com relação à discordância entre planck e einstein, ao menos nos termos de gleiser, fico com o primeiro: há, sim, um mundo real, e ele nos impõe suas leis e sua existência. o fato de haver teorias divergentes acerca da "natureza das leis naturais" não significa que as teorias sejam "ficções"; isto apenas sinaliza as limitações do ser humano e a constante necessidade de ajustarmos nossas lentes...
no limite, o relativismo - assim como as verdades dogmáticas - é uma forma perigosa de egocentrismo.
POEMA (ferreira gullar)
Se morro
o universo se apaga como se apagam
as coisas deste quarto
se apago a lâmpada:
os sapatos-da-ásia, as camisas
e guerras na cadeira, o paletó-
dos-andes,
bilhões de quatrilhões de seres
e de sóis
morrem comigo.
ou não:
o sol voltará a marcar
este mesmo ponto do assoalho
onde esteve meu pé;
deste quarto
ouvirás o barulho dos ônibus na rua;
uma nova cidade
surgirá de dentro desta
como a árvore da árvore.
só que ninguém poderá ler no esgarçar destas nuvens
a mesmo história que eu leio, comovido.
Caro Edson,
ResponderExcluirSuas observações estão em itálico.
As verdades analíticas são tão absolutamente verdadeiras quanto vazias. "A = A" é uma verdade absoluta.
Edson, essa simplificação chega a ser... simplória. Nem todas as verdades analíticas são triviais como a do seu exemplo. Um exemplo simples, mas menos trivial do que a relação de identidade é “todos os corpos são extensos”. Neste caso, é necessária uma atenção ao significado de “corpo” para perceber sua relação com a extensão. Há verdades analíticas imensamente menos triviais ainda. É analiticamente verdadeira, mas não trivial, por exemplo, qualquer proposição que tenha a forma ‘∀(f→(g∧h))→((fx→gx)∧(fy→hy))’. Além disso, Russell e Whitehead achavam que a matemática era toda analítica. Ora, nem todas as verdades matemáticas são triviais: longe disso. A apócrise é analiticamente verdadeira, mas não foi explicitada senão depois de um longo desenvolvimento da metafísica. Uma vez explicitada, ela é bastante simples, embora possa ser expressa através de inúmeras formulações. Uma delas é, por exemplo: tudo o que é determinado é relativo; outra é: toda proposição positiva é contingente; etc. Basta um exame (detido) dos conceitos em questão para verificar que essas proposições são analiticamente verdadeiras.
Fico pensando se você não se dá conta de como o seu discurso é parecido com o dos dogmáticos religiosos, que você tanto combate, os quais, sendo donos da verdade absoluta, mandam os incrédulos para o inferno ou a fogueira -- ou para o hospício.
Os dogmas religiosos são proposições positivas que, recusando-se a reconhecer sua natureza contingente, tomam-se por necessárias: e então aqueles que as sustentam não admitem que elas sejam negadas. Essas proposições afirmam coisas determinadas sobre a natureza do mundo, ou sobre como os homens devem comportar-se para que a humanidade seja salva etc. A apócrise, representando exatamente a negação da possibilidade de que tais proposições positivas sejam necessárias, afirma que elas são necessariamente discutíveis. Sendo assim, a apócrise só é plenamente compatível com a sociedade aberta.
Você me acusa de idealizar a religião, mas você idealiza a ciência. Acredita no que os cientistas, ingenuamente, dizem que fazem. Ora, embora um Dawkins, p.ex., afirme fazer ciência imanente, ele recorre o tempo todo a conceitos e teorias que jamais foram e jamais serão verificadas ou falsificadas empiricamente. Como é que se falsifica a causalidade? -- Essa foi a lição de Kant: as condições de possibilidade da experiência não são elas mesmas empíricas: são metafísicas, ou seja, transcendentais. (Duvido muito que Dawkins tenha lido um Bitbol, p.ex.)
Não idealizo coisa nenhuma. Tomo a ciência como um empreendimento racional por ser suscetível de discussão e falsificação em sociedades abertas. O transcendental – como a categoria de causalidade – não é transcendente, como você mesmo reconhece.
O "homo sapiens" é apenas uma definição da biologia, para a qual só existe a matéria. -- Quais mesmo seriam essas características essenciais de todos ( ! ) os homens particulares?
“Homo sapiens” é, evidentemente, a espécie humana. Trata-se daquele ser que, a partir de Aristóteles, tem sido chamado pela metafísica de “animal racional”. Não sabia que você era tão nominalista que não admite que se fale de espécies, mas apenas de indivíduos.
Sobre Kant, não vou falar, porque, após suas últimas observações, creio que nossas divergências nesse ponto não são substantivas.
Abraço
Nobile José, vc retirou seu comentário...estava tão bem articulado, esclareceu tanto.Agora quando vim para relê-lo não estava mais.Vc tem todo o direito, mas que pena!
ResponderExcluirCicero,
ResponderExcluirO exemplo do corpo que você dá, como sabe, é do próprio Kant. Ora, este mesmo filósofo pretendia ter descoberto que a necessidade analítica (seja formal, como no meu exemplo, seja semântica, como no seu) não é suficiente para fundar a ciência -- por ser tautológica, não informativa.
Se, como você afirma, nem toda verdade analítica é trivial, então o criticismo kantiano de fato não superou o dogmatismo e a respectiva metafísica: se os juízos analíticos são informativos, então a metafísica é possível como ciência.
Você cita dois filósofos contemporâneos, para os quais a matemática é totalmente analítica. Você poderia citar vários outros que não aceitam os conceitos de analítico e sintético de Kant, como Quine. Mas isso não contribui muito para esclarecer as coisas. Com efeito, se se entende por analítico o mesmo que Kant entendia, então se tem de mostrar onde foi que ele errou.
Quanto ao longo desenvolvimento da metafísica que teria sido necessário para a explicitação da apócrise, não vejo como isso pode ajudar você. Trata-se de um processo empírico, psicológico, histórico, ou seja, cronológico, enquanto a trivialidade lógica é... lógica, oras. Não vejo problema nenhum, para Kant e para o idealismo em geral, no fato de uma verdade lógica trivial resultar de um longo e difícil processo de reflexão.
Descartes lhe diria provavelmente que se as ideias inatas fossem fáceis, não haveria no mundo ateu algum. Oops!
Abraço,
edg
Caros, sobre a base metafísica da ciência, vejam uma interessante entrevista do professor Hugh Lacey aqui: http://www2.fpa.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/entrevista-hugh-lacey . Ab.,edg
ResponderExcluirEdson,
ResponderExcluirLamento que você esteja desnecessária e – desconfio – deliberadamente multiplicando os equívocos.
No contexto da lógica, “informativo” significa não-tautológico, sintético; conversamente, “não-informativo” significa tautológico, analítico.
Mas a palavra “trivial” não foi usada por mim nesse sentido, e sim no sentido comum, dicionarizado, em que significa “o que é do conhecimento de todos; corriqueiro, vulgar”.
Tendo esses sentidos em mente, é evidente que, embora toda verdade analítica seja tautológica e não-informativa (pois o predicado de tal verdade já está contido no sujeito), nem toda verdade analítica é trivial, pois não é já de conhecimento de todos, corriqueira ou vulgar. Assim, qualquer proposição da forma ‘∀(f→(g∧h))→((fx→gx)∧(fy→hy))’ é analítica, tautológica e não-informativa, mas não é trivial. Kant não errou, segundo penso, em nada disso. E Kant jamais pensaria que toda verdade analítica fosse trivial, no sentido em que emprego esse termo. Não citei Russell e Whitehead por concordar com eles, ou para contrapô-los a Kant, mas para chamar atenção para o fato de que é possível considerar toda a matemática como analítica, mas não seria possível chamá-la de trivial, no sentido exposto.
Em “O mundo desde o fim” falo dos obstáculos epistemológicos que dificultam e atrasam o reconhecimento universal da verdade analítica que é a apócrise.
Tenho certeza de que você sabe que Descartes, malgré lui, acabou justamente minando o fundamento de toda religião.
Abraço
Cicero, como o tema era lógica e nessa disciplina se diz comumente que o "trivial" não tem valor informativo, eu acabei me equivocando, pelo que me desculpo. Mais uma vez obrigado pela atenção; estou sempre aprendendo com você. Abraço, edg
ResponderExcluirEdson,
ResponderExcluirObrigado pela sinceridade. De fato, talvez eu devesse ter usado outra palavra.
Abraço
Prezados,
ResponderExcluirNão concordo que A = A seja uma verdade absoluta. Vejam, se atribuirmos para A = 0, teremos
0 = 0 que poderá incidir numa possível contradição 0/0 = 1 (?) - portanto a = a sse # 0, portanto em epokhe a sua universalidade; ou melhor: resolva-se o problema do zero na matemática. É mais ou menos isso que denominei de paradoxo do zero.
grato
Considerações acerca dos chamados Princípios da Identidade
ResponderExcluirÉ comum, para os que se interessam por filosofia, ouvir muito falar do Princípio da Identidade. E esse princípio dá estofo , ou melhor, acaba permeando outras áreas também, que não são também do campo filosófico. Por exemplo: política, psicologia e outros rebentos. Mesmo no campo filosófico, que mais me parece um emaranhado de conceitos , o cipoal é mui difícil, e chega um pouco a nos confundir. Por exemplo: é comum chamar de A = A de Princípio da Identidade. Não é menos comum também se atribuir a A é A de outro Princípio da Identidade, o mesmo ocorrendo para A implica A. Nota-se que se costuma chamar a todos aqueles de Princípio de Identidade. Por isso, agora, pretendo estabelecer algumas distinções entre tais PIs. Para A = A chamo de PI não universal, porque diante do PZ teria que se fazer uma ressalva para o zero. Assim: A = A diferente de zero - perdendo, portanto, o seu status de universalidade. Para A é A considero não um PI, mas para ´A- predicado´ de categorial. Isso já perpassa um pouco a lógica. Já escrevi sobre isso. Um é A nominativo (sujeito), o outro é A categorial - predicado. Portanto não há identidade, mas sim identificação. Já para o outro A implica A , PI tautológico ou analítico, posto que nada acrescenta ao próprio A. São estudos e considerações, por isso posso atirar a minha pedra numa janela possivelmente indevassável
PEQUENA NOTA SOBRE FICHTE
ResponderExcluirVou aqui fazer uma pequena tentativa de diálogo com Fichte. Não tenho o livro em outra língua. Tenho a edição dos Pensadores, e acredito que esteja bem traduzido. Não sei se conseguiria também ler alemão. Acho que não. Nem com um dicionário. Mas vou procurar encontrar o texto. Não vou dizer que comecei a ler o livro em uma forma linear. Não! Li uma pequena introdução. Depois pulei para o que me interessa no momento. Muitos acham Fichte difícil. É difícil para quem não está acostumado com conceitos primários da lógica. Acho até um pouco chato. Há uma diferença entre chato e difícil. Vou direto na página 27 sobre O CONCEITO DA DOUTRINA-DA-CIÊNCIA. Pensei em convidar algumas pessoas para lermos Fichte step by step longe da academia. Mas depois desisti. Fiz uma leitura bem superficial, enquanto assistia à televisão. Antes quero falar que, pelo que me parece, Fichte tenta subsumir a lógica à Doutrina-da-Ciência. Mas vou ler com mais calma e com mais interesse, antes de me aventurar. Por hoje, vou me ater a um recorte da página 27 dos pensadores: ´...A = A é sem dúvida uma proposição logicamente correta e, na medida em que o é, sua significação é a seguinte: se A está posto, então A está posto...´Agora irei saltar para a página 44 dos pensadores;´1) A proposição A é A (tanto quanto A = A , pois essa é a siginificação da cópula lógica) é aceita por todos e aliás, sem a mínima hesitação; é reconhecida como plenamente certa e estipulada. Se porém alguém exigisse uma prova dela, ninguém se aplicaria a uma tal prova, e sim afirmaria que essa proposição é certa, pura e simplesmente, isto é, sem nenhum outro fundamento; e ao fazê-lo, sem dúvida com assentimento geral, está conferindo a si a faculdade de pôr algo pura e simplesmente.´ Faço notar que coloco o Paradoxo do Zero em colisão ao que diz Fichte acima. Noto que se se fizer a ressalva no PI, por conta da insuficiência da aritmética em justificar por que 1 x 0 = 0 --- Fichte estará em xeque em sua argumentação e todo o sistema superveniente fadado ao fracasso. Já fiz aqui também nesse blogue a distinção que penso existir entre A = A e A é A. Por ora não me estenderei mas vejo fissuras alarmantes na sistematização de sua Doutrina-da-Ciência. Como digo: O PZ é um problema em si e tangencia outros sistemas. É, na verdade, como em belo jogo de xadrez. E eu que jamais joguei xadrez nem coloquei um rei ou´ma rainha em aporia.
ESSA SERIA UMA MINUTA DE APOIO PARA A PALESTRA PROFERIDA EM 17.04.2004, NO UNICENTRO BELAS ARTES. MAS CREIO QUE O QUE EU DISSE PASSOU MAIS UMA VEZ DESPERCEBIDO.
ResponderExcluirPara iniciarmos, cabe uma pergunta, sem a qual e sem uma resposta, nada será possível: O que é o Paradoxo do Zero? Começo afirmando que o Paradoxo do Zero é um conceito (Begriff) filosófico, que demonstra a possível contradição que se estabelece, quando da aplicação da seguinte fórmula, tendo o número zero como agente e paciente na operação: A X B = C se e somente se C : B = A Antes de tudo, é preciso explicar que tal fórmula foi devidamente derivada. Entretanto, gostaria de estar apresentando essas derivações, num outro possível registro. Aí sim, poderei demonstrar passo a passo. É forçoso afirmar ainda que a palavra na sua acepção grega (paradoxo) significa inesperado. Isso nos possibilita, de uma certa maneira, evitar os tropeços nos áridos e íngremes campos dos conceitos. Então temos em mente que paradoxo é o inesperado. Então poderemos, a partir de agora, dizer: Paradoxo do Zero e/ou Inesperado do Zero. Claro está que se tomarmos o significado de Paradoxo como Inesperado, nada disso evitará que encontremos contradições no caminho. Depois da conclusão deste pequeno registro, cada qual poderá aceitar o que melhor lhe aprouver:
1 - Inesperado; 2 - Raro; 3 - Chamativo; 4- Incrível; 5 - Etc O que não deixará de ser também cabível. Como não tenho aspiração a colocar verdades inamovíveis, preferi paradoxo à aporia, outra palavra oriunda do grego aporia, que pode significar: Dificuldade; Problema; Situação sem saída; Apuro; Dificuldade insolúvel; Problema de onde não se pode sair; Confrontação sem solução de duas opiniões contrárias. De modo que o tempo, e só o tempo, poderá determinar se se trata de um paradoxo ou de uma aporia ou outra coisa. Então poderíamos também chamar assim: O Embaraço do Zero e/ou O Inesperado do Zero. Como me apraz a sonoridade poética, fico, momentaneamente, com O Paradoxo do Zero. O Paradoxo do Zero insere-se no campo da Filosofia, chamado de Teoria do Conhecimento. A Teoria do Conhecimento é, na maioria das vezes, definida como a investigação acerca das condições do conhecimento verdadeiro. Eis aqui uma das inúmeras definições: 'Teoria do Conhecimento é a reflexão filosófica com o objetivo de investigar as origens, as possibilidades, os fundamentos, a extensão e o valor do conhecimento". Pode ser chamada de Gnosiologia, Epistemologia e Crítica do Conhecimento. Sendo as duas primeiras de origem grega também. Agora vamos ao objeto de nossos estudos: O que, na realidade, quer demonstrar o Paradoxo do Zero? Resposta: São muitos os campos e as implicações; e um dos mais fundamentais é o que se chama de Juízos Sintéticos a priori de Kant. Tudo isso, por afirmar que se tratam de juízos universais e necessários. Ora, se aplicarmos diretamente a fórmula para a operação com o zero, notaremos que a necessidade cede; percebam que necessidade vem do latim: necessarius - que não pode ser cedido; ou num dos conceitos lógicos: não-contradição. No Paradoxo do Zero, fazemos uma leitura de necessário, mais como não-contradição em Kant. Do exposto até aqui, poderemos concluir que a fórmula do Paradoxo do Zero, na certa, estabelece uma das várias contradições na aritmética. A não ser que uma fórmula matemática não seja considerada uma fórmula matemática; mas como, se quando aplicada a alguns números naturais a necessidade não cede? Estaríamos, então nesse caso, numa outra aporia? Então nesse caso seria mais necessário recorrermos à filosofia da linguagem. Que os especialistas me desculpem, mas não digam que eu não pensei uma saída! Como diz um velho brocardo latino: Intelligenti pauca et Gloria victis. Ninguém mandou eu entrar nessa! Mas não se trata, de minha parte, de mais um Casus belli!
pensador,
ResponderExcluiralém do artigo, infinitamente belo, assim como o universo que está se expandindo (cientificamente comprovado), as discussões que foram geradas por ele só mostram a força e a importância do Pensamento e seus exercícios dialéticos.
obrigada por mais uma aula generosa e gratuita!
PS: obrigada também ao edson, ao nobile, ao rodrigo e ainda ao wilson, por fornecerem matéria para o exercício da palavra. foi ótimo ler a aprender.
forte abraço.
Obrigado eu, Betina!
ResponderExcluirBeijo
Prezado Antonio Cicero,
ResponderExcluirPermita-me agradecer a citação de nossos nomes aqui pela Betina. Quero agradecer também a sua parcimonia em publicar os nossos textos que nem sempre convergem para o mesmo epicentro. Isso sim que eu denominaria de uma ´paralaxe filosófica´.
Grato
a máquina do mundo se abre, quando nos deparamos com a morte.... e entendemos um pouco mais da vida.
ResponderExcluirÉ por isto que este poema é significativo para mim, porque a máquina do mundo se abriu e eu entendo toda a descrição a seguir...