14.8.09
Ferreira Gullar: "Galo galo"
Galo Galo
O galo
no saguão quieto.
Galo galo
de alarmante crista, guerreiro,
medieval.
De córneo bico e
esporões, armado
contra a morte,
passeia.
Mede os passos. Pára.
Inclina a cabeça coroada
dentro do silêncio:
— que faço entre coisas ?
— de que me defendo ?
                                          Anda
No saguão.
O cimento esquece
o seu último passo.
Galo: as penas que
florescem da carne silenciosa
e o duro bico e as unhas e o olho
sem amor. Grave
solidez.
Em que se apóia
tal arquitetura ?
Saberá que, no centro
de seu corpo, um grito
se elabora ?
Como, porém, conter,
uma vez concluído,
o canto obrigatório ?
Eis que bate as asas, vai
morrer, encurva o vertiginoso pescoço
donde o canto rubro escoa
Mas a pedra, a tarde,
o próprio feroz galo
subsistem ao grito.
Vê-se: o canto é inútil.
O galo permanece — apesar
de todo o seu porte marcial —
só, desamparado,
num saguão do mundo.
Pobre ave guerreira!
Outro grito cresce
agora no sigilo
de seu corpo; grito
que, sem essas penas
e esporões e crista
e sobretudo sem esse olhar
de ódio,
                não seria tão rouco
e sangrento
                     Grito, fruto obscuro
e extremo dessa árvore: galo.
Mas que, fora dele,
é mero complemento de auroras.
GULLAR, Ferreira. Toda poesia (1950-1980). Civilização Brasileira, 1980.
Esse lindo poema de Ferreira Gullar e seu final maravilhoso, ficaram registrados durante anos e me ví surpreso finalizando o poema abaixo usando a palavra "aurora" e rememorando Gullar.
ResponderExcluirDECRETO
Atenção!
Está suspensa a transitoriedade das insignificâncias.
Não é permitida a inspirabilidade do óbvio.
É mandatório o afogamento das circunstâncias.
O status quo deverá ser limpo com papel higiênico.
Será suprimido do vocabulário o beijo sem língua.
No cardápio das quartas-feiras o prato principal será o ócio.
Cada bocejo deverá ser celebrado como profecia.
Ao homem, que não se lhe falte ovos fritos com torresmo, chicletes e água fresca.
Que todos os reflexos sejam queimados nas piras da reflexão.
Para cada ser humano, um momento lento de aurora.
Um abraço,
Jorge Elias
Que beleza! De muitas maneiras, lembrou-me João Cabral...
ResponderExcluirGrato.
Abraços.
Aeta
Cicero,
ResponderExcluirBelo. Muito belo!
Adriano Nunes.
Cicero,
ResponderExcluirUm novo poema:
"Violável" : A Augusto de Campos.
Veio, via
Veia-vídeo,
Vasta vasca,
Vício, vínculo.
Ver-vos, vós,
Verso vítreo,
Vibro, vingo,
Valho, vazo,
Visgo, verve,
Vida vária,
Verbo vero,
Viva Vaia.
Um abraço,
Adriano Nunes.
Prezado Cícero,
ResponderExcluirEu gosto muito de alguns poemas do Fereira Gullar, e adoro esse.
O final é repentino, parece Borges.
JR.
É ruim se eu disser só: maravilhoso? Eu comento isso nos poemas que realmente me dizem, mas que já dizem.
ResponderExcluirEu conheço pouco de Ferreira Gullar e nos mandam ler o seu poema sujo que eu gosto mais ou menos, mas outro dia dei com o "cantiga para não morrer" e agora este, e Ferreira Gullar vai tomando uma forma mais bela e complexa aqui em mim.
sou LOOOOOUCO por este poema do gullar!!
ResponderExcluirque coisa linda, que versos, que imagens, que narrativa para descrição do galo, da sua estrutura marcial, do seu canto no centro do peito, do canto que, fora dele, do galo, é o canto das auroras. que riqueza!!
feliz de encontrá-lo, o poema, aqui.
feliz de tê-lo, você, cicero, por perto.
beijo, lindeza!
Só agora ouvi "Fraga e Sombra" que profundidade de mares, que infinito de ondas, ganha tua voz!
ResponderExcluir"E a voz que os lê
é o sopro do vento
que incute no peito entranháveis distâncias" (Lorca)
Obrigada, Cícero
obrigado por isso!
ResponderExcluirperfeito
ResponderExcluirGalo Galo, Gullar
ResponderExcluirnobre ave guerreira
A Luta Corporal, como primeiro livro do poeta é um "espanto".
Pra mim, foi arrebatador. Espantei-me com Galo Galo e desde que o li, nunca mais deixei de ler. É Gullar.
Lembrei-me de outra aurora, noutros tempos.
"Por você por mim"
A noite, a noite, que se passa? diz
que se passa, esta serpente vasta em convulsão, esta
pantera lilás, de carne
lilás, a noite, esta usina
no ventre da floresta, no vale,
sob os lençóis de lama e acetileno, a aurora,
o relógio da aurora, batendo, batendo,
quebrado entre cabelos, entre músculos mortos, na podridão
a boca destroçada já não diz a esperança,
batendo
Ah, como é difícil amanhecer em Thua Thien.
Mas amanhece."