31.3.09

Henri Michaux: "Nausée ou c'est la mort qui vient?" / "Náusea ou é a morte que vem?"

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Náusea ou é a morte que vem?


Entrega-te, meu coração.
Lutamos bastante.
E que minha vida cesse.
Não fomos covardes,
Fizemos o que pudemos.

Ah! Minha alma,
Partes ou ficas,
precisas decidir.
Não me tateies assim os órgãos,
Ora com atenção, ora com frenesi,
Partes ou ficas,
Precisas decidir.

Eu não aguento mais.
Senhores da morte,
Eu não vos blasfemei nem aplaudi.
Tende pena de mim, viajante já de tantas viagens sem malas,
Sem mestre tampouco, sem riqueza e a glória foi-se embora para outro lugar,
Sois potentes certamente, e esquisitos sobretudo,
Tende pena deste homem desvairado, que antes de ultrapassar a barreira já vos grita seu nome,
Agarrai-o em pleno voo,
Que ele se acostume, se conseguir, a vossos temperamentos e a vossos hábitos,
E se tiverdes a bondade de ajudá-lo, ajudai-o, eu vos suplico.



Nausée ou c'est la mort qui vient ?

Rends-toi, mon cœur.
Nous avons assez lutté.
Et que ma vie s'arrête.
On n'a pas été des lâches,
On a fait ce qu'on a pu.

Oh ! mon âme,
Tu pars ou tu restes,
Il faut te décider.
Ne me tâte pas ainsi les organes,
Tantôt avec attention, tantôt avec égarement,
Tu pars ou tu restes,
Il faut te décider.
Moi, je n'en peux plus.

Seigneurs de la Mort
Je ne vous ai ni blasphémés ni applaudis.
Ayez pitié de moi, voyageur déjà de tant de voyages sans valises,
Sans maître non plus, sans richesse et la gloire s'en fut ailleurs,
Vous êtes puissants assurément et drôles par-dessus tout,
Ayez pitié de cet homme affolé qui avant de franchir la barrière vous crie déjà son nom,
Prenez-le au vol,
Qu'il se fasse, s'il se peut, à vos tempéraments et à vos mœurs,
Et s'il vous plaît de l'aider, aidez-le, je vous prie.



De: MICHAUX, Henri. Ecuador. Paris: Gallimard, 1929.

22 comentários:

  1. são meus inimigos:
    as dores nos pés
    a pressão alta
    o medo de morrer
    a obscuridade
    e a frieza frente à vida

    no mais, a viagem
    tem sido plena de alegria:
    amor infinito
    natureza exuberante
    o anoitecer nesta cidade
    e essa voz inigualável
    chamada arte

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  2. que coisa bela, que coisa perfeita!que mais posso dizer? que mais preciso dizer? nada.

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  3. me entrego a esse poema oração na minha hora indesejada chegar

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  4. Cesar Vallejo é pouco conhecido entre os amadores/amantes de poesia no Brasil. Náusea e morte são temas caros a ele. Aqui vai um poema dele com minha tentativa de tradução.

    LOS HERALDOS NEGROS

    Hay golpes em la vida tan fuertes... Yo no sé!
    Golpes como del odio de Dios; como si ante ellos
    la resaca de todo lo sufrido
    se empozara en el alma... Yo no sé!

    Son pocos; pero son... Abren zanjas oscuras
    en el rostro mas fiero y en el lomo más fuerte.
    Serán talvez los potros de bárbaros atilas;
    o los heraldos negros que nos manda la Muerte.

    Són las caídas hondas de los Cristos del alma,
    de alguna fe adorable que el Destino blasfema.
    Esos golpes sangrientos son las crepitaciones
    de algún pan que en la puerta del horno se nos quema.

    Y el hombre... Pobre... pobre! Vuelve los ojos, como
    cuando por sobre el hombro nos llama una palmada;
    vuelve los ojos locos, y todo lo vivido
    se empoza, como charco de culpa, en la mirada.

    Hay golpes en la vida, tan fuertes... Yo no sé!

    OS ARAUTOS NEGROS

    Há golpes na vida, tão fortes... Não sei não!
    Golpes como do ódio de Deus; como se diante deles,
    a ressaca de todo o sofrimento
    se encharcasse na alma... Não sei não!

    São poucos; mas são... Abrem rugas escuras
    no rosto mais ferino e no dorso mais forte
    Serão talvez os potros de bárbaros átilas;
    ou os arautos negros a mando da Morte

    São as quedas profundas dos Cristos da alma,
    de alguma adorável fé que o Destino blasfema.
    Esses golpes sangrentos são as crepitações
    de algum pão que na porta do forno nos queima.

    E o homem... Pobre... pobre! Volta os olhos, como
    Quando desaba um tapa sobre nosso ombro;
    volta os olhos loucos, e todo o vivido
    se encharca, como poça de culpa, no olho escombro.

    Há golpes na vida, tão fortes... Não sei não!

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  5. Amado Cicero,

    Sempre grato por alimentar-nos com o que há de melhor da Poesia Mundial!


    Abraço forte!
    Adriano nunes.

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  6. «Flores queimadas pela geada
    Os grãos caídos
    semeiam a tristeza»

    Matsuo Bashô

    in O GOSTO SOLITÁRIO DO ORVALHO, Antologia poética, Versões de Jorge Sousa Braga, ed. Assírio & Alvim

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  7. Querido Cicero,

    que bela sequência de posts... Esse poema e o texto de Ashbery são geniais. Sempre um prazer poder compartilhar tais belezas com você aqui.

    Um beijo.

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  8. Amado Cicero,

    Meu novo soneto:

    "É PRECISO ACENDER TODAS AS VELAS" (PARA A MINHA AMADA MÃE)


    Preciso descobrir qual a palavra
    Pagã, que sempre vibra, sozinha,
    Dentro do coração, da vida minha,
    Inquieta, Invisível, desarmada,


    Vinda do nada, vã, grande vilã
    Das horas preciosas, dos acasos
    Volúveis, dos abraços, dos ocasos
    Perdidos na visão, toda manhã,


    Enquanto seus matizes, os sentidos
    Dos ocultos vocábulos, dos traços
    Pétreos desse caminho, distorcidos


    Pelo veneno eterno do que caço,
    Por desejo de versos, eu lapido.
    Os asfaltos poéticos, eu faço.



    Abraço forte!
    Adriano Nunes.

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  9. "Tu pars ou tu restes, Il faut te décider.... "
    Lindo poema!!!!
    :0

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  10. Não sei se vc a conhece, mas a poeta portuguesa Ana Gastão aprecia muito a obra de Henri Michaux e alguns percebem isso no último livro dela Lápis Mínimo.

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  11. poema lindo!

    pôxa pôxa,

    este tempo cinza, chuvoso, que gosto até, mas que me deixa mais pensativo-melancólico com as questões neste poema abordadas. "o pó da morte", como "um insecto louco", assim, me rondando a cuca, "saltando de um lado para o outro", como lindamente escreveu casimiro de brito.

    ontem assisti a um filme que muito me tocou, e que deixo -- com muita humildade --, para quem se interessar, como recomendação: o filme, em inglês, chama-se "elegy" e ganhou, no português, o título "fatal". traz a belíssima, que adoro de paixão!, penélope cruz, e o charmosíssimo (no filme tá uma delícia - rs!) ben kingsley, nos papéis principais (os dois arrebentando!). fotografia desbundante, atuações impecáveis, enredo e narrativa bacanas. "fatal" trata de um monte de coisas a ver com o poema: o passar do tempo, a vida que se viveu, a chegada da velhice, as surpresas da trilha, a morte. vale a pena para quem se inclina por estes temas.

    não bastasse, vindo para o trabalho, sentei-me, no coletivo, ao lado de uma senhora, que me relatou um tanto da sua história de vida com o marido agora doente, vítima de um 'avc', problema que desencadeou a morte do meu pai há 4 anos atrás.

    enfim, por todas essas questões, este poema, lido num momento como este, como me tocou...

    é, meu poeta grande e bonito, não deixo de fechar com o seu belíssimo verso, de grande valia: "os momentos felizes não estão escondidos nem no passado e nem no futuro".

    beijo grande e carinho bom.

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  12. O teu corpo
    Acorda e ri.
    Eu te abraço
    E sou feliz.

    Ton corps
    Se réveille et rit.
    Je t´embrasse
    Et c´est tout chérit.

    (original e versão de minha autoria)

    []´s

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  13. entre a sensação nauseante de tudo que nos devora, vemos a morte que se aproxima. Desejo que hesita: o suicídio. Um poema que esfria todo o corpo, Cícero!

    Um abraço.
    Jefferson.

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  14. lindo, o poema, Cícero
    às vezes é difícil saber se é a morte que nos vence ou se nós é que a desejamos
    abraço de fã

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  15. Adoro o nada
    O nada, prá mim,
    É tudo
    Só assim fico mudo
    E esqueço
    Fico leve
    Para assim percorrer
    Os labirintos do ser
    Crosta dura inaugurada
    Pelos olhos da bem amada.

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  16. Adeuses se desenham sobre as nossas faces.
    Mil vezes morte sob a foice desses dias.
    Mil vezes ódio sob o céu enluarado.
    Há despedida em cada gesto.
    O esgar da morte nos transforma em nada.
    A cal do tempo nos transforma em nada.
    A poesia está em falta.

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  17. Ser agarrado em pleno vôo. Deve ser esta a sensação... Que poema incrível.
    Um abraço

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  18. Querido Cicero,

    sem querer dar trabalho, desconsidere a outra postagem de comentário. Havia um erro pronominal no último verso e aqui foi corrigido.

    Em consonância com o tema de Michaux, volto ao Ronsard e preparei uma peça especial: um primeiro soneto de uma série de seis que foram ditados no leito de morte, segundo a edição de Jacques Roubaud (Soleil du Solei - anthologie du sonnet français de Marot à Malherbe - Gallimard, 1990)

    Minha versão é apenas uma versão e não por falsa modéstia. Ressinto deixar ao largo sutilezas preciosíssimas que percebo no original...

    Je n'ay plus les os, un Schelette je semble,
    decharné, denervé, demusclé, depoulpé,
    que le trait de la mort sans pardon a frappé,
    je n'ose voir mes bras, que de peur je ne tremble.

    Apollon& son filz deux grands maistres ensemble,
    ne me sçauroient guerir, leur mestier m'a trompé,
    adieu plaisant soleil, mon oeil est estroupé,
    mon corps s'en va descendre où tout se desassemble.

    Quel amy me voyant em ce point despouillé
    ne remporte au logis un oeil triste et moullié,
    me consolant au lict & me baisant la face,

    en essuiant mes yeux par la mort endormis?
    Adieu chers compaignons, adieu mes chers amis,
    je m'en vay le premier vous preparer la place.



    A um esqueleto, nada além de ossos, pareço,
    De carne e nervo e músculo fui desprovido,
    pela seta da morte impiedosa abatido,
    não vejo os braços meus, pois de medo estremeço.

    Apolo e filho, mestres do maior apreço,
    já não sabem curar-me no ofício iludido.
    adeus belo sol, tenho o olhar consumido,
    e, então que o corpo jaz, de tudo me despeço.

    Que amigo, ao me ver neste extremo despojado,
    não lançaria o olhar em lágrimas banhado,
    mitigando-me o leito e me beijando a face,

    enxugando-me os olhos mortais neste sono?
    Adeus, meus companheiros, não vos abandono,
    se parto é por rever-vos os em vosso trespasse.

    Forte abraço,
    Marcelo Diniz

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  19. Amado Cicero,

    Outro poema:


    "EU ESTOU-TE AMANDO"


    Eu estou-te amando
    A mando
    Do meu coração.
    Eu não
    Sabia que, quando
    O amor
    Nascia, a alegria
    Só vinha
    Tão na contramão,


    Quase atropelando
    A vida.
    Talvez seja a minha
    Alma bem mais cúmplice
    De tudo,
    Desse teu ciúme.
    Eu estou-te dando
    A mesma
    Razão.



    Abraço forte!
    Adriano Nunes.

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  20. Amado Cicero,

    Outro poema convulso:


    "FAÍSCA"


    O meu coração abraça
    O teu coração em brasa.


    Queimar é nada!


    Nem teu corpo nem teus sonhos
    Suportam tanto minh'alma.


    Sofrer é dádiva!


    Sem medo, sempre me exponho,
    Enquanto tudo mascaras.


    Abraço forte!
    Adriano Nunes.

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  21. Antonio,

    Bela postagem!


    ***Ó NOITE! SUMA!***


    É noite: vejo
    Um outro céu
    E penso ser
    Qualquer estrela,


    Mas sem porquês,
    Subitamente,
    Esse desejo
    Triste me deixa.


    Ó noite! Suma!




    Beijos,
    Cecile.

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