25.6.08

Caio Meira: "pequeno sutra da mais completa ignorância"

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pequeno sutra da mais completa ignorância

não sei migrar para o sul quando chega o verão, nem caminhar sobre o carvão em brasa

carroças já não passam por minha boca

desconheço regras de retórica, o manejo de sombras, tipos exóticos de peixes, datas e aparatos de cerimônia

sei que tenho 32 dentes, leio livros e jornais, vou ao mercado e ao cinema, escuto música clássica e popular, e posso dizer de cor os números dos meus documentos, além de uns poucos poemas aprendidos há muito tempo

teimo também em me lembrar dos conselhos dos amigos, que permanecem vagando desacertados entre frases que de algum modo saltam prontas de minha garganta

não posso, apesar de grandes esforços, distinguir o fútil do necessário, o que me vale tantas horas misturando fadiga e prazer

nenhum balanço pode ser feito

apesar de meus olhos e meus pés se considerarem auto-suficientes na avaliação das distâncias, acabo sempre por tropeçar numa pessoa ou numa pedra



De: MEIRA, Caio. Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer. Rio de Janeiro: Azougue, 2003.

2 comentários:

  1. Águas batem nos pés
    Chamamos ondas
    O mar que fala nas marés
    Pássaros voam na direção certa
    Como uma flecha
    O sol esculpe os corpos na areia
    Enquanto caminho devagar
    Sem rumo certo
    Não consigo ver ao certo
    Aonde começam e terminam
    As montanhas, momentos,
    Desertos.

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  2. no meio do caminho tinha uma pedra. tinha uma pedra no meio do caminho.

    (a pedra, sempre no meio do caminho.)

    sempre no meio do caminho, a pedra, porque no meio do caminho dessa vida, estamos todos no meio - quem chegou e quem faz tempo que veio -. ninguém no início ou no fim.

    (veja que maravilha mesclar drummond com antunes.)

    lindo poema, meu belo bardo.

    a sabedoria de entender que, no fim das contas, quando adultos, entendemos muito pouco. as dúvidas se sobressaem, nos cercam, afundam nas nossas mentes. quantas e quantas vezes, embates intelectuais para a conclusão de alguma coisa, e a peleja resulta em interrogações; em alguns casos, nas mesmas do começo do embate, em alguns outros, no aumento delas, com questionamentos que se formaram no percurso das elocubrações, misturando-se, assim, aos já existentes. lindamente, diz o mano caetano: "você precisa saber o que eu sei e o que eu não sei mais." desaprender é, também, um belíssimo processo de vida.

    a sabedoria de perceber que, apesar da auto-suficiência dos pés e dos olhos na medição das distâncias, não estamos, nem nunca estaremos, livres dos tropeços durante a nossa jornada, na feitura do nosso caminho. em pessoa ou pedra, hei de tropeçar, não há jeito (rs). essa imagem, ao final, é lindíssima, um primor.

    maravilha, meu amor!
    eu, como sempre, só tenho a agradecer.

    beijim bom nocê!

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