Coluna
Por que dar conta do recado
e terminar mais um artigo?
Prefiro olhar meu próprio umbigo
a trabalhar sem resultado
como que posto de castigo.
Mas, apesar de tão cansado
que quero só virar de lado
e dormir, mesmo assim prossigo.
Pra quê? Não faz nenhum sentido
e, não obstante todo estrago
que isso me causa, mal sou lido.
Escrevo e apago, escrevo e apago
o que não passa de um grunhido
que me vem d'alma ou do lumbago.
De: ASCHER, Nelson. Parte alguma. Poesia (1997-2004). São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
Como um beijo sem gosto que não faz sentido.Que sentimento é esse que não passa de um grunhido?Volto cego novamente a este blog reler o mal lido.
ResponderExcluire deixo estes versos:
beijo sem gosto
Eu me vejo, eu me beijo
Eu me quero, eu me desejo
eu me desboto, eu me protejo
é tão fácil te querer
mas não consigo te dizer
bela, eu quero viver dentro de você
quero que entenda que tudo é pra eu tomar você pra mim
como um poeta toma viciado sua overdose diária de versos sintéticos
em memórias de suicídios poéticos
nosso entardecer atômico, de onde ninguém vai levantar
o gosto de um gemido sinfônico, quando te fizer gozar
estou te esperando no futuro, num paraíso onde as plantas não morrem
te amo no silêncio do escuro, como um cego
que as cores dele fogem
Abraço!!!
espírito caprichoso e iluminado por horas dedicadas
ResponderExcluirde poetas e artistas insones,
varando madrugadas
com o sol nascendo em meio a mil palavras em turbilhão,
vertidas sobre o corpo de uma noite mal dormida.
nunca me abandones.
dou-me a ti -
única forma de viver que quero,
minha razão no mundo turvo dos homens sem paixão.
cicero!
ResponderExcluirreconheço desaires em mim que são o eco desse poema. adorei!
abraço,filipa
Querida Filipa,
ResponderExcluirDe fato, considero perfeito esse soneto. Há nele uma admirável correspondência entre som e sentido. O próprio título, “Coluna” já é revelador, pois tanto pode se referir ao artigo quanto ao lumbago que incomoda o poeta, sentado ao computador por muito tempo (“escrevo e apago, escrevo e apago”) para escrevê-lo. A correspondência mesma entre som e sentido ecoa outra, entre o corpo e a alma. “Prefiro olhar meu próprio umbigo”, diz um dos versos. Ora, normalmente são os militantes políticos que usam essa frase, com a qual reprocham o que consideram o “subjetivismo” dos artistas que não usam a sua arte para falar dos grandes temas sociais. Assim, “olhar o próprio umbigo”, isto é, olhar para uma parte do próprio corpo, é análogo à atividade da subjetividade, ou da alma, que se entrega aos seus próprios caprichos. Do mesmo modo, “virar de lado”, frase com que se designa a busca de uma nova posição na cama, para melhor dormir, aqui quer também dizer virar para o lado oposto ao do dever: para o sono, o sonho e o prazer. Finalmente, “grunhido” é o som ainda não articulado, ainda não humano, o resmungo que em parte vem do próprio corpo, mas se transforma nas palavras do artigo. O grunhido é, em primeiro lugar, a manifestação visceral de inconformidade com o rumo imprimido ao pensamento e à política pelo Zeitgeist, pelo o senso comum dos tempos. É por sentir o dever de criticar esse Zeitgeist que o poeta se levanta para escrever sua coluna, ainda que ela mal seja lida. E o grunhido é, em segundo lugar (do ponto de vista cronológico) o protesto contra a renúncia a líquidos prazeres e sonhos, em nome de duros e dúbios deveres .
Beijo,
Antonio Cicero
"...escrevo e apago..."diz o poema belo,e vence o lumbago,e vence o lumbago...
ResponderExcluirAh,poetas das noites mal dormidas...beijos cariocas,poeta querido!
A Pipa
Poeta sofre pane
Com o que deleta
Dá murro em faca
Faz a prosa alerta
Come pra dois dias
Quando caça o verso
Ah,poeta...
Põe uma roldana
Quando nasce o dia
Tem a conta aberta
No bar da alegria
Compra diamante
Pra sofreguidão
Poeta chama toda rosa
De frondosa guia
Tem boa vontade
Uma dor tardia
E não se conforma
Com o mundo não...
Ah,poeta...
Serpentina empolga
Sua boemia
Uns preferem roda
Outros calmaria
Uma tarde cobra
Seu olhar perplexo
Ah,poeta...
Dorme o ar da lua
O sopro do universo
Pra depois soltar
No meio dos dispersos
Sem cerol que doa
A pipa da poesia...
Nina Araújo
Vale ainda dizer, Cicero, da ambivalência com que a própria forma é tratada, muito típica, diga-se de passagem, da poesia de Nelson Ascher. O soneto sofre uma espécie de apagamento de sua estrutura através da fluência da prosa que lhe imprimem os enjambements. No caso, esse procedimento formal parece informar o continente do próprio conteúdo que o preenche: a prosaica fatalidade da senectude e da morte.
ResponderExcluirAbraço,
Marcelo Diniz
Marcelo,
ResponderExcluirObrigado pela excelente complementação.
Abraço,
Antonio Cicero
Cicero,
ResponderExcluireste seu post aqui é uma aula de poesia e de vida.
Abraço forte!
Nuno Rau.
Obrigado, Nuno. Fico contente de você ter gostado.
ResponderExcluirGrande abraço,
Antonio Cicero
Reeditando o post:
ResponderExcluirCicero, o comentário que fiz não foi uma crítica, apenas tentei fazer uma aproximação de imagens dos dois poemas. Vi em ambos a dor e o desgosto como pontos em comum, como pontos onde há alguma identificação entre eles.Por isso no jogo de palavras posso ter confundido a concepção do que realmente queria dizer.Que era acima de tudo um elogio.Pois estava justamente evidenciando o genial de sensações desagradáveis se pode transmitir belamente nos textos. Enfim para evitar quaisquer dúvidas volto a este blog para reescrever e para não deixar algo mal compreendido.
O que eu queria dizer:
Senti um amargo, como sentiria num beijo sem gosto, ou num cansaço de querer e não ir dormir.As coisas perdem ai os seus sentidos. Devemos portanto estar falando de sentimentos (como aqueles imcompreensíveis)que não passam de um grunhido. Volto como um cego ( sem certeza do que encontrará mas certo do que procura). Reler(o blog) o mal lido (Ascher) e então deixo (não mais) novos versos:
Beijo sem gosto
Eu me vejo, eu me beijo
Eu me quero, eu me desejo
eu me desboto, eu me protejo
é tão fácil te querer
mas não consigo te dizer
bela, eu quero viver dentro de você
quero que entenda que tudo é pra eu tomar você pra mim
como um poeta toma viciado sua overdose diária de versos sintéticos
em memórias de suicídios poéticos
nosso entardecer atômico, de onde ninguém vai levantar
o gosto de um gemido sinfônico, quando te fizer gozar
estou te esperando no futuro, num paraíso onde as plantas não morrem
te amo no silêncio do escuro, como um cego
que as cores dele fogem
Com muita admiração,pelos seus trabalhos e atenção pelos debates e belezas que este blog proporciona. Grande abraço. Teo.
Teo,
ResponderExcluirObrigado pelo esclarecimento. De qualquer modo, o seu primeiro comentário me estimulou a dizer como é que o poema batia de outro modo em mim. Isso, por sua vez, fez você explicitar como é que ele bate em você. Acabou sendo bom.
Abraço,
Antonio Cicero