Um poema admirável do livro A fronteira desguarnecida (poesia reunida 1993-2007), que Alberto Pucheu acaba de lançar:
A LUTA ANTES DA LUTA
Você sabe, de nada adianta rezar no canto do ringue.
Aquele que nele sobe, sobe sozinho.
As bravatas lançadas na hora da pesagem
e o peso da multidão colado em sua carne,
você sabe, lá em cima, só aumentarão seu abandono.
Você sabe também o preço que terá de pagar
se deixar que qualquer vagabundo desfigure
sua fisionomia. Mas é isso que você quer?
Não é isso que você quer. Aconteça
o que acontecer, não jogarei a toalha, não é para isso
que chegamos até aqui... Você ainda é muito novo
para perder, e sua família, muito necessitada. Você sabe,
você tem de deixar seu passado para trás, eu sei que você
não quer voltar para as ruas, para o crime, para a cadeia...
Portanto, quando subir lá em cima, eu lhe digo,
não deixe que o adversário veja medo em sua face:
se, ainda antes do primeiro soar do gongo, ele
vislumbrar uma mínima expressão de temor em seu rosto,
conhecerá o caminho mais rápido
para encontrá-lo durante o combate. Mas você
não terá nenhum instante de fraqueza nesse combate,
você está preparado, eu sei que você está preparado,
e você também sabe disso. Ninguém quer acordar amanhã
num quarto de hospital... você quer acordar
num quarto de hospital balbuciando palavras desconexas?
Ein? Você quer acordar num quarto de hospital,
com sua mulher chorando preocupada ao lado da cama?
Não, você não quer isso pra você nem pra sua família,
nem eu quero isso para o meu garoto de ouro. Por isso,
treinamos duro, por isso, treinamos tanto. Então, vá lá
em cima, já estão anunciando seu nome, suba
para o quadrado, suba, já começaram a tocar a música,
vá para o ringue e, no meio do entrevero,
por entre as saraivadas de golpes,
faça seu adversário sentir o peso do esquecimento
carregando-o para longe do estádio, carregando-o
para longe de todo e qualquer lugar.
De: PUCHEU, Alberto. A fronteira desguarnecida (poesia reunida 1993-2007). Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2007, p.236.
admirado poeta Antônio Cícero, dá uma olhada neste arremedo de poesia e me dá a tua opinião.
ResponderExcluirUm abraço do Piauí
Naeno
O SER TOTALISMO
O totalitarismo é o mais alto grau do lirismo
Do poeta solitário, que não sabe escrever uma letra a sós.
Assim propaga ao mundo o seu poderio
Em quantidades de uma caçamba derramando seixo.
Poder ele pode, mas bom seria proibi-lo de escrever.
Seus escritos são tacanhos, laudos do IML,
Morte no destino, de quem estava na cozinha,
Fritando ovos morrendo de fome,
De o dia todo esquivar-se por traz das estantes de livros.
O ser total é o ser completo
E os generais da nossa época
Só tinham medalhas e gorro,
E eram verdes, como pau de dar em doidos.
O total é o tudo descoberto e juntado,
De uma escavação de anos, limpando osso por osso,
Cartilagens se evaporam com a carne grudada
E Chegam aos céus primeiro.
Niede Gidon descobriu um totalitarista de cem mil anos,
E quando foi pincelar seus ossos
Ele lhe deu ordem de prisão.
Um resto total, com a força de se manter inteiro
Mesmo que carcomido por tatus e vermes.
Pebas no seu encalço, pebas que morreram,
Morreram por provar da carne dele.
Existe serem totais, nos lugares de descanso eterno,
E eles que nada fizeram, devem estar sentados no mármore frio,
Contando estrelas, nas laterais e nas frontais de suas vestes.
Foram-se com a bandeira, a derradeira besta a lhes acompanharem
Enquanto estes seres totais descansam,
Outros que escreveram poesias para eles nos muros,
Nas superfícies brancas dos oitões,
Se foram em partes, nenhum é um todo que se possa
Ver dos dedos dos pés à cabeça. E estes estão plantados por aí,
Fora de suas casas, dentro de outros quintais,
Inadmissíveis, invisíveis que ninguém nunca encontrará.
Bergman, Eastwood.
ResponderExcluirMeu amigo Antonio Cícero,
ResponderExcluirPeço-te encarecidamente que vás ao meu blog e faça um comentário de uma poesia minha. E me diga o que achou deste arremedo. No fundo sou um compositor. Tenho 4 cds gravados.
Tenho um samba choro que gostaria muito ver gravado pela Marina. Ai como eu conheceria o céu antes de muita gente.
VALOROSO
O amor que eu trago guardado
É tão valoroso.
Eu sou uma concha do mar,
Querendo me aprofundar
Me proteger nos corais.
O amor que eu trago no peito
É tão perigoso
Por isso eu vou devagar
Como um andor de altar[
Bem distante dos mortais.
Não que eu não corra perigo
Eu posso até me lançar
Nos braços de quem, aflito
Queira me amparar.
E ninguém dá jeito nisso
Ah, eu sem bem como é
Pisar no alagadiço
Depois da maré.
Esta é a letra.
Me faz esta gentileza. Se não forem vocês, que sabem como se faz, e sabem o que fazem, o que será de nós, no deserto, com mais de um milhão de bifurcações e, perdidos, não sabemos aonde vamos.
Um beijo no teu coração
Do amigo apossado
Naeno
Naeno,
ResponderExcluirÉ uma letra bonita e vou entregá-la à Marina. E vou ao seu blog, sim.
Abraço,
Antonio Cicero