10.6.10

Manuel António Pina: "A avó"




A avó


Tinha ao colo o gato velho
cansadamente passando
a sua branca mão pelo
pelo dele preto e brando

Sentada ao pé da janela
olhando a rua ou sonhando-a
todo o passado passando
a passos lentos por ela

Dormiam ambos enquanto
a tarde se ia acabando
o gato dormindo por fora
a avó dormindo por dentro




PINA, Manuel António. Os livros. Lisboa: Assírio & Alvim, 2003.

13 comentários:

  1. Hey Poeta!

    Há um desfolhar de cenas neste poema que nos roça os poros, feito novelo de lã fui me emaranhando em memórias...genial.

    Um beijo e gracias.

    Carmen Silvia Presotto

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  2. Cicero,

    esse poema é belíssimo! As aliterações, as rimas, as anáforas,a métrica (a redondilha maior)acentuando a musicalidade... Tudo perfeito!


    Forte abraço,
    Adriano Nunes.

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  3. dormindo por dentro é de dilacerar....

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  4. um poeminha de gato...


    O GATO SÓ EXISTE

    o gato só existe
    no momento exato

    felinomilimétrico

    no instante mais preciso.

    fora isso
    o gato é um não-bicho
    desexiste

    menos que coisa
    entre as coisas
    (ou ao menos
    inda que visível
    matéria de mobília)

    pois ao gato a vida
    é o instante repleno

    (instante-espaço)
    onde perdura/perperde
    futuro e passado

    é um arranco
    um salto

    entre duas mortes
    sem gravidade.

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  5. paulo sabino (paulinho)11 de junho de 2010 às 16:20

    cicero,

    como bem disse o meu queridíssimo adriano nunes, o poema é perfeito, um primor!

    que coisa linda!, musicalidade, rimas, aliterações, anáforas, tudo divino-maravilhoso, supimpa!

    sem contar o fim, que é um desbunde!! "o gato dormindo por fora/ a avó dormindo por dentro" é de uma preciosidade e precisão, de um acerto no avol, uma coisa impressionante. (o queixo caiu com o fim - rs...)

    que maravilha, cicero, vir aqui.

    a mim, é sempre fonte de inspiração.

    você sabe que você me inspira muito, não sabe?

    (espero que saiba.)

    (há um tempo não lhe exponho isso, de modo mais explícito, e acho importante que, vez por outra, tais constatações lhe sejam sinalizadas.)

    ;-)

    beijo GRANDE!

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  6. Paulinho,

    fico super feliz. Muito obrigado.

    Beijo

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  7. Caro Antonio Cícero,

    Manuel António Pina é um grande poeta, e tem vários poemas sobre gatos, bichos que povoam a sua casa e a sua poesia, mas também um excelente cronista (veja-se a sua crónica quase diária no Jornal de Notícias).
    Obrigado pela partilha.

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  8. que bonito! sempre me lembro de muitos poemas e poetas quando um gato surge em poesia. De Baudelaire a Bashô; de Pessoa a Neruda e tantos outros. São tantos gatos. Não posso ver um deles pela rua que não me lembre desses poemas.
    Gostei muito!
    Abraços.

    Um poema que escrevi:

    nem pedirei qualquer coisa que lá esteja
    estou no meio destas mãos que me arredondam.
    e também o gosto alcança os dedos como
    a ponta dos pés se levanta e no alto toca
    o farto fruto da pele meio amarela
    meio morena, úmida de terra e chuva.

    ponha-me agora como um alimento fresco
    que mordido nem saúde ou doença traz.

    sem lavar, sem limpar a poeira do vento
    ponha-me inteiro na vez calma da boca.
    deitada aos pés por entre o lençol da carne
    a árvore do corpo se descasca e desfruta
    o gosto que se ergue já assentado na terra
    como a nudez do redondo sabor de um pêssego.

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  9. dois poemas de gato inesquecíveis:

    "elegiazinha", do ascher,
    e
    "o soneto do gato morto", do vinicius.

    este último, de todos que já li, é o mais incrível. nem eliot ou baudelaire, a meu ver, escreveram
    algo tão pungente e extraordinário sobre esses seres elásticos...

    ps - aliás, cicero, só tenho a agradecer. eu não conhecia o poema do vinicius, senão me engano ausente de outras compilações. graças à org. da antologia poética do vinicius, feita por vc e pelo eucanaã, conheci estes versos. quando li, quase chorei, meu peito ronronou...
    meu humilde poeminha, postado acima, foi deflagrado pelo "soneto do gato morto", embora em chave inversa - baseado numa "idéia artificial" mas que me pareceu render lá alguma poesia: todo gato, antes ou depois do salto, é um gato morto.
    o vinicius, com muito mais propriedade, diz: "mesmo parado ele caminha ainda".

    abç.

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  10. não entendi os últimos comentários,
    o porquê da risada.

    contem que, se for o caso, eu riu junto: é ótimo perceber que ou se é um bode na sala ou, como diz o personagem de madame shanghai, "todo mundo é o idiota de alguém". sabe? quando vc de repente percebe que caminha de smoking numa feira de peixe ou que o cós da sua calça (de sua alma) está rasgado...rs

    não se levar tão a sério e reconhecer o ridículo de si mesmo é um raro exercício de humildade e lucidez... não me soneguem o prazer.

    abç.

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  11. Rodrigo,

    Peço-lhe as mais sinceras desculpas pelo equívoco. Minha intenção não foi rir do comentário de ninguém, muito menos do seu, de que gostei muito. O que ocorre é que troquei o e-mail em que recebo os comentários a serem moderados. Querendo testar o sistema, enviei duas mensagens sem texto, uma assinada por mim e outra anônima, apenas batendo a primeira letra que me ocorreu: que, por mero acaso, foi o “k”: e me esqueci de apagá-las imediatamente, como tinha sido minha intenção original. Aliás, não costumo usar esses recursos tipo “kkkkk” ou “rs”, para sinalizar risada.

    Aproveito para lhe dizer que adorei o seu poema sobre gato.

    Grande abraço

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  12. sem problema, meu caro.

    abraço.

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  13. M.Ade Pina é um excelente poeta. Há um blogue só sobre gatos -a arca da jade -onde a autora -soledade santos- coloca só poemas sobre gatos.Jade é a sua gata...

    http://arcadajade.blogs.sapo.pt/

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