18.1.10

Arthur Rimbaud: "Le dormeur du val" / "O adormecido do vale": tradução de Ivo Barroso





O Adormecido do vale

Era um recanto onde um regato canta
Doidamente a enredar nas ervas seus pendões
De prata; e onde o sol, no monte que suplanta,
Brilha: um pequeno vale a espumejar clarões.

Jovem soldado, boca aberta, fronte ao vento,
E a refrescar a nuca entre os agriões azuis,
Dorme; estendido sobre as relvas, ao relento,
Branco em seu leito verde onde chovia luz.

Os pés nos juncos, dorme. E sorri no abandono
De uma criança que risse, enferma, no seu sono:
Tem frio, ó Natureza – aquece-o no teu leito.

Os perfumes não mais lhe fremem as narinas;
Dorme ao sol, suas mãos a repousar supinas
Sobre o corpo. E tem dois furos rubros no peito.



Le dormeur du val

C'est un trou de verdure où chante une rivière
Accrochant follement aux herbes des haillons
D'argent; où le soleil, de la montagne fière,
Luit: c'est un petit val qui mousse de rayons.

Un soldat jeune, bouche ouverte, tête nue,
Et la nuque baignant dans le frais cresson bleu,
Dort; il est étendu dans l'herbe, sous la nue,
Pâle dans son lit vert où la lumière pleut.

Les pieds dans les glaïeuls, il dort. Souriant [comme
Sourirait un enfant malade, il fait un somme :
Nature, berce-le chaudement: il a froid.

Les parfums ne font pas frissonner sa narine ;
Il dort dans le soleil, la main sur sa poitrine
Tranquille. Il a deux trous rouges au côté droit.




RIMBAUD, Arthur. Poesia completa. Edição bilingue. Tradução de Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.

11 comentários:

  1. Um poema bastante parecido com O Menino da sua Mãe, de Pessoa.Este, o de Pessoa, mais forte, creio.
    Tinha uma outra tradução deste Rimbaud que lhe envio, mas ceretamente conhecerá também;
    ADORMECIDO NO VALE


    É um vão de verdura onde um riacho canta
    A espalhar pelas ervas farrapos de prata
    Como se delirasse, e o sol da montanha
    Num espumar de raios seu clarão desata.

    Jovem soldado, boca aberta, a testa nua,
    Banhando a nuca em frescas águas azuis,
    Dorme estendido e ali sobre a relva flutua,
    Frágil, no leito verde onde chove luz.

    Com os pés entre os lírios, sorri mansamente
    Como sorri no sono um menino doente.
    Embala-o, natureza, aquece-o, ele tem frio.

    E já não sente o odor das flores, o macio
    Da relva. Adormecido, a mão sobre o peito,
    Tem dois furos vermelhos do lado direito.

    Tradução: Ferreira Gullar

    Nota: é óbvio que gosto de comparar traduções.
    No youtube há o poema dito por Serge Reggiani.

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  2. Um ponto azul
    Resto da podridão
    O ser matemático, estático
    Ou o sacerdote da paixão
    Languidamente percorre
    O espaço entre o ser e a razão
    É grande e profundo
    Mas nada neste mundo
    Se parece nessa hora
    À visão sem comparação
    Da tua face mesmo
    Somente na imaginação.

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  3. Obrigado, Amélia. Confesso que não conhecia a tradução do Gullar.

    Abraço

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  4. leitura das vertigens. adoro a leitura deste poema.


    Um poema que escrevi:

    brilha sob a luz desta noite
    e vaza do corpo profundo
    o mais branco e mais antigo
    - branco líquido de leve tinta.

    molha por inteiro este poema
    como o branco dos olhos, do papel
    do leite que se bebe - melando
    a ponta da língua em cada verso.

    ficar suspenso neste galho, nele
    saltar, mover-se no balanço de deixar
    vir à tona a camada do branco
    que jorra de todo este poema.


    Um abraço, Cícero!

    Jefferson

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  5. Oi, Antonio, tudo bem?

    Acabo de lançar uma plaquete com poemas do cummings pela Arqueria Editorial.
    Se você se interessar, ói o endereço:
    http://arqueria.wordpress.com/

    Ah! também publiquei uma tradução do Montale aqui:
    http://www.sibila.com.br/index.php/mix/954-um-poema

    Abbracci,

    Paulo de Toledo

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  6. Caro Cícero,

    Já conhecia o poema traduzido pelo Ivo Barroso, e não me interessava por ele.
    Lê-lo na tradução bem mais amigável do Gullar mudou minha opinião.
    Mesmo que ele seja mais Gullar e menos Rimbaud.
    Abraço
    JR.

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. MUITO MASSA. CONTUNDENTE.
    AQUI, NO SEU BLOG, A GENTE FICA MAIS VIVO.
    AVANTE, CÍCERO!

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  9. Coisa mais linda, Cícero. Caí aqui hoje, somente hoje... Eu estava lendo alguns poetas franceses que eu amo, ainda do tempo do colegial (que lá vai tão longe!) - e o acaso me trouxe ao velho Rimbaud e à tua página. Obrigada pelo texto, e um abraço bem arrochado. Ou arroxado? Enfim, bem abraçado!

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