Há alguns dias, o Le Monde publicou uma reportagem pessimista sobre o Brasil. Na verdade, ela corresponde ao que, nas circunstâncias atuais, muitos brasileiros também pensam. Ontem, porém, o jornal espanhol El País publicou um artigo, assinado por Juan Arias, que, criticando o artigo do Le Monde, oferece-nos outra perspectiva. Conheci-o na tradução portuguesa oferecida pelo site IHU On-Line. Ei-lo:
A visão apocalítica do "Le Monde" sobre o Brasil
O mundo tem os olhos voltados ao Brasil a um mês das importantes e já ensanguentadas eleições presidenciais, ofuscadas pela história infinita da candidatura de Lula na prisão, negada pela Justiça brasileira. Entre as visões negativas da imprensa internacional sobre o Brasil, o editorial do importante jornal francês Le Monde é especialmente apocalíptico.
Com o título de “O naufrágio de uma nação”, o Le Monde chega a afirmar que o Brasil “é um país que parece ter perdido o controle de seu destino”. É, acrescenta, “uma nação que se sente abandonada”. A classe política também não se salva, chamada de “tão angustiante como envelhecida, minada pela corrupção”.
O Le Monde já foi uma referência de jornalismo no mundo que formou gerações inteiras. Talvez por isso sua visão catastrofista sobre o Brasil, para os que, sem ser brasileiros, vivem aqui de perto a crise que assola o país é surpreendente. Não que tenhamos os olhos vendados para reconhecer que o país vive um de seus momentos mais difíceis após a ditadura, mas também não é verdade que o país tenha naufragado e perdido o controle de seu destino.
Não deixa de surpreender que os que colocaram há poucos anos esse país no Olimpo dos deuses, inveja do mundo, hoje o apresentem como uma nação que perdeu o controle, sem que se preocupem em analisar por que isso teria ocorrido, em tão pouco tempo, do céu ao inferno. Dentro e fora do Brasil, hoje são necessárias mais do que visões catastrofistas, e às vezes até injustas, sobre esse importante país, coração econômico da América Latina, uma análise séria sobre as causas que conduziram a essa crise pela qual ele passa. Não existem crimes sem culpados e é importante ir às raízes do problema antes de se fazer julgamentos sumários como se o Brasil houvesse chegado a esse momento sem que ninguém se sinta responsável.
É verdade que existe hoje um perigo real de autoritarismo e saudades da ditadura, sobretudo dos que não a viveram em sua própria carne, e que existe uma crise entre as instituições que tentam rivalizar entre elas invadindo a independência das mesmas que deveria ser mais respeitada. Acreditar, entretanto, que a democracia naufragou é uma ofensa ao trabalho que esse país realizou para se manter dentro dos padrões das democracias mundiais. O Brasil, dentro do continente, faz parte, apesar de todos os seus problemas, dos mais bem aparelhados do continente na defesa dos direitos humanos. O Brasil não é a Venezuela e a Nicarágua e com toda a sua carga de violência ainda não chega aos índices de alguns países do continente.
É um país com total liberdade de expressão e com a Justiça, com todos os seus possíveis erros, agindo e punindo os crimes de corrupção das elites políticas e empresariais como nunca aconteceu em sua história, em que a prisão era privilégio de pobres e negros. É um país com um grande debate nacional sobre a discriminação racial e de gênero. E com um jornalismo que, apesar de todas as críticas que possam ser feitas, é um dos mais vivos e responsáveis do continente, algo que me permito afirmar com meus 50 anos na profissão.
É verdade que há anos os brasileiros não estavam tão divididos por motivos políticos, agravado pelas redes sociais que ampliaram as possibilidades de debate. É um país, entretanto, que dos partidos políticos à sociedade mais madura reprovou, por exemplo, o atentado sangrento contra Bolsonaro, o candidato ultraconservador e cultor da violência.
Não sinto, como o Le Monde, que o Brasil seja um país como um barco já naufragado e sem esperanças. É um país irritado com seus governantes, descrente com seus políticos, mas como na maior parte do mundo de hoje. Prefiro ficar com a visão editorial do El País, que condenando dias atrás o atentado a Bolsonaro e o perigo de que possa ser usado para colocar em confronto uma sociedade já exasperada, concluiu dizendo: “O Brasil não está em guerra”. Eu diria que é uma sociedade sofrendo das dores do parto. Um Brasil que quer mais e o quer para todos, sem privilégios vergonhosos para os que deveriam dar exemplo à sociedade. Não é um país em agonia. É tão vivo que ainda é capaz de demonstrar sua raiva.
Fraco, Juan Arias é muito fraco, vive ainda no mito do brasileiro cordial
ResponderExcluiroi cicero, tudo bom?
ResponderExcluirconcordo com o artigo. esse movimento reacionário é global e vem sendo construído há tempos. em entrevista concedida à folha, em 2006, vc já indicava essa ofensiva reacionária.
o curioso é que toda essa retração do pensamento, me parece, nada mais é do que uma forte reação à modernidade. o que me chamou a atenção é isso se dar em escala mundial, num movimento que tenta revitalizar valores tribais em detrimento do pluralismo.
acredito que essa tentativa de retorno à barbárie fracassará, mas tudo dependerá da defesa dos valores da civilização e da razão.
nisso confesso que me enganei: qdo li o mundo desde o fim e da atualidade do conceito de civilização, acreditei que a consolidação das sociedades abertas seria algo que aconteceria "naturalmente"; hj, vejo que se trata de uma luta contínua.
lutemos, pois.
um abraço!
Caro Nobile José,
ResponderExcluirVocê tem toda razão.
Abraço
Desejo que os brasileiros não desistam da luta e nem da democracia que, como disse Churchil, não é uma boa forma de governo mas é a melhor que existe (não será esta a formulação exacta, mas tem o sentido).
ResponderExcluirO Brasil é um grande país com muito trabalho pela frente. Força gente! Não se pode dormir no posto.