27.8.18
Alberto da Costa e Silva: "Ode a Marcel Proust"
Ode a Marcel Proust
Teus olhos, no retrato,
destilam lágrimas
e abraçam silentes o horizonte.
Tua face, na noite,
é um soluço inútil.
Por entre as moças em flor,
revejo o silêncio das ruelas
dos teus passeios noturnos,
assombrados de insônia,
pelos caminhos insondáveis
do amor e da infância.
Retiras da memória
um mundo ignoto e novo,
e acompanhas, nas tuas vigílias,
os passos dos homens nos tapetes
e as palavras doces que não foram pronunciadas.
A cada instante, um encontro inesperado:
um peixe, uma gravata ou uma flor apenas entreaberta.
Tuas mãos repelem a morte, enluvadas,
e escrevem como se nada mais existira
a não ser a torre da matriz de Combray.
Proust, repercute em mim
toda a tua agonia, companheiro.
Deixa, Marcel, que recolha tua tristeza,
como lágrimas num lenço,
do tumulto das páginas de teus livros,
e
grave na minha boca
o sentido mais oculto de tuas palavras.
Teus olhos, no retrato,
derramam-se na bruma.
E colocas, agora, mansamente,
com requintes de estranha vaidade,
uma flor – talvez orquídea –
na lapela.
COSTA E SILVA, Alberto da. "Ode a Marcel Proust". In:_____. Poemas reunidos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.
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