27.10.17

Horácio: Carmen IV.I / Ode IV.1: trad. por Pedro Braga Falcão




Ode IV.1

   De novo moves, Vênus, guerras
há tanto interrompidas? Poupa-me, rogo-te, rogo-te.
   Já não sou quem era, no reinado
da boa Cínara. Deixa, cruel mãe

    dos doces Desejos,
de vergar com suaves ordens um homem empedernido
   que já quase cinco décadas viveu.
Vai, para onde te reclamam as doces preces dos jovens.

   Mais a tempo te irás divertir
para casa de Paulo Máximo,
   nos teus purpúreos cisnes voando,
se inflamar procuras um coração que te convenha.

   E depois de assaz se ter rido
ao triunfar sobre os sumptuosos presentes do rival,
   perto dos lagos albanos
uma estátua de mármore colocará sob um telhado de cedro.

   Aí, ao nariz te há-de chegar
o perfume de muitos incensos, deleitar-te-ás
   com as melodias conjuntas da lira,
da tíbia de Berecinto, e também da siringe.

   Ai, duas vezes por dia,
rapazes com gentis virgens, louvando tua divindade,
   três vezes no chão hão-de bater
com o cândido pé, como é costume dos Sálios.

   Quanto a mim, nem mulheres,
o nem rapazes, nem a crédula esperança num amor recíproco
   me agradam, nem as ébrias rixas,
nem cingir a testa com frescas flores.

   Mas então por que, ah, Ligurino,
porque escorre por minha face rara lágrima?
   Por que, a meio de uma palavra,
cai minha eloquente língua no indecoroso silêncio?

   Em noturnos sonhos
ora te tenho cativo, ora a ti voando te sigo
  através do campo de Marte,
a ti, cruel, através das volúveis águas.



HORÁCIO. Ode IV.1. In:_____. Odes. Trad. por Pedro Braga Falcão. Lisboa: Cotovia, 2008.


Carmen IV.I

     Intermissa, Venus, diu
rursus bella moves? Parce precor, precor.
     Non sum qualis eram bonae
sub regno Cinarae. Desine, dulcium

     mater saeva Cupidinum,            
circa lustra decem flectere mollibus
     iam durum imperiis: abi,
quo blandae iuvenum te revocant preces.

     Tempestiuius in domum
Pauli purpureis ales oloribus            
     comissabere Maximi,
si torrere iecur quaeris idoneum;

     namque et nobilis et decens
et pro sollicitis non tacitus reis
     et centum puer artium              
late signa feret militiae tuae,

     et, quandoque potentior
largi muneribus riserit aemuli,
     Albanos prope te lacus
ponet marmoream sub trabe citrea.            

     Illic plurima naribus
duces tura, lyraque et Berecyntia
     delectabere tibia
mixtis carminibus non sine fistula;

     illic bis pueri die
numen cum teneris virginibus tuum              
     laudantes pede candido
in morem Salium ter quatient humum.

     Me nec femina nec puer
iam nec spes animi credula mutui              
     nec certare iuvat mero
nec vincire novis tempora floribus.

     Sed cur heu, Ligurine, cur
manat rara meas lacrima per genas?
     Cur facunda parvm decoro              
inter verba cadit lingua silentio?

     Nocturnis ego somniis
iam captum teneo, iam volucrem sequor
     te per gramina Martii
campi, te per aquas, dure, volubilis.    


    
HORACE. Carmen IV.I. In:_____. Odes and Epodes. Org. por Paul Shorey. Chicago: Benj. H. Sanborn & Co., 1919.
  

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