23.4.16
Mário Faustino: "Onde paira a canção recomeçada"
Onde paira a canção recomeçada
Onde paira a canção recomeçada
No capitel de acanto de teu lar?
Onde prossegue a dança terminada
Nas lajes de meu tempo de chorar?
Rapaz, em minhas mãos cheias de areia
Conto os astros que faltam no horizonte
Da praia soluçante onde passeia
A espuma de teu fim, pranto sem fonte.
Oh juventude, um pálio de inocência
Jamais se estenderá sobre outra aurora
Mais clara que esta clara adolescência
Que o lupanar da noite hoje devora:
Que vale o lenço impuro da elegia
Sobre teu rosto, lúcida alegria?
FAUSTINO, Mário. "Onde paira a canção recomeçada". In:_____. Poesia de Mário Faustino. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
Poetas brasileiros da atualidade, no POP
O POP -- Polo de Pensamento Contemporâneo -- convidou Paulo Henriques Britto, Eucanaã Ferraz e a mim para uma conversa entre nós e o Professor Frederico Coelho, e intitulou esse evento "Grandes poetas brasileiros da atualidade", o que muito nos lisonjeia. A conversa ocorrerá às 19 h da terça-feira, dia 26 do corrente, na sede do POP, que fica na Rua Conde Afonso Celso 103, no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro.
Quem estiver interessado pode ler mais sobre o evento no site do POP, no seguinte endereço: http://www.polodepensamento.com.br.
21.4.16
Vinícius de Moraes: "Soneto de maio"
Soneto de maio
Suavemente Maio se insinua
Por entre os véus de Abril, o mês cruel
E lava o ar de anil, alegra a rua
Alumbra os astros e aproxima o céu.
Até a lua, a casta e branca lua
Esquecido o pudor, baixa o dossel
E em seu leito de plumas fica nua
A destilar seu luminoso mel.
Raia a aurora tão tímida e tão frágil
Que através do seu corpo transparente
Dir-se-ia poder-se ver o rosto
Carregado de inveja e de presságio
Dos irmãos Junho e Julho, friamente
Preparando as catástrofes de Agosto...
MORAES, Vinícius de. "Soneto de maio". In:_____. Nova antologia poética. Seleção e organização Antonio Cicero, Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2005;
20.4.16
Entrevista de Arthur Nogueira, que se apresenta hoje no Rio, no show "Sem medo nem esperança"
Arthur Nogueira faz show hoje no Rio de Janeiro, no Espaço Sesc (Rua Domingos Ferreira 160, em Copacabana), lançando seu disco "Sem medo nem esperança". Vejam a entrevista que ele deu a Alice Caymmi e Ava Rocha, que, aliás, participam do show: http://blogs.oglobo.globo.com/amplificador/post/alice-caymmi-e-ava-rocha-entrevistam-arthur-nogueira-que-se-apresenta-nesta-quarta-no-rio.html
19.4.16
Ramon Nunes Mello: "flor sangrenta"
flor sangrenta
O amor
talismã vulnerável
desespero alegre dos amantes
busca eterna do que é
perecível
MELLO, Ramon Nunes. "flor sangrenta". In:_____. Há um mar no fundo de cada sonho. Rio de Janeiro: Verso Brasil Editora, 2016.
16.4.16
Serge Núñez Tolin: "Dire, aussi loin [...]" / "Dizer, até onde [...]": trad. de Júlio Castañon Guimarães
Dizer, até onde as palavras podem levar em direção ao que as
excede, o que não está em sua ordem dizer.
As palavras indefinidamente abertas: nó dado por ninguém, cujo
limite se desvanece com o movimento de se fechar.
Dire, aussi loin que les mots peuvent porter vers ce qui les
excède, ce qui n'est pas dans leur ordre de dire.
Les mots indéfiniment ouverts: nœud noué par personne, dont la
limite s'évanouit avec le mouvement de s'enclore.
TOLIN, Serge Núñez. "Dire, aussi loin [...]" / "Dizer, até onde [...]". In:_____. Nó dado por ninguém / Nœud noué par personne. Tradução de Júlio Castañon Guimarães. São Paulo: Lumme, 2015.
12.4.16
Nicolás Gómez Dávila: "Sucesivos escolios a un texto implícito"
A ideia perigosa não é a falsa, mas a parcialmente correta.
***
O escritor que não se empenha em nos convencer faz-nos perder menos tempo e às vezes nos convence.
***
Não vale a pena escrever o que não comece parecendo falso ao leitor.
DÁVILA, Nicolás Gómez. Sucesivos escolios a un texto implícito. Barcelona: Áltera, 2002.
9.4.16
Charles Baudelaire: "Les promesses d'un visage" / "As promessas de um rosto": trad. de José Paulo Paes
Meu querido amigo Adriano Nunes enviou-me o seguinte belo poema de Baudelaire, no original e na também bela tradução que dele fez José Paulo Paes:
As promessas de um rosto
Amo,ó pálida beleza, os teus cenhos curvados
Que dão às trevas todo o império;
Teus olhos, embora negros, me inspiram cuidados
Que não têm nada de funéreos.
Teus olhos, que imitam a negrura dos cabelos
Da tua longa crina elástica,
Teus olhos langues me dizem: "Amante, se o apelo
Queres seguir da musa plástica,
Que infundimos no teu ser, ou tudo que contigo
Em matéria de gosto trazes,
Poderás ver, desde as nádegas até o umbigo,
Que nós te fomos bem verazes;
Encontrarás, sobre dois belos seios pontudos,
Dois grandes medalhões de bronze,
E sob o ventre liso, macio como veludo,
Amorenado como bronze,
Um rico tosão que à tua enorme cabeleira
Copia no negrume e na espessura;
De tão sedoso e encrespado, ele te iguala inteira,
Noite sem astros, Noite escura!"
Les promesses d’un visage
J'aime, ô pâle beauté, tes sourcils surbaissés,
D'où semblent couler des ténèbres,
Tes yeux, quoique très noirs, m'inspirent des pensers
Qui ne sont pas du tout funèbres.
Tes yeux, qui sont d'accord avec tes noirs cheveux,
Avec ta crinière élastique,
Tes yeux, languissamment, me disent : " Si tu veux,
Amant de la muse plastique,
Suivre l'espoir qu'en toi nous avons excité,
Et tous les goûts que tu professes,
Tu pourras constater notre véracité
Depuis le nombril jusqu'aux fesses ;
Tu trouveras au bout de deux beaux seins bien lourds,
Deux larges médailles de bronze,
Et sous un ventre uni, doux comme du velours,
Bistré comme la peau d'un bonze,
Une riche toison qui, vraiment, est la soeur
De cette énorme chevelure,
Souple et frisée, et qui t'égale en épaisseur,
Nuit sans étoiles, Nuit obscure !"
BAUDELAIRE, Charles. "Les promesses d'un visage" / "As promessas de um rosto". In: PAES, José Paulo. Poesia erótica em tradução. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
7.4.16
Marcos Medeiros: "Mar-Língua"
Mar-Língua
Este mar que nos banha,
esse torrão de sal que somos,
essa alma carregada de destino:
ter vindo um eterno vir
mesmo que o mar dissesse não.
Minhas quilhas singram o oceano,
a linha do horizonte.
Navegando cidades minha imagem é a tua,
como a de qualquer povo.
Pesadas chaves silenciam a origem.
Seguir as pegadas no labirinto verde,
enquanto a manhã é uma incógnita.
Foram-se ao mar as velhas naus
com elas embarcaram as incertezas -
homens e mar: a língua portuguesa.
MEDEIROS, Marcos. "Mar-Língua". In:_____. Somos atlânticos. Rio de Janeiro: Gôndola, 2016.
4.4.16
Ricardo Primo Portugal: "Blues do quarto de hotel"
Blues do quarto de hotel
a noite leva minha mala
a mais um quarto de hotel
cada cidade ao caminho
é uma luz ou cem
ou dez milhões de almas
é uma cidade que passa
e fico aqui sozinho
a cada nova partida
comigo recomeço
um mesmo a cada chegada
levando a velha cara
a outro espelho de hotel
deitando minhas costas
à cama de aluguel
confio meus segredos
à parede e este cofre
fazendo minhas contas
neste bloco de hotel
e quase um verso escapa
e cai à última página
PORTUGAL, Ricardo Primo. "Blues do quarto de hotel". In:_____. A face de muitos rostos. São Paulo: Patuá, 2015.
2.4.16
Ivan Junqueira: "O aeroplano"
O aeroplano
Quando eu fiz cinco anos,
meu pai deu-me de presente um aeroplano
que ele próprio construíra
com finas hastes de bambu e papel de seda.
Tão leve quanto uma libélula,
o frágil engenho voou até desaparecer
por detrás do muro do quintal
e dos últimos reflexos de um poente de verão.
Ninguém jamais o encontrou.
Eu ia na cabine. Eu e minha infância,
que nunca mais voltou.
JUNQUEIRA, Ivan. "O aeroplano". In:_____. Essa música. Rio de Janeiro: Rocco, 2014.