Os cristãos creem que sua fé faz bem, mas outras fés fazem mal. De todo modo, pensam isso sobre a fé comunista. O que eu afirmo é que todas as fés fazem mal. Podemos definir a 'fé' como uma firme crença em algo para o qual não há prova. Quando não há prova, fala-se de 'fé'. Não falamos de ter fé de que dois mais dois sejam quatro ou de que a terra seja redonda. Falamos de fé somente quando queremos substituir a evidência pela emoção.
RUSSELL, Bertrand. "Will religious faith cure our troubles?". In:_____.
Human society in ethics and politics. London: Routledge, 1992.
Caro Cicero,
ResponderExcluirMas não há o calcanhar de aquiles do que aí seja evidência?; a razão é antes evidência de si mesma e nisto não pode furtar-se ao fato de que sua positividade não é, evidentemente, dona da verdade.Não há evidência que desautorize a hipótese de Deus a menos que um fascínio do demonstrável assim o deseje.
Caro Anônimo,
ResponderExcluirNão posso crer que você queira afirmar que não haja prova válida de nada. Isso seria tolice. Não precisamos ter fé nos teoremas da geometria, por exemplo, porque temos provas deles. O fato de que a soma dos ângulos de um triângulo é igual à soma de dois ângulos retos não é objeto de fé, mas objeto de uma prova.
Russell não está, aqui, tentando “desautorizar” a hipótese de Deus. O que ele diz significa apenas que, se falamos de fé na existência de Deus, é porque não há absolutamente nenhuma prova de que Ele exista.
Na própria Enciclopédia Católica (http://www.catholic.org/encyclopedia/view.php?id=4554) lê-se que “a fé é necessária porque a Verdade Suprema falou ao ser humano e lhe revelou verdades que não são elas mesmas evidentes à mente humana”.
E é claro que a fé é necessária para quem quer crer que haja uma Verdade Suprema e que esta fale à mente humana...
Obrigado por sua resposta, caro Cicero.
ResponderExcluirMeu anonimato aqui foi involuntário, o google exige-me uma senha da qual não me lembro.
Não considero que a fé seja o mesmo que crença, assim como querer crer não é, necessariamente, uma disposição que dispense o bom uso da razão, ao contrário, parece-me que tal razão é chamada a mostrar a que veio justamente onde as coisas não se perfilam numa linearidade a la Russell, em que tudo corre a contento dessa espécie de cercadinho ontológico no qual a criança positivista estivesse a salvo das anomalias de uma realidade que desde sempre desafiou as facilidades prometidas por epistemologias naturalizantes e de acordo com as quais só se deve levar em consideração as entidades presentes em narrativas obcecadas pelo materialismo causal, fascinadas por leis científicas que, segundo o próprio Russell, seriam “mais do que fatos originais, são a matéria bruta da filosofia”.
Não me dou por contente com a presunção de suficiência do que você diz validade de uma prova, pois os sentidos possíveis numa narrativa (e a narrativa científica não é exceção) só existem graças ao evento de uma consciência em que nosso posicionamento crítico primário, bruto, está mais para constatador do que para probatório, já que esse constatar designa, a meu ver, com mais precisão o modo originário da consciência, modo este que não pode ser tributário do caráter de espelhamento necessariamente implicado numa narrativa ou demonstração do que se quis provar. Livrar o fenômeno da consciência das tautologias do pensamento não deixa de ser tarefa de uma razão que cumpre questionar: qual é a prova de que a consciência se reduz a isto ou aquilo quando abordada por qualquer “saber”? Como pode ser uma demonstração cabal de qualquer fato ou argumento que seja independente ou refratário a esta incerteza seminal e que não seja ao mesmo tempo a verificação de que não passa de uma pretensão ociosa da linguagem?
Proponho que o que você citou da Enciclopédia Católica pode ter mais consistência do que a defesa que fez da citação opaca de um autor, pacifista, de cujo discurso elegante e articulado emana um positivismo teimoso elaborado num período sombrio da história; período que infelizmente já havia encontrado mais verdade não em livros de filosofia ou na ciência, mas numa única e amargurada frase de E. Cioran : “Servo, aquele povo edificou catedrais; emancipado, horrores somente”
Mais uma vez agradeço pelo espaço e consideração,
Marcello.
Carlo Marcello,
ResponderExcluirO que me parece evidente agora é que não chegaremos a acordo sobre esses assuntos.
Você diz que não se dá por contente com a “presunção de suficiência” do que eu digo ser “a validade de uma prova”.
Ocorre o seguinte: ou você prova que nenhuma prova tem validade nenhuma (o que seria uma autocontradição performativa) ou é você que mantém uma injustificada “presunção de insuficiência” da validade das provas.
Afinal, o exemplo de prova que dei tem sido aceito por pensadores sérios como Platão, Aristóteles, Descartes, Leibniz, Spinoza, Kant, Hegel, Husserl, Popper... Filósofos esses que, aliás, servem-se de provas em suas argumentações.
Ainda mais estranha que sua “presunção de insuficiência da validade de uma prova” é a sua presunção de falar -- sem definir -- de um “modo originário da consciência”.
E quem foi que disse ou tentou provar que “a consciência se reduz a isso ou aquilo quando abordada por qualquer ‘saber’”?
Quanto aos horrores cometidos pelo povo “emancipado”, garanto que não ficam atrás dos que foram cometidos pelo povo que “edificou catedrais”. Se você duvida disso, dê uma olhada nos dez grossos volumes da “Kriminalgeschichte des Christentums” (História criminal do cristianismo), de Karlheinz Deschner.
Finalmente, observo que, no lugar de mencionar o “positivismo” de Russell, o certo, para você, teria sido enfrentar os argumentos dele.