3.4.13

Vladimir Safatle: "O primeiro embate"

O seguinte -- excelente -- artigo de Vladimir Safatle foi publicado no dia 2 de abril, na Folha de São Paulo:


Vladimir Safatle




O primeiro embate

Os embates em torno da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara talvez sejam o primeiro capítulo de um novo eixo na política brasileira.

A maneira aguerrida com que o deputado Marco Feliciano e seus correligionários ocupam espaço em uma comissão criada exatamente para nos defender de pessoas como eles mostra a importância que dão para a possibilidade de bloquear os debates a respeito da modernização dos costumes na sociedade brasileira. Pois, tal como seus congêneres norte-americanos, apoiados pelo mesmo círculo de igrejas pentecostais, eles apostam na transformação dos conflitos sobre costumes na pauta política central. Uma aposta assumida como missão.

Durante os últimos anos, o conservadorismo nacional organizou-se politicamente sob a égide do consórcio PSDB-DEM. Havia, no entanto, um problema de base. O eleitor tucano orgânico é alguém conservador na economia, conservador na política, mas que gosta de se ver como liberal nos costumes. Quando o consórcio tentou absorver a pauta do conservadorismo dos costumes (por meio das campanhas de José Serra), a quantidade de curtos-circuitos foi tão grande que o projeto foi abortado. Mesmo lideranças como FHC se mostraram desconfortáveis nesse cenário.

Porém ficava claro, desde então, que havia espaço para uma agremiação triplamente conservadora na política brasileira. Ela teria como alicerce os setores mais reacionários das igrejas, com suas bases populares, podendo se aliar aos interesses do agronegócio, contrariados pelo discurso ecológico das "elites liberais". Tal agremiação irá se formar, cedo ou tarde.

Nesse sentido, o conflito em torno dos direitos dos homossexuais deixou, há muito, de ser algo de interesse restrito. Ele se tornou a ponta de lança de uma profunda discussão a respeito do modelo de sociedade que queremos.

A luta dos homossexuais por respeito e reconhecimento institucional pleno é, atualmente, o setor mais avançado da defesa por uma sociedade radicalmente igualitária e livre da colonização teológica de suas estruturas sociais. Por isso, ela tem a capacidade de recolocar em cena as clivagens que sempre foram o motor dos embates políticos.

A história tem um peculiar jogo por meio do qual ela encarna os processos de transformação global em lutas que, aparentemente, visam apenas a defesa de interesses particulares.

Ao exigir respeito e reconhecimento, os homossexuais fazem mais do que defender seus interesses. Eles confrontam a sociedade com seu núcleo duro de desigualdade e exclusão. Por isso, sua luta pode ter um forte poder indutor de transformações globais.



11 comentários:

  1. o homem não se entende
    com a diversidade
    e muito menos
    com igualdade

    Improviso

    "Uma rosa depois da neve.
    Não sei que fazer
    de uma rosa no inverno.
    Se não for para arder,
    ser rosa no inverno de que serve?"

    EUGÊNIO DE ANDRADE

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  2. excelente artigo! de pensadores assim q a esquerda precisa.
    abrçs!

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  3. Caros,

    1. Um dia antes desse artigo do Safatle, eu escrevi no Twitter que o Marco Feliciano é um marco: um marco do avanço do fideísmo.

    2. Por que o fideísmo avança? Onde ele avança? A resposta a estas questões aponta para uma omissão gravíssima.

    3. Temos quase VINTE ANOS de social-democracia no poder e nenhuma mudança significativa em termos educacionais. Como o fideísmo alimenta-se também de ignorância, uma parte dos frutos que estamos colhendo agora é decorrência dessa grave negligência.

    4. Não bastasse isso, PT e PSDB passaram, cada um a seu modo, a dar cada vez mais espaço à bancada fideísta (católica ou evangélica), já que eram seus devedores. Com efeito, na busca desesperada por votos, aqueles partidos, durante as últimas eleições, deram-se à lavagem de pés de padres e pastores e, como incoerência nunca foi um problema para eles, adotaram a retórica fideísta, em detrimento de suas bandeiras históricas.

    5. Agora os tentáculos do fideísmo começam a incomodar, e os intelectuais - que aqui na nossa terrinha só preveem o passado - despertaram para esse risco, mas, estranhamente, com uma certa resignação.

    6. Pois bem, na próxima eleição, o jogo repetir-se-á, a bancada da fé vai aumentar e a ameaça de retrocesso idem. Preparem seus ouvidos para as indignações cínicas e serôdias.

    Abraços.

    Aetano

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  4. Aetano,

    concordo com o que você diz. Também tenho dito essas coisas. O PT e o PSDB têm se comportado pessimamente, no que diz respeito a esse assunto. O Serra foi vergonhoso, em São Paulo. E o Feliciano não estaria na Comissão de Direitos Humanos, se não fosse pela ânsia eleitoreira do PT. E este, há tanto tempo no poder, não conseguiu mover uma palha, no que diz respeito à educação.

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  5. Com uma tipo como Feliciano e o Maggi, o rei da soja, o rei da moto -serra na presidencia da comissao de Protecao ao ambiente, nossos indios nao tem outra opcao senao o desespero. Veja Antonio Cicero esta causa da Avaaz que nos criamos, p chamar a atencao desse crime, desse genocidio.http://www.avaaz.org/po/petition/Nao_ao_suicidio_dos_nossos_indios/?ccdkabb

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  6. Caro Cicero,

    É lamentável e preocupante tudo isso. Acho que vc deveria se manifestar publicamente, pois muita gente - eu inclusive - tem em vc uma referência. Escreve, Cicero!

    Aetano

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  7. Caro Aetano,

    Obrigado. O problema é que exatamente agora eu estou numa roda viva, inteiramente sem tempo nem para as coisas que já comecei a fazer. Vamos ver.

    Abraço

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  8. Vou me juntar ao coro: Escreva, Cícero!
    Como vc mesmo já disse, de certa maneira, tempos atrás, os intelectuais não devem silenciar.
    Abraço,
    Flavio Barbeitas.

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  9. Este trecho é um achado: "Quando o consórcio tentou absorver a pauta do conservadorismo dos costumes (por meio das campanhas de José Serra), a quantidade de curtos-circuitos foi tão grande que o projeto foi abortado."

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  10. Agradeço sinceramente aos amigos que me pedem que escreva. Mas a razão pela qual não estou escrevendo é que estou... escrevendo. Explico: estou precisando terminar um texto que, para mim, é muito importante. Antes disso, não me animo a escrever outras coisas. Depois, sim. Obrigado novamente e um grande abraço.

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