A seguinte entrevista, que concedi ao jornalista Carlos de Souza, foi publicada no jornal Tribuna do Norte, de Natal, no dia 15 do corrente:
1. Você é filósofo e poeta. Como você define as duas atividades?
O filósofo representa a razão radicalmente ambiciosa, a razão que pretende alcançar a verdade universal, necessária e absoluta no que diz respeito ao ente enquanto ente, no que diz respeito ao conhecimento e no que diz respeito aos valores éticos e estéticos.
O poeta é um artista que produz obras literárias em que não é possível separar forma de conteúdo, significante de significado, intelecto de imaginação, razão de emoção, conceito de sensação etc.
2. Você acha que a poesia perdeu sua capacidade de influir no mundo contemporâneo?
Acho que a poesia – principalmente a poesia escrita – jamais teve grande capacidade de influir no mundo contemporâneo a ela. A meu ver, seu sentido não é intervir no mundo, mas facultar àquele que a frui o acesso outras dimensões do ser, que não a dimensão pragmática, utilitária, instrumental, em que necessariamente passamos a maior parte das nossas vidas.
3. Como você faz diferença entre um poema bom e um ruim?
Um poema bom é um poema que, ao provocar um intenso jogo das nossas faculdades – razão, intelecto, imaginação, sensibilidade, emoção, sensualidade – entre si, dá ao leitor acesso a outras dimensões dos ser.
4. João Cabral de Melo Neto dizia que escrever poesia é transpiração. Você acredita em inspiração?
Sim, mas a inspiração não se separa da transpiração. É principalmente durante o trabalho, durante a luta com as palavras, que o poeta colhe as mais felizes intervenções do acaso e do inconsciente chamadas “inspirações”.
5. Você passou a ser conhecido do grande público através das letras de músicas escritas para sua irmã Marina Lima. Como você diferencia letra de música e poema?
A obra de arte em que a letra é normalmente apreciada é a canção, composta de letra e música. A letra é boa se contribuir para a composição de uma bela canção.
No que me diz respeito, como não componho música, faço letras para composições musicais que me são enviadas pelos meus parceiros. Por isso, ao fazer uma letra, levo em conta a música à qual ela se associará, o parceiro que a enviou e o cantor ou a cantora a que se destina.
Já quando faço um poema, não penso senão nas exigências dele mesmo.
Contudo, é possível que uma letra seja um excelente poema, e é possível que um poema se converta numa excelente letra, quando algum compositor faz uma música para acompanhá-la.
Nem o poema é automaticamente melhor do que a canção, nem vice-versa. Toda obra de arte deve ser julgada enquanto indivíduo, e não enquanto membro de uma espécie.
6. Você participou de alguns filmes, um de Bressane e outro de Caetano, se não me engano. Como foi essa experiência?
Caetano Veloso e Julinho Bressane são velhos amigos. Assim, foi um prazer trabalhar para eles. Por outro lado, como não sou ator, não gosto de me ver na tela, pois sempre fico muito crítico em relação ao meu desempenho.
7. Você também lançou um CD lendo seus próprios poemas e participou de outro, na companhia de outros artistas, lendo Drummond. Como é sua relação com as novas mídias?
Embora ache que os poemas, inclusive os meus, devem ser lidos, em primeiro lugar, por cada leitor individualmente, gosto de ler poemas – meus e de outros poetas – em voz alta.
Quanto à Internet, uso-a, em primeiro lugar, para me comunicar com outros, através de e-mails. Em segundo lugar, uso-a como uma grande enciclopédia ou biblioteca. Em terceiro lugar, mantenho um blog, onde posto pequenos textos que admiro, meus ou de outros.
8. Qual a afinidade entre você e a poesia de Carlos Drummond de Andrade?
Gosto muito, desde adolescente, da poesia de Drummond. Quando amo um poema, ele faz parte de minha vida, e eu o sinto como se ele fosse meu, como se eu o tivesse escrito. Ora, amo vários poemas de Drummond.
9. Sua obra ensaística toca sempre no assunto vanguardas. O poeta Ferreira Gullar diz que as vanguardas já nascem velhas. Isso procede?
Não conhecendo o contexto em que Gullar disse isso, não sei exatamente o que ele estava dizendo, de modo que prefiro não comentar.
Minha posição em relação às vanguardas é a seguinte. “Vanguarda” vem de “avant-garde”. “Avant-garde” é o destacamento que vai à frente do grosso das tropas, apontando o caminho que elas devem seguir. Historicamente, cada vanguarda artística apontou um caminho diferente para a arte. Nenhum desses caminhos foi seguido por todo o exército, mas, no total, as vanguardas abriram uma infinidade de caminhos. Graças a elas, hoje sabemos que nenhum caminho está a priori vedado à poesia. Sabemos que é sempre preciso considerar cada caso individualmente. Isso não é pouco. Entretanto, uma vez que isso já é algo conhecido, não precisa ser repetido. Assim, não há mais sentido nenhum em falar de “vanguarda”, pois não resta nenhum caminho a abrir. Continua a haver arte experimental, é claro. De certo modo, toda arte é experimental, mas a arte experimental não pretende mais estar à frente de todos os demais artistas, experimentais ou não, de modo que não pretende ser vanguarda. Além disso, historicamente, cada vanguarda, em sua luta por afirmar determinado caminho, acabava por desprezar os caminhos já abertos. Hoje estão abertos não só os caminhos apontados pela vanguarda e os que a arte experimental contemporânea está a trilhar, mas também os que a tradição havia antes aberto.
10. Seus livros O Mundo Desde o Fim e Finalidades Sem Fim, tem um espaçamento de dez anos entre a publicação de um e outro? Dá trabalho escrever filosofia?
Não só dá trabalho, como sou muito lento. E gosto mais de ler do que de escrever.
11. Os livros de poemas Guardar, A Cidade e os Livros e Livro de Sombras também guardam uma distância de épocas. É difícil escrever poesia?
Normalmente, demoro mais ainda para escrever um poema do que um ensaio ou um artigo. E um ensaio ou artigo eu escrevo num prazo relativamente determinado, ainda que longo. Já a um poema não se pode determinar um prazo. Ele tem seu tempo próprio. E nunca se sabe se um poema que se começa a escrever vai, afinal, ficar pronto. Pode não dar em nada.
12. Você também organizou algumas coletâneas, uma com o poeta Eucanaã Ferraz e outra com Waly Salomão. Como foi essa experiência?
A que fiz com Waly, chamada “O relativismo enquanto visão do mundo” foi a reunião de uma série de palestras organizadas por nós dois em São Paulo, em 1994, com filósofos de primeira linha, como, entre outros, Richard Rorty, Ernest Gellner, Peter Sloterdijk e Bento Prado Júnior.
A que fiz com Eucanaã foi uma nova antologia da obra de Vinícius de Moraes, poeta que ambos amamos. Escolhemos os poemas que tanto eu quanto ele considera os melhores do Vinícius.
13. Você está na coletânea Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século XX. Você se considera um poeta canônico?
Não.
14. Seus poemas lembram a poesia clássica. Quais são suas influências?
Muitas. Para mim, de fato, o poeta mais impressionante é o romano Horácio. Mas gosto de tantos poetas, desde os gregos e romanos... Não sei.
15. Quem está escrevendo poesia de qualidade hoje no Brasil?
Prefiro não responder, porque, sempre que respondo em alguma entrevista a essa pergunta, tenho problemas com os poetas que não me lembrei de citar.
16. Você tem um blog, homepage, na internet... Como é seu relacionamento com o público pela web?
Em geral, muito bom. Havia mais discussão – às vezes de alto nível, às vezes nem tanto – quando eu publicava no blog os artigos, frequentemente polêmicos, que escrevia para a Folha de São Paulo. Em geral eram os fanáticos – religiosos ou políticos (de direita e de esquerda) – que baixavam o nível. Hoje não escrevo mais para jornal nenhum, de modo que os textos que publicam são, em geral, poemas e, em geral, esses poemas são menos polêmicos do que os artigos que eu escrevia para a Folha.
17. Você se interessa por política? Se sim, como você vê o Brasil de hoje?
Penso que o Brasil melhorou muito, a partir da administração de Fernando Henrique. E gosto de Dilma.
18. Que conselhos você daria a um jovem poeta?
Que leia muita poesia; que conheça o máximo que consiga da poesia canônica.
Delícia de entrevista, parabéns! Vou ler o que puder da poesia canônica, parece divertido, as repetições, ritmo e sonoridade, e depois, sem regras, fazer algo também!
ResponderExcluirBeijo
Obrigado pela publicação Antônio Cícero!!! Palavras sábias são difíceis de ler ou escutar!!! Outo dia li uma entrevista de Drumond que também me fartei!
ResponderExcluirAbraços,
Carlos Perez