1.10.12

Ruy Espinheira Filho: "Depois"




Depois


Depois, saiu andando pela tarde.
Alguém cantava, longe, acalentando
os escombros do ocaso. E até onde
ele chegara se chamava vida.
Assim pensou, enquanto ouvia a doce
canção da Ausente, de onde renasciam
borboletas, regatos, girassóis
e cães ladrando em quintais antigos.
Olhou (andando, andando) o céu cinzento.
O que restava? Aquilo. As tantas horas
mortas, mortas palavras, morto chão
do amor, dispersos hálitos de alma,
e morta a infância, e tudo morto, morto
- mas persistindo, ali, com uma pátina
inelutável, e se chamava vida.
E ele parou, sentindo-se. E, repleto,
depois saiu andando pela tarde.



ESPINHEIRA FILHO, Ruy. "Memória da chuva". In:_____. Antologia poética. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado/Copene, 1996.

3 comentários:

  1. o Ruy é uma das grandes vozes contemporâneas, poeta de lira avassaladora,



    abraço

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  2. Rio

    Nesse rio
    Minha‘alma passa
    Sem perceber que a noite
    Com seu açoite
    Meu ser perpassa
    E nada sou
    no entanto
    Aqui estou
    À beira do abismo
    Em que me largo
    Largo tudo
    O fardo, o bardo,
    Enalteço apenas o começo
    Pertenço ao que não tem preço
    Uma nota solta no rol da fantasia
    Precipitada em teu ser algum dia.

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  3. "Aquilo. As tantas horas
    mortas, mortas palavras, morto chão
    do amor, dispersos hálitos de alma,
    e morta a infância, e tudo morto, morto
    - mas persistindo, ali, com uma pátina
    inelutável, e se chamava vida.
    E ele parou, sentindo-se. E, repleto,
    depois saiu andando pela tarde." Me impressiona...a pátina que eu chamo de pasteurização! E a morte sempre anterior e presente aos nossos passos! Belo poema, gostei muito mesmo. Ao invés de pátina, poderia bem ser(...mas persistindo, ali, a pasteurização humana inelutável, e se chama vida...)! Bateu comigo, Muito obrigado Antônio Cícero!

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