12.6.12
Antonio Cicero: "Os diferentes caminhos da filosofia e da poesia"
A seguinte entrevista, dada por mim a Diego Viana, foi publicada no jornal Valor Econômico no dia 11 de junho:
Os diferentes caminhos da filosofia e da poesia
"Quando chega o filósofo, o poeta vai embora; e, enquanto o filósofo está presente, o poeta nem sequer aparece", diz Antonio Cicero, que lança livro
O carioca Antonio Cicero é homem de dois ofícios. Como poeta, publicou as coletâneas "Guardar" (1996) e "A Cidade e os Livros" (2002). Como filósofo, lançou "O Mundo Desde o Fim" (1995) e "Finalidades sem Fim" (2005). Versos seus, como "Virgem", "Três" e "Fullgás", se tornaram sucessos da música popular. Grande parte de seu tempo é dedicado a essas duas atividades - tanto as de lazer quanto as de trabalho, ele ressalta.
Com o lançamento de "Poesia e Filosofia" (Civilização Brasileira, "Coleção Contemporânea: Filosofia, Literatura, Artes"), Cicero procura responder à curiosidade de seus leitores quanto à ligação entre essas duas atividades. E a resposta, peremptória, é oferecida logo na introdução: são duas atividades humanas inteiramente diferentes uma da outra.
"Costumo dizer que, em mim, quando chega o filósofo, o poeta vai embora; e, enquanto o filósofo está presente, o poeta nem sequer aparece", diz o autor. "Sei que isso parece um tanto esquizofrênico, mas é assim."
O ponto de partida é a experiência pessoal, mas os capítulos se desenvolvem a partir de uma argumentação filosófica. As ideias desenvolvidas no livro já apareciam em um artigo publicado em 2007 na "Folha de S. Paulo", com o mesmo título.
"Quando escrevi o artigo, já pensava a maior parte das coisas que agora desenvolvo no livro", conta. O convite para participar da coleção organizada por Evando Nascimento na Civilização Brasileira foi encarado como uma oportunidade para aprofundar o pensamento sobre a relação entre poesia e filosofia - ou a ausência dessa relação.
"O que faço questão de mostrar é que são inteiramente diferentes os fatores que nos fazem dar valor a um poema, por um lado, e os que nos fazem dar valor a uma obra filosófica, por outro."
Para sustentar seu argumento, Cicero evoca uma estética de inspiração kantiana, segundo a qual a produção de um poema resulta do livre jogo entre a imaginação e o entendimento. Tudo aquilo que está presente na consciência do poeta pode acabar entrando no poema, se o resultado final assim o permitir. "Embora também na filosofia tudo possa ser levado em conta, o que nela domina é a razão", resume o filósofo.
O poeta evoca um célebre diálogo entre o pintor Edgar Degas (1834-1917) e o poeta Stéphane Mallarmé (1842-1898) para explicar mais a fundo sua intenção. Degas teria dito a Mallarmé que poderia ser poeta "porque tem muitas ideias", e ouviu a resposta: "A poesia não é feita com ideias, mas com palavras".
"Tanto os poetas quanto os filósofos são pensadores", afirma Cicero. A diferença, para ele, é que os filósofos pensam sobre o mundo, como "se estivessem do lado de fora, ou acima do mundo, para pensar sobre ele". O mundo é, portanto, um objeto para a apreensão do pensamento.
Já os poetas pensam o mundo: "Eles estão imersos no mundo que pensam. Não há nem mediação linguística, nem mediação nenhuma entre eles e o mundo que pensam".
Embora o livro esteja estruturado em torno da fronteira rigorosa entre as duas atividades cultivadas por Antonio Cicero, os primeiros capítulos se dedicam aos problemas comuns do poeta e do filósofo. O primeiro deles é a exigência de dedicação e tempo, que coloca ambas as atividades no contrapé de uma modernidade imediatista e utilitarista. Tanto a leitura de poemas e ensaios filosóficos quanto sua produção ficam prejudicadas.
"A temporalidade contemporânea é inteiramente submetida à utilidade, à instrumentalidade e ao princípio do desempenho", cita o filósofo. "Contudo, é a filosofia que nos permite criticar a exclusividade desse princípio, e é a poesia escrita que nos dá acesso a outro modo de apreensão do ser", completa o poeta.
Outro tema invocado no livro é o da origem das duas atividades: na poesia, a inspiração; na filosofia, a intuição. "Ambos provêm do acaso e do inconsciente", afirma Cicero. "Mas a intuição filosófica se aproxima de uma espécie de curto-circuito conceitual ou intelectual, enquanto a inspiração do poeta envolve todas as suas faculdades."
Para aqueles que tenham dificuldade em concordar com suas ideias, o poeta-filósofo indica duas obras que apresentam ideias contrárias. Do filósofo italiano Giorgio Agamben ele recomenda "La Fine del Poema" (O Fim do Poema); do poeta brasileiro Alberto Pucheu recomenda "Pelo Colorido, Para Além do Cinzento (A Literatura e Seus Entornos Interventivos)".
Em julho, Antonio Cicero participará da conferência de abertura da 10ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), ao lado de Silviano Santiago. O poeta e o crítico falarão sobre Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), o homenageado deste ano. "Sempre haverá o que dizer sobre a poesia de Drummond, porque Drummond escreveu vários grandes poemas", diz. "Um único grande poema já é capaz de evocar tantas coisas que nada do que se disser sobre ele será capaz de esgotá-lo."
"Poesia e Filosofia"
Antonio Cicero. Civilização Brasileira, 144 págs., R$ 29,90
Eu costuma pensar que há um conduta astigmática num ser que seja poeta e filosofo. Mesmo que estes não se encontrem no jogo esquizo: poesia e filosofia. Criar uma matriz do que é razão e do que não é razão, é em si um um jogo de finalidades sem fim.
ResponderExcluirquerido,
ResponderExcluiras duas palavras de sempre: clareza e precisão.
beijos,
arthur.
Cícero,
ResponderExcluirJá algumas vezes eu li artigos e entrevistas suas abordando com propriedade as diferenças entre poesia e filosofia. Não sei se é uma insistência dos jornalistas, se é uma preocupação sua ou se é um tema em debate. Mas eu confesso que não entendo o motivo desses textos.
Eu não consigo imaginar alguém achando que poesia e filosofia possam se confundir. Quem assim pensa nunca entendeu um texto filosófico nem usufruiu um texto poético.
Portanto, eu queria te perguntar: alguém sério acha que filosofia e poesia tem algo em comum?
Sim, João Renato.
ResponderExcluirNessa entrevista mesma cito dois autores que pensam assim: Giorgio Agamben e Alberto Pucheu. Falando da separação entre poesia e filosofia, Agamben -- pensador que se encontra na crista da moda -- afirma, por exemplo, que o homem moderno, tendo se esquecido de que a separação entre a poesia e a filosofia é um produto de uma cisão historicamente produzida, aceita-a habitualmente como se ela fosse perfeitamente natural e evidente, quando, na verdade, ela é, segundo ele, "a única coisa que mereceria interrogação".